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Como lembram Cohen e Sabel (1997), a democracia é um ideal político que se aplica aos arranjos para tomar decisões coletivas obrigatórias ou vinculantes, arranjos que são democráticos por assegurar que a autorização para o exercício do poder público se origine de decisões coletivas de cidadãos, em nome de quem esse poder é exercido. Dryzek (2000) destaca que, no decorrer do desenvolvimento das democracias ocidentais, tem prevalecido a doutrina liberal democrática, a qual se baseia no pressuposto de que os indivíduos são mais motivados por seu autointeresse do que por qualquer concepção de bem comum e que eles são os melhores juízes quanto ao que vincula este autointeresse. Na perspectiva liberal, a política visa a conciliar os interesses pré-determinados dos indivíduos em benefícios mútuos por meio da sua agregação, sob os auspícios de um conjunto de regras neutras – a Constituição – que protege os indivíduos dos governos.

Entretanto, como o próprio Dryzek (2000) alerta, o conceito de democracia não é estático e nem tem uma essência única e definida. É um projeto dinâmico e aberto, atento aos constrangimentos e possibilidades existentes num determinado tempo e lugar. Assim, o componente deliberativo da democracia foi introduzido na teoria democrática liberal por John Stuart Mill (1981), que entendia que questões relacionadas aos “grandes interesses públicos do país” deveriam se discutidas em público, de modo informado e expandido, o que

62 As proposições da teoria deliberativa têm sido criticadas por autores que enfatizam os processos de agregação da democracia. Seus principais argumentos consideram que os constrangimentos temporais não viabilizam processos de deliberação e que a barganha e o voto, não antecedidos por comunicação, são formas superiores de decisão. Também consideram que a publicização da deliberação produz o mascaramento dos interesses privados e, consequentemente, hipocrisia. Sobre essas críticas ver Faria (2008).

possibilitaria que várias opiniões conflitantes pudessem ser ouvidas e consideradas no debate. Mais recentemente, no início da década de 1980, Joseph Bessette63 retoma a idéia de J. S. Mill

e utiliza o termo “democracia deliberativa” ao pensar uma forma consensual de autogoverno, compatível com a ênfase na democracia participativa, em contraponto à interpretação elitista e agregativa de democracia (BOHMAN AND REHG, 1997; DRYZEK, 2000; TULIS, 2003). Ainda que a dimensão deliberativa da democracia tenha sido desenvolvida por outros pensadores, dentre eles Dewey (POGREBINSCHI, 2004), pode-se creditar à Bessette a cunhagem da expressão que veio a denominar um amplo campo de desenvolvimento teórico e de pesquisas empíricas decorrentes desde então.

O desenvolvimento inicial da teoria democrática deliberativa teve John Rawls e Jürgen Habermas como seus principais pensadores. O primeiro recuperou a perspectiva argumentativa no processo de decisão, especialmente quando coloca que a existência de diferentes valores e concepções morais nas sociedades plurais provoca conflitos sobre os quais se faz necessário construir uma solução consensual. Esta seria considerada uma decisão justa por ser produzida por meio de procedimentos que possibilitariam a apresentação de razões públicas que justificariam as decisões. No seu entendimento, o ideal de democracia deliberativa possibilita o debate político sobre concepções alternativas de bem público64 aplicadas a questões particulares de políticas públicas, em que todos têm igual oportunidade e poder de participar, independentemente de sua posição social ou econômica. Esse procedimento promove o autorrespeito e encoraja a formação de competência política e de um sentido de justiça. Assim sendo, Rawls (2007) identifica três características fundamentais da democracia deliberativa: a ideia de razão pública65, a existência de instituições democráticas

63 Suas ideias sobre a democracia deliberativa podem ser lidas no ensaio “Deliberative Democracy: The majority

principle in republican government”, em How democratic is the constitution? ed. Robert A. Goldwin e William A. Schambra, Washington: AEI, 1980.

64 Em uma concepção tradicional, “bem público” é aquele que não pode ser apropriado individualmente. Os bens

públicos variam historicamente e podem ser mais ou menos amplos conforme os pactos sociais e políticos estabelecidos num dado território. Esses bens podem ser compreendidos numa dimensão mais restrita, relacionada à ordem jurídica e constitucional e ao arcabouço normativo ou numa dimensão mais ampliada, que inclui os direitos dos cidadãos, como saúde, educação etc. (AZEVEDO, 1999).

