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A democracia como mito

2.3. Relativismo Cultural, Democracia e Política

2.3.5 A democracia como mito

Antonio Carlos Wolkmer tem por hipótese de ineficácia do modelo de legalidade liberal-individualista, para repensar os fundamentos da produção jurídica, com proposta de democratização, legitimação do Direito e “redefinição

446 COTARELO, Op. Cit. Pág. 695 447 COTARELO, Op. Cit. Pag. 699.

de uma ordem normativa identificada com as carências e as necessidades cotidianas de novos sujeitos coletivos448” (WOLKMER, 2005).

Expõe teoria crítica, com projeto de acesso democrático à justiça, referindo as condições de vida. “Os direitos objetivados pelos sujeitos coletivos expressam

a intermediação entre necessidades, conflitos e demandas449” (WOLKMER, 2005).

Susan Street pesquisou o movimento social mexicano dos professores das escolas federais de Chiapas (1979-1992), a relação entre as bases e os dirigentes sindicais, em meio ao protagonismo autogestionário, a tomada de terras, a criação de regiões indígenas autônomas, a destituição dos presidentes municipais, a constituição de conselhos municipais e comunitários, a insurgência civil pacífica do “Ya Basta”, e escreve sobre o esforço da luta popular para democratização e por fazer-se respeitar, o processo de justiça popular, e conceitua a democracia, para além do procedimento eleitoral: “desde

abajo450”.

Susan Street apresenta a “idéia de dignidade conquistada e reconquistada451”,

referindo a descoberta ética da dignidade do outro, na transcendência de uma razão violenta eurocêntrica, desenvolvimentista e hegemônica452 (DUSSEL,

448 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Novo Paradigma de Legitimação. Capítulo

5. In: VIAL, Sandra Regina Martini. Temas atuais em sociologia jurídica. Edunisc, Santa Cruz do Sul, 2005, pág. 55.

449 WOLKMER, Op. Cit. Pág. 62

450 STREET, Susan. La democracia “desde abajo”: construyendo “la dignidad” a partir del

movimiento magistral chiapaneco. Espiral, Estudios sobre Estado y Socidad, Vol. I No. 3, mayo/agosto de 1995. Págs. 61 e 63.

451 STREET, Op. Cit. Pág. 63 452 STREET, Op. Cit. Pág. 62

1994 apud STREET, 1995, pág. 62), com reconstrução do terreno do diálogo, a modificar as relações de poder e afetar interesses453 (STREET, 1995, pág. 64).

A autora passa a compreender conceitualmente a diversidade democrática, no processo de democratização de construção cultural popular investigado, nas experiências de autogestão e participação popular, e afirma não haver receita fixa ou resultado certo, nos entendimentos culturais sobre a formação do consenso (STREET, 1995, Pág. 67).

Os estudos sobre democracia no México identificam-se com freqüência com a versão liberal de democracia, cada cidadão, um voto, como se tratasse de conceito universal. Susan Street analiza as experiências de participação e autogestão popular para pensar a democracia. O desmantelamento do regime autoritário imprimiu características especiais à democratização ‘desde abajo’, com entendimentos culturais sobre a formação de consenso454 (STREET, 1995, págs. 67 e 68).

Infere a ética da reciprocidade do professor democrático das assembléias, como o ser respeitoso com os demais, com o movimento e com os trabalhadores, honesto, responsável, com atuação solidária e combativa, sendo a reciprocidade: emoção coletiva; a dignidade, experência vital; a criação de identidade coletiva e a vivência do processo de autogoverno, humanização455

(STREET, 1995, Págs. 65 e 69).

453 STREET, Op. Cit. Pág. 64 454 STREET, Op. Cit. Pág. 67 455 STREET, Op. Cit. Págs. 65 e 69

Problematiza o caminho elaborado e experimentado para os professores de base para serem tomados em consideração e verdadeiramente respeitados pelos dirigentes sindicais, para aceder à dignidade456 (STREET, 1995, Pág. 70) e à identidade democrática, o que na experiência de democracia sindical pela luta de controle de escolas, pôde assumir o caráter de tomada de posição de lealdade de grupo, ao invés do que, necessariamente, o exercício ou a representação de um modo de vida democrático (STREET, 1995, Pág. 73).

