• Nenhum resultado encontrado

A delimitação da contratação mais vantajosa à luz do desenvolvimento nacional

Cotidianamente, a Administração se depara com ao menos duas propostas, seja para a aquisição de um produto, seja para a prestação de um serviço, com valores distintos. Em princípio, pode-se estimar que a de menor preço repouse em uma solução ecologicamente mais perniciosa do que outra, de maior valor. Surge aí, portanto, uma contradição objetiva entre os valores.

430 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 76.

431 Cfr. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários..., p. 76 e seguintes.

Não se pode descartar a ideia de que a implantação de políticas secundárias e/ou horizontais nas contratações públicas envolva um custo potencialmente superior ao benefício direto e imediato obtido, uma vez que a prossecução destas políticas pressupõe o pagamento de um valor superior pelos bens ou serviços contratados.432

A orientação da contratação acima à solução ambientalmente mais adequada ou, de outro lado, a que pragmaticamente apresente uma vantagem não econômica, pode conduzir à elevação dos custos administrativos. Aliás, esse resultado foi explicitamente previsto e autorizado nos §§ 5º e seguintes do art. 3º da Lei 8.666/93. Em outras palavras, passou a ser legislativamente previsto que a Administração Pública poderá se forçar a desembolsar valores superiores para se aprovisionar dos bens e serviços de que necessita, desde que sejam compatíveis com as finalidades relacionadas ao desenvolvimento nacional sustentável.433

Deve-se reconhecer, portanto, que para além do objetivo imediato da contratação, a realização de políticas horizontais apresenta um custo econômico, a ser arcado pela Administração.

De outro lado, é fundamental a observância de determinadas balizas e limites para o dispêndio a maior de recursos públicos. Consoante será demonstrado adiante neste capítulo, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável na contratação pública deve ser levada a efeito no contexto do princípio da proporcionalidade. É preciso reconhecer que toda atividade estatal se orienta a promover os direitos fundamentais, contudo, isso não pode significar contratações que causem dano à Administração. A própria sustentabilidade demanda a observância de índices mais elevados de economicidade.

Merece menção, ainda, que se a Administração não buscar realizar a satisfação de direitos fundamentais, seja por meio de serviços públicos, seja por intermédio de políticas horizontais, para manter níveis superavitários de caixa, não estará agindo em conformidade

432 McCRUDDEN, Chrystopher. Buying Social Justice – Equality, Government Procurement and Legal Change. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 573.

433 Aduz Egon Bockmann Moreira que “o legislador instalou uma externalidade positiva a ser obrigatoriamente perseguida em todas as contratações públicas. A vantagem da proposta precisa ser aferida de modo interno e externo à futura contratação: ali, sob a perspectiva tradicional dos benefícios econômico-financeiros daquele contrato (objeto imediato da contratação); aqui, num patamar superior e diacrônico, pertinente a medidas político-administrativas que tragam consigo o desenvolvimento sociopolítico, ambiental e econômico da Nação Brasileira (objetivo mediato da contratação)”. MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Malheiros, p. 83.

com a atual Constituição Federal, pois terá se desincumbido de seu dever institucional sem a devida autorização.

É impositiva, portanto, a ponderação entre as finalidades constitucionais a serem alcançadas, tanto do ponto de vista da equidade, quanto da eficiência.

Atualmente, destaca-se que do mesmo modo que a descrição do objeto no termo de referência estabelece as especificações destinadas a garantir a utilidade do bem adquirido ou do serviço a ser obtido diante das necessidades que motivaram a abertura do procedimento, ele deverá, também, incluir a(s) qualidade(s) que o torne apto a satisfazer os seus efeitos mediatos ou horizontais.

O objeto do contrato passou a conter elementos que não dizem respeito tão-só à utilidade que o bem ou o serviço prestará à Administração, mas que também guardem pertinência com o resultado da sua compra para a comunidade como um todo. Com a nova finalidade da licitação, um objeto não é mais definido apenas pelo que é capaz de produzir, mas também pelos efeitos que sua compra desencadeia.

Sob outro vértice, merece menção o fato de que, nem sempre a inserção de efeitos horizontais na contratação pública enseja a maximização de custos. Ao contrário, alude Juarez Freitas que a sustentabilidade, no seio da contratação pública representa um potencial ganho de eficiência, com a redução significativa de custos, além de se constituir em um ganho de imagem ou de reputação e, mais do que isso, em uma estratégia de agregação de valor para a própria Administração e para os contratados.434

Antes, a necessidade da Administração se assentava na utilidade do bem, ou seja, o resultado oriundo do seu uso, parâmetro que servia também como medida da maior vantagem. Agora a aquisição do bem não visa mais estritamente atender à necessidade suprível pela utilidade que ele produz, mas também necessidades de outra ordem, relacionadas com aspectos macroeconômicos e expressamente mencionadas na lei 8.666/93, em especial os arrolados no seu artigo 3º, bem como no atendimento dos interesses previstos no §7º do referido dispositivo legal, a saber: (i) a geração de emprego e renda, (ii) efeito na arrecadação de tributos e (iii) desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país.

Nem sempre, ademais, o eventual aumento no preço da aquisição resulta em aumento dos custos gerais da Administração isso porque as políticas sustentáveis não levam

434 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao futuro. 2. Ed., Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p.