65 Para Rawls, o uso da razão pública expressa a condição de autonomia dos sujeitos e só é possível entre

cidadãos que compartilham status igual de cidadania. Chambers (2005) sintetiza a ideia de razão pública, diferenciando-a da razão privada. Esta apela a uma audiência restrita e, portanto, utiliza-se de argumentos parciais e restritos, enquanto a primeira apela a uma audiência generalizada e deve ser universalizável, imparcial ou apelar ao bem comum. Assim, a razão pública envolve dois mecanismos ou dinâmicas: o socrático, que reforça a racionalidade da razão pública, e o democrático, que reforça a natureza pública da razão. Também Araújo (2004) vincula a ideia de razão pública à concepção de bem comum, um tipo de razão que visa o entendimento mútuo, baseado na convicção de que os membros de uma comunidade compartilham objetivos comuns.

constitucionais nas quais atuarão os corpos constitucionais deliberativos e o conhecimento e o desejo dos cidadãos em seguir a razão pública e realizar seu ideal de conduta política.

O segundo autor, Habermas (1997), é quem mais contundentemente introduziu, nas formulações teóricas democráticas contemporâneas, a importância do processo argumentativo na política. Ele propôs que o consenso sobre as normas é construído através de ações comunicativas que utilizam a argumentação e que esta é produzida a partir das diferentes perspectivas e orientações presentes na sociedade. No seu ponto de vista, o espaço para o exercício da argumentação seria a esfera pública, lócus diferenciado do Estado66, no qual as interações acontecem face-a-face e no qual se discute publicamente acerca dos conteúdos morais das relações sociais, das decisões da autoridade pública e das demandas a serem apresentadas ao Estado.

Habermas propôs o princípio do discurso - ou “Princípio D”-, que postula que “somente são válidas aquelas normas – ações com as quais todas as pessoas possivelmente afetadas possam concordar como participantes de um discurso racional” (1997, p.107). O “Princípio D” sintetiza os componentes democrático e deliberativo da concepção de democracia deliberativa: o primeiro expresso na ideia de que as decisões coletivas devem ser feitas com a participação de todos que estarão sujeitos a elas (ou seus representantes); o segundo presente na concepção de que as decisões são derivadas de argumentos razoáveis que são oferecidos pelos e para os participantes. Com esse princípio, Habermas recuperou, na teoria política contemporânea, a ideia de que a participação dos indivíduos nas decisões coletivas legitima essas decisões e, com isso, estabeleceu as bases para o desenvolvimento teórico da democracia deliberativa. As teorias deliberativas formuladas desde então têm em comum o chamado requerimento da justificação, ou seja, espera-se que cidadãos e representantes justifiquem as leis que serão impostas a todos por meio de razões que possam ser aceitáveis mutuamente.

A partir das ideias de Rawls e Habermas e tendo como referência os termos do pluralismo razoável e os desacordos dele decorrentes, Bohman (1996; 1998; 2000) argumenta que o consentimento é a principal característica da democracia e destaca a relevância da deliberação pública como meio de assegurar a legitimidade das decisões. Nessa perspectiva,

66 Habermas utiliza-se de um marco tripartite para explicar a modernidade, percebida como uma tensão

localizada nos pontos de encontro entre o subsistema político (o Estado) e o subsistema econômico (o Mercado), de um lado, e as estruturas interativas do mundo da vida, de outro. Para ele, as ações dos subsistemas são coordenadas pela racionalidade instrumental, sendo que a lógica estratégica do mercado é o intercâmbio e a da administração é o poder, enquanto no mundo da vida as ações são coordenadas pela racionalidade comunicativa (AVRITZER, 1996).

