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O movimento do Green Public Procurement como precursor das políticas públicas

Green Public Procurement, eco-efficient procurement, sustainable public procurement e enviroment friendly purchaising403 são variações usualmente utilizadas na esfera internacional para denominar as contratações públicas que pretendem o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e social e a salvaguarda do meio ambiente ecologicamente equilibrado, de forma a alcançar um standard mínimo quanto às exigências de sustentabilidade em todos os produtos, bens e serviços obtidos pelas entidades públicas404. Dito de outro modo, trata-se, a rigor, de otimizar o dever constitucional estatal de preservar o meio ambiente também a partir do seu “poder de compra” como grande consumidor e usuário de recursos naturais. Com isso, torna-se impositivo que as contratações públicas privilegiem os bens, os serviços e as obras que causem menor impacto ambiental e social, isto é, que sejam consideradas sustentáveis.

Os movimentos de contratação pública verde ou ambientalmente adequada ganharam alento e vitalidade, efetivamente, após as demonstrações levadas a efeito por múltiplos agentes, públicos e privados, de que as políticas públicas tradicionais de proteção ao meio ambiente não têm sido suficientemente responsivas à progressiva destruição da biodiversidade, ao crescimento exponencial do volume de resíduos, à escassez de água doce e limpa, ao aquecimento global agravado pelo uso de combustíveis fósseis como energia etc.

Diante da ausência de resultados comprovados a propósito da proteção ambiental, as contratações públicas passaram a funcionar também como forma de minimizar os danos e buscar potencializar os efeitos positivos relacionados à sustentabilidade.

Vasco Pereira da Silva considera a ampla e generalizada preocupação pela conjuntura socioambiental um dos elementos caracterizadores do Estado contemporâneo. A proteção do ambiente se torna, a partir da segunda metade do século XX, numa tarefa inevitável do Estado, que deve ir além de um estado mínimo ecológico para assumir um cariz claramente

403 PIRES, Brígida Raquel Coelho da Fonseca; TEIXEIRA, José Manuel Cardoso. Environmental Criteria in Public Procurement of Construction Work: a Portuguese Analysis. Saarbrücken: VDM, 2009, p. 11 e seguintes.

404 Cfr.: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional ecológico e democracia sustentada.

In: ARAGÃO, Alexandra; FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato. (org.) Estado de Direito Ambiental: Tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 33

intervencionista, coerente com a dimensão organizativa que a Administração passa a assumir neste contexto.405

O green public procurement pretende, por conseguinte, mitigar os efeitos de um modelo de desenvolvimento considerado “ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto”, buscando convertê-lo gradativamente em um modelo apto a garantir a salvaguarda do meio ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.

Para contribuir para o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a contratação pública ambientalmente sustentável impõe o uso racional dos recursos públicos, a eficiência e a economicidade no uso desses recursos. Ela deriva do fato de que a Administração, como grande consumidora deve preservar o meio ambiente não apenas por meio da repressão, educação ou reparação, mas, igualmente, por intermédio do consumo ambientalmente responsável.

Para além do consumo de bens e produtos verdes, a salvaguarda ao meio ambiente ecologicamente equilibrado impõe ao Estado o exercício de um papel de indução de comportamentos sociais sustentáveis e de uma educação para a sustentabilidade. De acordo com John Elkington, não é suficiente ‘esverdear’ os produtos que as pessoas compram ou mesmo as indústrias que fabricam tais produtos. Para ele “(...) a mudança necessária para estilos de vida mais sustentáveis somente pode ocorrer com a mudança apropriada dos nossos valores”.406

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, nos termos do artigo 174, da CF/88, a função de planejamento exercida pelo Estado é determinante para o setor público e indicativa para o setor privado. Ao estabelecer critérios ambientalmente adequados no âmbito das suas contratações, o Estado influencia cria um (novo) mercado de bens e serviços sustentáveis, o que destaca a sua função regulatória ambiental por meio da contratação pública.

Não resta dúvida de que a Administração participa, por meio da contratação pública verde, tanto como consumidor quanto como regulador, na medida em que se utiliza de suas contratações como instrumento de política pública que incentiva a produção de bens,

405 PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente. Coimbra:

Almedina, 2002, p. 24.

406 ELKINGTON, John. Sustentabilidade: canibais com garfo e faca. São Paulo: M. Books do Brasil, 2012, p. 170.

serviços e obras ecologicamente adequadas e exerce o seu “peso” na economia, a serviço deste objetivo.

As perguntas atinentes a quais produtos ou serviços causam menor impacto sobre o meio ambiente? Quais demandam o menor consumo de matéria prima e energia? Quais permitem o reúso ou a reciclagem após o descarte, apresentam-se sensivelmente relevantes ao se considerar a escala das compras governamentais e o efeito cascata que a contratação pública produz no mercado, com o potencial de multiplicar os investimentos para uma maior sustentabilidade.

Como não são questões socialmente irrelevantes, já chamaram a atenção do legislador, inclusive nacional. Ainda que fruto de voluntarismos e casuísmos, é possível se verificar na legislação pátria restrições à compra de madeira clandestina, de produtos que contribuam para a destruição da camada de ozônio ou ainda normas que privilegiam a compra de automóveis com combustíveis menos poluentes e equipamentos que racionalizam o consumo de água ou reduzam o desperdício de energia. Denota-se que o esforço mundialmente reconhecido pela salvaguarda de um ambiente ecologicamente equilibrado encontra repercussão tanto no mercado, quanto na esfera estatal, por meio de múltiplos incentivos para o consumo ambientalmente adequado.407

A contratação pública pode funcionar, portanto, como importante e eficiente ferramenta de promoção do desenvolvimento sustentável na esfera pública, com repercussão direta na iniciativa privada.

As compras públicas sustentáveis tomam como base o consumo sustentável, que consiste no uso de bens e serviços que respondam a necessidades básicas e tragam melhorias na qualidade de vida, minimizando concomitantemente o uso de recursos naturais e materiais tóxicos (além das emissões de lixo e poluentes durante seu ciclo de vida) de maneira a não arriscar as necessidades das gerações futuras. Desta forma, o consumo sustentável dirige-se para o aspecto da demanda, procurando maneiras de oferecer os bens e serviços necessários para satisfazer necessidades básicas e para melhorar a qualidade de vida que reduzam a pressão na capacidade de carga na terra.

407 Cfr.: ELKINGTON, John; HAILES, Julia. The green consumer guide. from shampoo to champagne:

how to buy goods that don’t cost the Earth. London: Gollancz, 1988.

Além da perspectiva ambiental, cabe ressaltar que o conceito de sustentabilidade é aplicado ao consumo em todas as suas dimensões, incluindo a social e a econômica.408

Por conseguinte, boas práticas (i) que implementem o uso adequado dos recursos, (ii) que reduzam o impacto sobre o meio ambiente, (ii) que promovam a igualdade social e a redução da pobreza, (ii) que estimulem novos mercados e que (iii) recompensem a inovação tecnológica constituem o foco das contratações verdes e, no Brasil, integram o escopo do desenvolvimento nacional sustentável, como finalidade da contratação pública, consoante abaixo examinado.

3.7. O Desenvolvimento Nacional Sustentável Como Finalidade da Contratação Púbica