Interroga o processo de intersubjetividade democrática e indaga, com base nas entrevistas dos professores democráticos, sobre a distinção entre a motivação de participar na luta social por democracia dos objetivos explíticos da luta democrática (STREET, 1995, pág. 74). Como compreender a participação de indivíduos na universidade, na escola, na fábrica, para além de demandas explícitas salarias e de condições de trabalho, indaga. Investiga a intersubjetvidade democrática para transformação de cultura política autoritária em cultura política democrática457 (STREET, 1995, pág. 74).

Em suma, relata e estuda o movimento dos professores de base de fazer sentirem-se respeitados no processo de diálogo com os dirigentes sindicais, de controlar a delegação sindical, e de denunciar as práticas de corrupção, de votar em assembléia, de vigiar o cumprimento do direito, em face de hierarquias burocráticas, administrativa e sindical, antes, a subordiná-los ao diretor da escola, ao supervisor da zona e a intrumentalizarem seus rostos.

456 STREET, Op. Cit. Pág. 70 457 STREET, Op. Cit. Pág. 74

A situação de exclusão e dominação consiste na negação do outro, na ausência do “cara a cara”, consistindo a construção da nova ordem “onde o

oprimido pode viver e estar em igualdade com os outros458” (SCHELKESHORN, 1994 apud STREET, 1995, págs. 79 e 80).

Quanto à proposta de democracia popular, esta autora sinaliza o propósito de “culturizar a democracia459” (STREET, pág. 09, 1999), substancializar a

democracia, com história e humanização, passando a entender a democracia como subjetividade, como experiência vital, como emotividade significadora da dignidade, como afirmação de seres humanos excluídos com direitos à autodeterminação e ao autogoverno, como história, prática, e também como mito e discurso, depois de analisar, e co-produzir como investigadora social, a memória coletiva, a história oral, dos professores de Chiapas.

“Yo recuerdo que me intrigaba la emotividad compartida entre los maestros.

Quise entenderla de manera más profunda como una expresión del ‘corazón común’ indígena, del ser ‘laján’ o ‘lajanotik’ (el concepto tojolabal de un nosotros basado en la reciprocidad entendida como mutuo apoyo y respeto y como corresponsabilidad en el trabajo colectivo). Opté por un enfoque más cultural. Concebí al movimiento como creador de nuevas identidades y recurrí a la sociología epistémica para abordar las ‘gramáticas de conceptualización’

458 STREET, Op. Cit. Págs. 79 e 80.

459 STREET, Susan. Historia oral y subjetividad: culturizando la democracia a partir del

movimiento magisterial chiapaneco. Secuencia, Revista de historia y ciencias sociales, núm. 43, enero-abril, Instituto Mora, México: 1999.

involucradas en formas (diversas) de pensar la democracia como experiencia460” (STREET, pág. 11, 1999).

Conclui a memória coletiva da democracia dos maestros chiapanecos constituir-se de história e mito, por terem conhecido a democracia real na medida da experiência do autogoverno, como forma de vida, sendo está vivência ofuscada pela construção da democracia também como mito461

(STREET, pág. 15, 1999).

Chiapas concentra 13% da população indígena no México, com alto índice demográfico e maiores índices de pobreza e analfabetismo. Carlos Salinas firmou o Tratado de Livre Comércio em 1992, entrando em vigor, em 1994, o processo de privatização. Quatro povoados foram ocupados no Estado de Chiapas, exigindo-se autonomia, restituição de terras e estabelecimento de regime democrático, com extensão dos serviços de saúde e educação para toda a população indígena. Foi a ofensiva do EZLN, Exército Zapatista de Liberación Nacional, votando-se, em janeiro de 1994, Decreto de cessar fogo do Exército Mexicano e Decreto de Anistia. Constituíram-se Comissões para Reconcialiação e Paz, com presença de ONGs, imprensa e Cruz Vermelha, firmando-se diálogos, em 1995, sobre projeto de Lei sobre Direitos e Cultura Indígenas. Questionou-se a reforma do art. 27 da Constituição do México e invocou-se o art.39, para soberania do povo, relatando-se massacre em dezembro de 1997, a culminar com a paralização da UNAM, em 1998 e 1999462

460 STREET, Op. Cit. Pág. 11. 461 STREET, Op. Cit. Pág. 15

462 NAVARRETE, Eurídice González. América Latina entre el Estado y la sociedad: el

(NAVARETE, 2004). Reivindica-se participação de minorias e povos indígenas em todos níveis de governo.