“público” diz respeito não só ao modo como os cidadãos deliberam, mas também sobre o tipo de razões que apresentam na deliberação. O desafio que se apresenta à democracia, a seu ver, é como alcançar o consentimento e a cooperação contínua em sociedades que se caracterizam pelo pluralismo cultural, pela complexidade social e pelas crescentes desigualdades67. A possibilidade de superar esse desafio estaria na alteração das formas institucionais existentes, de modo que os cidadãos deliberem juntos e façam uso público de suas razões por meio de política participativa e autogoverno cívico (BOHMAN E REHG, 1997).

Bohman, ao rejeitar o modelo agregativo de democracia, associa o ideal deliberativo às instituições políticas que produzem decisões vinculantes, aspecto pelo qual se difere de Habermas. Assim, pode-se identificar uma primeira distinção dentre os teóricos deliberativos e suas proposições para a democracia deliberativa que diz respeito ao lócus da deliberação: aqueles que adotam uma perspectiva constitucional ou deliberativa, que reforça as possibilidades da deliberação no interior do Estado liberal, e a discursiva, que enfatiza o papel e a capacidade da sociedade civil em formular opiniões sobre o que almeja como ação governamental e transmiti-las ao governo (DRYZEK, 2000; HENDRIKS, 2002; 2006).

Também para Cohen (1997), a democracia deliberativa é uma associação pluralista e contínua, em que a autorização para exercer o poder público, assim como seu efetivo exercício, está ancorada na deliberação pública de seus membros e em que as condições sociais e institucionais facilitam a participação, associação, expressão e a discussão livre entre cidadãos que reconhecem uns nos outros a capacidade deliberativa requerida para a troca de razões públicas. Ele, portanto, enfatiza o princípio da reciprocidade, uma forma de respeito mútuo em que os cidadãos devem ser tratados como iguais. As instituições que conectam deliberação e resultados promoveriam os meios para se buscarem soluções compartilhadas para os problemas que são comuns. Cohen (1997) parte do pressuposto de que a comunidade política não necessita compartilhar uma concepção moral ou religiosa, mas requer uma forma de autonomia política em que as bases para as decisões coletivas sejam aceitáveis por todos, assim como as razões e considerações a serem apresentadas ao debate que precede as decisões devem ser compreendidas por todos. Como destaca Araújo (2004), o debate que precede a decisão tem como objetivo justifica-la com razões que possam ser aceitas por todas as

67 Podendo ser situado dentre os teóricos pluralistas que identificam os limites da democracia liberal e a

importância de se pensar novas instituições que ampliem os processos de participação política, responsividade e

accountability, Dahl (1996) chama atenção quanto aos efeitos negativos para a democracia de dois tipos de desigualdades: derivadas de recursos (como riqueza e renda), de oportunidades e de posições econômicas; e derivadas do conhecimento, da informação e da cognição.

pessoas, ainda que elas não compartilhem a mesma filosofia de vida, reconciliando soberania popular e liberdades individuais.

Tanto Bohman quanto Cohen associam deliberação à busca de soluções de problemas públicos e à decisão sobre a melhor forma de resolvê-los em sociedades que se caracterizam pela pluralidade e complexidade, ou seja, enfatizam os elementos discursivo e decisório como componentes essenciais da deliberação. Seguindo essa linha de argumentação, Dryzek (2000; 2004) enfatiza que a democracia deliberativa é o meio político mais efetivo para resolver problemas sociais complexos por possibilitar a apresentação e a interação de diferentes perspectivas ou discursos.

A complexidade também é destacada por Gutmann e Thompson (2000; 2004), que a identificam, principalmente, com o problema do desacordo moral existente nas sociedades contemporâneas, sendo que o principal objetivo da democracia deliberativa seria prover a concepção mais justificável para procedimentos com divergências morais em políticas. Para eles, a democracia deliberativa é uma forma de governo em que cidadãos livres e iguais (e seus representantes) apresentam razões que são mutuamente aceitáveis e geralmente acessíveis e justificam decisões num processo público (ou seja, a justificação das decisões não é puramente procedimental, nem puramente substantiva) com o objetivo de alcançar conclusões que obrigam a todos os cidadãos no presente, mas abertas a serem desafiadas no futuro. Nesse sentido, entendem que as decisões são provisórias e vinculam por um tempo determinado, o que possibilita o diálogo contínuo e dinâmico observando-se o princípio da economia da divergência moral68.

