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As relações entre Estado e sociedade civil e seu potencial para a renovação do

diferenciação entre associações humanas em que existe subordinação decorrente do exercício da autoridade e aquelas que decorrem de afinidades existentes entre seus membros e que, eventualmente, contestam a própria autoridade ou aspectos da relação de dominação. Assim, a construção histórica do Estado moderno ocorreu de forma simultânea à da sociedade civil, sendo que a capacidade do Estado de tomar decisões vinculantes que abrangem o conjunto da sociedade passou a marcar a distinção entre eles (BENDIX, 1970; BOBBIO, 1987; DAGNINO, OLVERA E PANFICHI, 2006), e o mesmo esforço de delimitação conceitual que ocorreu com o fenômeno estatal pôde ser observado quanto ao da sociedade civil, assim como acerca das fronteiras e das possíveis relações entre ambos.

Os conceitos de Estado e de sociedade civil estão presentes, e de alguma forma articulados, no pensamento político moderno desde seus primórdios (RIEDEL, 1984). Nesse longo percurso, o conceito de Estado foi sendo lapidado no sentido de designar uma estrutura formal de poder que separa governantes e governados, em que o Estado desliga-se politicamente da nação. Até a Idade Média, o Estado era a comunidade como um todo, “a vida política bem ordenada” (SANTOS, 2000, p. 162). Em Hegel, encontra-se que a nação é a base do poder do Estado e este é o único que pode ser exercido sobre ela, numa dialética entre atribuição de poder e privação de poder cristalizado pelo dualismo Estado / sociedade civil.

Em seus estudos, Hegel identificou organizações próprias da sociedade, do mundo privado, como as associações e os partidos, que não só organizariam interesses específicos, mas também expressariam o consentimento organizado que legitimaria os governos, e localizou essas organizações na sociedade civil. Para ele, a sociedade civil abarcaria todos os aspectos da vida socioeconômica e seria um momento do processo da formação do Estado.

Também Marx identificou, fora do Estado, a existência de organizações que congregavam interesses específicos, como clubes e organizações artísticas, além daquelas de base material, econômica, às quais dedicou maior ênfase. Os estudos de Gramsci levaram-no a identificar a existência de associações não-econômicas que disputam entre si a possibilidade de tornar-se a base social do Estado, conquistando a hegemonia sobre as demais. Para Gramsci, a sociedade civil é constituída pelo “extenso e complexo espaço público não estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos que com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas associativas chegam a formar as variáveis das identidades coletivas” (SEMERARO, 1999, p.70), em que se expressam e se confrontam projetos e ideologias e ocorre a socialização da política30. Assim, a pretensão da hegemonia liga a sociedade civil ao Estado (BOBBIO, 1987; VIEIRA, 1997; NOGUEIRA, 2005).

Mais recentemente, e tendo como referência a perspectiva habermasiana de um modelo tripartite de organização da sociedade (constituída pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade civil), que amplia o conceito de política para além do campo estatal, o conceito de sociedade civil foi redefinido. Ela tem sido identificada como conjunto de associações e organizações que se constituem voluntariamente e realizam ações coletivas, atuando no espaço público, mas desvinculadas do Estado, ancoradas na esfera privada, mas diferenciadas do mercado (ARATO E COHEN, 1994; AVRTITZER, 1994; HABERMAS, 1997; COSTA, 1994; 1997)31. A sociedade civil tem o papel de absorver e condensar a ressonância das

situações-problema que emergem na sociedade a partir dos domínios da vida privada e canalizá-las de forma amplificada para a esfera política. Esse papel dá uma dupla dimensão à sociedade civil: a dimensão defensiva, relacionada ao papel de condensação, isto é, à preservação e ampliação da infra-estrutura comunicativa do mundo da vida e da produção de esferas públicas alternativas; e a dimensão ofensiva, vinculada ao papel de canalização, que

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Gramsci considera como socialização da política o processo de ampliação do acesso de novos sujeitos políticos na esfera pública.

31 Para Arato e Cohen (1994), principais revisores do conceito nesta perspectiva, os princípios da pluralidade, da

diz respeito à possibilidade de que os atores sejam propositivos quanto à apresentação de soluções que venham intervir nos parâmetros que formam a vontade política e alterá-los32.

