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Ciência política latino-americana e direito brasileiro

2.3. Relativismo Cultural, Democracia e Política

2.3.3 Ciência política latino-americana e direito brasileiro

Os estudos latino-americanos vêm classificados por César Cansino em tipos de posições intelectuais: direita dura, direita suave, esquerda dura e esquerda suave, para o diagnóstico da democracia na América Latina, com diagnóstico de crise da democracia representativa e ressurgimento da sociedade civil426

(CANSINO, 1998).

Para a direita dura, de influência da ciência política dos E.U.A., identifica os institucionalistas e os transitólogos, com visão reducionista da democracia e

424 MANSILLA, Op. Cit. Pág. 58 425 SEGATO, Op. Cit. Pág. 211

426 CANSINO, César. Democracia y Sociedad Civil en América Latina. Una Revisión Crítica de

los Diagnósticos Latinoamericanos en los años ochenta y noventa. Revista Metapolítica vol. 2, num. 7, Pág. 436

definição minimalista e procedimental, concebida como mecanismo de seleção de representantes com certas condições e garantias de pluralismo partidário e participação cidadã427 (CANSINO, 1998), acompanhada de crise do Estado burocrático-autoritário, o que coloca tais intelectuais também como reformadores do Estado.

O triunfo do neoliberalismo nos anos oitenta e noventa produziu maior exclusão social e desigualdade, com emergência de poderes fáticos e informalização da política: a ameaça de ingovernabilidade, “com todo seu caudal de violência e

corrupção incontroláveis428” (CANSINO, 1998).

Para a direita suave, apresenta autores liberais, com preocupação pela diversidade e desigualdade, com o desenvolvimento democrático, sendo atribuído relevante papel ao Estado.

Quanto à esquerda dura, indica autores sociólogos e culturalistas, com fundamento na crise da modernidade, na crise do discurso científico, no individualismo privatista e imediatista, veiculando o conceito de hibridização, em referência ao antropólogo Garcia Canclini, o que entende como “falsa

expectativa onicompreensiva”, com crítica à proposta de políticas culturais para

culturas híbridas.

A hibridização consiste em processo de mescla no mundo da cultura com desafio para o conhecimento e para mutidisciplinaridade. No processo de

427CANSINO, Op. Cit. Pág. 440

modernização econômica e política inconcluso na América Latina, as culturas autoritárias tem chocado com a transformação dos anos oitenta dos “mercados

simbólicos”, com a expansão urbana, com a mescla de cultos populares e

massivos, com a “esfera pública imaginária desintegrada429” (CANCLINI, 1990

apud CANSINO, 1998). O conceito de hibridização da cultura assinala a diferença e o conflito, “condição sine qua non da sociedade”430 (CANSINO, 1998)”.

Para os sociólogos, aponta o estudo dos movimentos sociais, o projeto socialdemocrata de redistribuição dos recursos públicos e a conclusão de Zermeño da globalização consistir em dissolvente social das identidades coletivas e dos espaços de interação comunicativa. Em nova etapa neoliberal, a América Latina apresenta modernização com exclusão431 (ZERMEÑO, 1996 apud CANSINO, 1998).

Quanto à esquerda suave, relata a crítica da concepção de democracia como espaço de engenharia política, não se podendo restringir à reestruturação do regime político, das instituições políticas, devendo-se atentar para a estrutura social, expondo os pós-modernos e os desenvolvimentistas para a democratização.

Destaca as produções teóricas européia e anglosaxã, o que nomina de “modas

intelectuais432”, a ideologia universalizante da razão ocidental, o fim do grande

429 CANSINO, Op. Cit. Pág. 446 430 CANSINO, Op. Cit. Pág. 447 431 CANSINO, Op. Cit. Pág. 449 432 CANSINO, Op. Cit. Pág. 451

discurso racionalizador, o diagnóstico de fim de uma época, o refúgio do indivíduo no espaço privado e o projeto moderno de emancipação do indivíduo433 (CANSINO, 1998).

É a desconfiança radical da verdade, da liberdade, da justiça e da igualdade. O pós-modernismo reivindica o predomínio da identidade a pequenos grupos, ligados por interesses específicos, como a sexualidade, a sensibilidade artística e experiências místico-religiosas, consensos locais, conjunturais e rescindíveis434 (CANSINO, 1998).

Sobre os desenvolvimentistas, sustenta haver desafio de estratégia alternativa ao debate econômico contemporâneo entre neoliberalismo cosmopolita, desregulação, abertura externa e privatização, e o populismo nacionalista, industrialização subsidiada, inclinação inflacionária e desequilíbrio fiscal, com necessidade de incorporação de discurso sobre a sociedade civil435 (PIPITONE, 1994a,1994b, 1997 apud CANSINO, 1998).

Sobre sociedade civil, Alfredo Echegollen Guzmán discute o lugar comum do tema cultura política436 (GUZMÁN, 1998). No meio acadêmico, a teoria da

cultura política apresenta-se como um conjunto de estados psicológicos dos indivíduos diante do sistema político aferido por pesquisa empírica, em que se busca relacionar a atitude da gente com a instituição política, a cultura nacional

433 CANSINO, Op. Cit. Págs 451, 452 e 453. 434 CANSINO, Op. Cit. Pág. 453

435 CANSINO, Op. Cit. Pág. 455

436 GUZMÁN, Alfredo Echegollen. Cultura e Imaginários Políticos en América Latina. Revista

com o regime político, com recuperação das noções de imaginário coletivo e processo de estruturação de práticas sociais437 (GUZMÁN, 1998).

No direito brasileiro relaciona-se cultura política com democracia438 (DI RUFFIA

apud MELLO, 2009, pág. 372). Celso Antônio Bandeira de Mello distingue Estados formalmente democráticos, Estados substancialmente democráticos e Estados em transição para a democracia439 (MELLO, 2009, págs. 371 e 372). A

despeito do “painel aparatoso” dos Estados formalmente democráticos, há falta de “consciência de cidadania” e pluralismo informacional, no Brasil. Denuncia a importação de instituições jurídico-políticas, com ausência de engajamento político, como na emenda constitucional da reeleição. Denuncia as condições econômico-sociais, a falta de acesso à educação e cultura para constituição mínima de cultura política, com destaque para a participação do cidadão e das associações civis nas decisões da Administração440 (MELLO, 2009, págs. 375,

376 e 381). Os Estados em transição para a democracia tiveram classificação, em Guillermo O’Donnel, de democracias delegativas com eleitores-delegantes, espectadores passivos em contextos de crise econômica e tendência

caudillista441 (O’DONNEL, 1992, pág. 13).

437 GUZMÁN, Op. Cit. Págs. 501 e 502

438 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. In:

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes Temas de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo: 2009, pág. 372.

439 MELLO, 2009, Op. Cit. pags. 371 e 372 440 MELLO, 2009, Op. Cit. págs. 375, 376 e 381

441 O’DONNEL, Guillermo. Democracia Delegativa? Revista Uruguaya de Ciencias Sociales,