As ideias centrais que estruturam os diversos conceitos de democracia deliberativa desenvolvidos até então questionam o ideário que considera que a competição e a agregação dos autointeresses e das preferências fixadas dos indivíduos seriam a única ou a melhor forma de se alcançar resultados democráticos satisfatórios ou fins comuns em sociedades nas quais prevalece a divergência e o desacordo (CUNHA, 2007; FARIA, 2008). A teoria da democracia deliberativa enfatiza que a troca de argumentos em público cria as condições para que haja a transformação das preferências e das opiniões daqueles que deliberam. Esta herança da tradição da democracia radical69 articula participação popular e inclusiva, com

68 Esse princípio considera que os participantes da deliberação, ao darem razões às suas decisões, buscam

oferecer justificações que minimizem suas diferenças com os oponentes (GUTMANN e THOMPSON, 2000; 2004).

69 A ideia de democracia radical, inicialmente formulada por Dewey e mais recentemente utilizada por Habermas

e Chantal Mouffe, implica a concepção que os meios e os fins da democracia são inseparáveis, ou seja, o alcance do ideal democrático relaciona-se aos meios como ele busca ser alcançado (POGREBINSCHI, 2004). Ainda que

ênfase na discussão pública, razão e julgamento e, portanto, foca nos processos comunicativos de formação da vontade e da opinião que precedem o voto. Esses processos possibilitam a exposição pública das razões e justificações que sustentam e precedem as decisões e, com isso, pode-se esperar não somente o alcance da concordância dos cidadãos quanto a essas decisões, mas também a possibilidade de que seja realizada a accountability quanto a elas.

Assim, a democracia deliberativa, que não deve ser confundida com democracia direta70, é entendida como o conjunto de condições sociais e institucionais que promove o debate livre entre cidadãos considerados como iguais e favorece a participação, a associação e a expressão nos processos políticos. É tal debate que sustenta a autorização e o exercício do poder público e que garante a responsabilidade e a prestação de contas por parte de quem exerce esse poder. Portanto, na democracia deliberativa, o voto não desaparece, mas a ele é dada uma interpretação mais complexa e rica do que no modelo agregativo de democracia, vinculando o voto aos atos públicos de fala (BOHMAN, 1998; COHEN, 2000; URBINATI, 2000; CHAMBERS, 2003; ARAÚJO, 2004; SELEE E SANTIN; 2006). Como destaca Araújo (2004), o ato de votar é a expressão de uma decisão e esta é uma escolha entre as diferentes opções consideradas aceitáveis por uma comunidade política, enquanto Cortes (2005) identifica a “voz” como um mecanismo político por meio do qual os cidadãos podem exercer influência no sistema político71.

A perspectiva deliberativa da democracia inclui tanto as bases normativas da legitimidade democrática quanto os preceitos para o engajamento político dos cidadãos, ambos sustentados na premissa de que a deliberação pública, livre e racional, entre indivíduos que se consideram iguais é o meio mais apropriado para se produzirem decisões públicas. Como lembra Mansbridge (2003), essas decisões têm componentes administrativos e políticos que se mesclam e produzem conflitos de tipo e de grau variado. A deliberação possibilita que

se possam identificar pontos de aproximação entre as formulações da teoria deliberativa e a teoria democrática radical, há também pontos de tensão entre ambas. Entre estes, as críticas de que a teoria deliberativa centra-se mais nas instituições formais do sistema político e não foca as arenas de participação ativa em outros espaços, privilegia um tipo de narrativa que produz a exclusão de vozes, não atenta para os constrangimentos formais e informais que limitam as alternativas políticas. Sua principal preocupação é com as desigualdades estruturais que possam resultar num “elitismo cognitivo”, conforme destaca Faria (2008). Alguns desses argumentos serão apresentados de forma mais detalhada ainda neste capítulo.

70 O modelo de democracia direta, associado com a antiga sociedade ateniense, postula que as decisões são

tomadas por meio da participação e do voto direto dos cidadãos acerca dos temas a serem decididos, num sistema de rodízio ou de sorteio entre eles (GONZÁLES, 2000).