248.

necessariamente ao aumento dos custos. Isto é especialmente real no caso daquelas dirigidas à diminuição do uso de recursos. No Estado de São Paulo, por exemplo, um programa de sensibilização de servidores quanto à economia de água economizou aos cofres públicos, em único prédio, 660 mil reais. Esta racionalidade de políticas que reduzem concomitantemente o consumo de recursos e o gasto público pode ser trazida para as compras públicas sustentáveis – por meio, por exemplo, da aquisição de produtos com maior durabilidade. No Estado de Minas Gerais, a substituição de asfalto comum por asfalto de borracha produzido a partir de pneus usados resultou em uma economia de R$ 100 milhões para o Estado em quatro anos, pois (além de ser ambientalmente mais adequada) esta alternativa possui durabilidade 30% maior.435

Nestes casos, há um “jogo ganha-ganha”, em que a incorporação de uma política de sustentabilidade oferece benefícios tanto ao fornecedor quanto à Administração – visto que ambos têm interesse no fornecimento de bens de maior qualidade e eficiência, mas os instrumentos da contratação tradicional conduziam a operações opostas a este fim. Há, portanto, um aumento na eficiência da contratação.

Desta forma, tem-se que, em muitos casos, a licitação sustentável não conflita com o princípio da economicidade – pelo contrário, ela o fortalece. A cidade de Kolding, na Dinamarca, é um bom exemplo prático disso em termos globais. Lá, quase a totalidade das compras públicas foi alterada para incluir critérios de sustentabilidade. O resultado, do ponto de vista financeiro, demonstrou que, nos últimos 10 anos, houve uma redução de 10% no orçamento de compras.436 Ao lado destes casos em que a alternativa sustentável se mostra econômica já em curto prazo, há situações em que o produto sustentável oferece economias futuras ao poder público. Isto porque as alternativas sustentáveis oferecem vantagens como eficiência energética, de modo que as economias futuras decorrentes do uso de determinado produto acabam por equilibrar o custo adicional inicial.

O mesmo se aplica a produtos eficientes no uso de água e a bens que oferecem custos reduzidos para manutenção e disposição. Entretanto, frente à limitação dos recursos

435 GVCES. Compra Sustentável: a força do consumo público e empresaria para uma economia verde e inclusiva, p. 63.

436 GVCES. Compra Sustentável: a força do consumo público e empresaria para uma economia verde e inclusiva, p. 63.

públicos, é essencial que as compras públicas sustentáveis sejam compatibilizadas com o princípio da economicidade437

Diante disso, denota-se que a ponderação do best value for money pode surgir posteriormente à definição de políticas horizontais e/ou secundárias, ainda que a adequação destas deva ser precedida de uma análise que não deve considerar tão-só o best value for money da aquisição, mas antes o custo/benefício da prossecução da política secundária ou horizontal por meio da contratação pública.

Coloca-se, neste ponto, a seguinte questão: o pagamento de um valor superior ao que poderia ser ordinariamente obtido pela Administração não ofende o dever (a regra normativa) de obter a contratação mais vantajosa? O que pode ser (ou deve ser) considerada a contratação mais vantajosa?

Em princípio, era comum a alusão de que a maior vantagem se caracterizaria com a satisfação do interesse coletivo por meio da execução do contrato. Com o desenvolvimento da matéria, porém, essa resposta não passou a dar conta da complexidade do problema.

De acordo com Marçal Justen Filho, a maior vantagem possível seria encontrada por meio da conjugação de dois aspectos inter-relacionados: a prestação menos onerosa para a Administração, uma vez que isso lhe permite a satisfação de outras necessidades com os recursos remanescentes e também com a obrigação do particular no sentido de realizar a melhor e mais completa prestação.438 Nesse passo, a maior vantagem emanaria da situação fática que represente tanto o menor custo, quanto o maior benefício para a Administração.

O maior benefício, destarte, não se circunscreve ao objeto imediato da contratação, ele pode (e deve) ser associado também aos efeitos decorrentes das políticas horizontais.

Assim sendo, o juízo a propósito da maior (ou melhor) vantagem não apresenta uma exclusiva dimensão. Tradicionalmente, ele é visualizado sob uma dimensão econômica estrita. Em princípio, a economicidade (best value for money) é retratada pelo menor desembolso estatal e pelo máxima e melhor obtenção.

437 LICITAÇÕES SUNTENTÁVEIS. Juliana Bonacorsi de Palma e Nelson Novaes Pedroso Junior (coord.) In: Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos Mecanismos jurídicos para a modernização e transparência da gestão pública. Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos. v.

2.Brasília: Ministério da Justiça, 2013, p.175

438 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 71.

No entanto, há múltiplos valores relevantes para o Estado para além da eficiência econômica, que de modo algum a elidem, mas que devem ser levados em conta para a definição da contratação pública. Há casos em que diversas propostas podem ser consideradas vantajosas, dependendo do ângulo sob o qual se conceitue a maior vantagem, ou em conformidade com o valor que se entender que deva prevalecer.439 Cabe à Administração, cujos gestores foram escolhidos democraticamente, realizar as escolhas mais vantajosas, levando em conta a pluralidade de visões a propósito do que pode, naquele tempo e lugar, ser considerado mais vantajoso.

Por conta disso, é viável o argumento de que esse tema envolve discussões relevantes, mas que não comportam solução teórica abstrata, distanciada da realidade da Administração.

Por conseguinte, somente diante do caso concreto, à luz da Constituição, da legislação aplicável e do ato convocatório, é que o gestor, no exercício de sua competência de autonomia pública administrativa, irá adequar as suas escolhas quanto à proposta mais vantajosa.

3.9. As políticas públicas horizontais no âmbito dos contratos administrativos: a