71 Cortes (2005) utiliza o conceito de ”voz” cunhado por Hirschman e o considera um recurso analítico útil por

estabelecer uma ligação entre a liberdade dos membros para influenciar o comportamento da organização e o seu nível de eficiência. Para ele, a influência poderia, também, ser exercida por um outro mecanismo denominado “saída”, típico do mercado, em que o consumidor desiste do produto, serviço ou organização.

as partes em conflito façam propostas de soluções para seus problemas coletivos, oferecendo razões que as justifiquem, submetendo-as às razões e críticas dos outros. Nesse sentido, a democracia deliberativa exorta os participantes a ouvirem e levarem em conta os interesses uns dos outros e verificar se são compatíveis com a justiça, sendo que os acordos são alcançados com base nos argumentos e não na ameaça ou força (BOHMAN, 1996; YOUNG, 2003; BENHABIB, 2007).

Seguindo essa linha de argumentação, Gutmann e Thompson (2004) entendem que a democracia deliberativa possibilita assegurar a legitimidade das decisões coletivas – especialmente as mais controversas e delicadas –, encorajar o espírito público nas questões consideradas públicas, promover um processo de decisão baseado no respeito mútuo entre pessoas que têm objetivos diferentes e corrigir erros de decisões anteriores derivados de conhecimento incompleto. Para eles, o elemento democrático na democracia deliberativa reside na inclusividade do processo de deliberação, ou seja, na amplitude quanto a quem tem o direito ou a oportunidade de deliberar e para quem devem suas justificações. Sua preocupação é de distinguir-se dos teóricos deliberativos elitistas, que veem com desconfiança o envolvimento de cidadãos na tomada de decisões.

Nessa perspectiva, a democracia deliberativa pode ser entendida como uma forma de justificação do exercício do poder político que institucionaliza espaços e mecanismos em que cidadãos livres e iguais discutem, coletiva e publicamente, as questões e interesses da coletividade e propõem prioridades ou ações públicas que deverão ser executadas pelas instituições estatais. Aos cidadãos, portanto, compete mais do que a influência ou a orientação informal às decisões dos governos, como propõe Habermas, pois têm a possibilidade de definir, co-gerir e controlar as políticas públicas (LÜCHMANN, 2002).

Os teóricos estudados apresentam variações na concepção de democracia deliberativa, enfatizando alguns aspectos específicos em detrimento de outros. No entanto, todos consideram que a troca de razões e argumentos por meio de processos deliberativos possibilita que os participantes revejam e mesmo alterem suas preferências no decorrer do processo e, com isso, colocam em xeque a ideia de que os processos decisórios são simples somatórios de preferências dadas. As principais diferenças entre as proposições teóricas de democracia deliberativa foram identificadas por Gutmann e Thompson (2004) e estão associadas a um ou mais dos três tipos relacionados a seguir. Um primeiro diz respeito à função da deliberação, que pode ser instrumental, quando tem a função de produzir boas decisões, ou expressiva, quando a sua função é justificar as decisões.

Um segundo tipo de teoria foca no status que é dado aos princípios e assim pode ser procedimental, em que os princípios, ainda que considerados relevantes, ficam ausentes da teoria e só são aplicáveis aos processos de decisão, ou substantiva, que considera que os princípios devem ir além dos procedimentos e orientar a produção dos resultados. Um terceiro tipo difere quanto à possibilidade da construção do bem comum e, nesse caso, são consensuais, de origem mais republicana ou comunitarista, que entendem que a democracia deliberativa visa à construção do bem comum; ou pluralistas, que consideram que a pluralidade é constituinte da condição humana e as visões parciais decorrentes podem ser compartilhadas nos processos deliberativos.

O debate entre os teóricos não se restringe ao tipo de democracia deliberativa, mas também quanto ao próprio conceito de deliberação. Avritzer (2000) lembra que, na sua origem etimológica, o termo deliberação permite duas interpretações – como decisão e como argumentação – e assim a teoria democrática tem tratado o conceito, como dois processos distintos: um em que deliberação corresponde ao momento de tomada de decisões – que o autor denomina de concepção decisionística – e outro, em que os agentes expõem e avaliam mutuamente as razões envolvidas em determinada questão – chamada por ele de