A compreensão da sociedade civil como uma dimensão diferenciada do Estado e do mercado, constituída por organizações que possibilitam a interação entre os sujeitos sociais e a atuação pública, com grande diversidade social, política, ideológica e cultural possibilita novas perspectivas de análise das relações que se estabelecem entre Estado e sociedade. Essa diferenciação aponta a possibilidade de existência de espaços em que Estado, sociedade e mercado disputam e decidem acerca da coordenação da ação e não da conquista do Estado. Esses espaços seriam formas institucionais permanentes de mediação entre esses atores, no qual a racionalidade que coordena as ações não é a que visa à conquista do poder nem à competição no mercado, mas à racionalidade da ação comunicativa que constrói identidades, tematiza questões, demanda direitos, reivindica novas institucionalidades.

Entretanto, não se pode incorrer na ingenuidade de acreditar que a sociedade civil é homogênea em seus interesses e que a interação entre os diversos tipos e matizes de organizações que a compõem é sempre no sentido do alcance do entendimento e do consenso. Ainda que tenha um potencial emancipador, sua complexidade e heterogeneidade revelam subjetividades que resultam da combinação simultânea das dimensões materiais e simbólicas33, geram diversas formas de ação coletiva (teleologia da ação, construção identitária, projetos políticos) - o que expressa a pluralidade política, cultural e social da própria sociedade - que se refletem na relação que as organizações estabelecem entre si e com o Estado (ARMONY; 2004; DAGNINO, OLVERA E PANFICHI, 2006; AVRITZER, 2004; LAVALLE, CASTELLO E BICHIR, 2004; dentre outros).

32 Na perspectiva neoliberal, que tem orientado as transformações de muitos dos Estados contemporâneos e que

promulga a redução de seu tamanho e funções, a sociedade civil assume mais um papel: executar ações de proteção e seguridade social que eram entendidas, até então, como estatais. Assim, organizações sociais passam a assumir a responsabilidade de executar atividades em diversas áreas de política (saúde, educação, assistência social, dentre outras) com financiamento público. No caso de países latino-americanos de democratização recente, ocorre, então, o que Dagnino (2004) denomina de “confluência perversa”, ou seja, os projetos políticos neoliberal e democrático-participativo, que disputam entre si a condução dos Estados recém democratizados, requerem uma sociedade civil ativa e propositiva, mas com direções opostas.

33 Friedland e Alford consideram que “instituições são padrões supra-organizacionais de atividade humana pelos

quais indivíduos e organizações produzem e reproduzem sua subsistência material e organizam tempo e espaço. Elas são também sistemas simbólicos, meios de ordenar a realidade e desse modo conferir experiência de tempo e espaço significativa” (1991, p.243). As instituições das sociedades contemporâneas, portanto, são simultaneamente sistemas simbólicos e práticas materiais, sendo que as práticas e os procedimentos cotidianos são a expressão concreta de reprodução da ordem simbólica. A participação nas diferentes instituições, por exemplo, não pode ser analisada unicamente em termos dos interesses materiais que a informam, mas também em termos do significado simbólico de tal participação.

Além disso, os diversos atores sociais que constituem a sociedade civil disputam entre si a transformação de seus próprios interesses em interesses coletivos, o que não ocorre sem conflitos decorrentes não só da sua heterogeneidade, mas também das correlações de forças presentes. Essa disputa pode gerar processos de dominação, inclusão, exclusão e contestação de práticas e parâmetros de funcionamento do Estado, do mercado e da própria sociedade civil, ou seja, o processo de participação e de deliberação não se dá isento das correlações de forças e de representatividade dos atores sociais.

O que se depreende dos estudos e formulações teóricas tanto sobre o Estado quanto sobre a sociedade civil é a existência de uma imbricada relação entre ambos. Pode-se verificar a existência de três tradições intelectuais que analisam essas relações34. Uma primeira tradição, cujos precursores são Maquiavel e Montesquieu, entende que o Estado, por deter a primazia do uso da força, é capaz de agir autonomamente e, com isso, além de escolher e realizar seus próprios objetivos diante de interesses conflitantes, também organiza e orienta as ações da sociedade. Nos estudos sobre os Estados contemporâneos, por exemplo, identifica-se o impacto que a orientação do partido ou da coalizão que governa tem no que se refere às escolhas de políticas sociais e como as formas de democratização e burocratização do Estado têm repercussão não só nas suas capacidades de administração, mas também nos grupos e organizações que se relacionam direta ou indiretamente com ele, como partidos, empresas, trabalhadores, ou seja, as ações desenvolvidas pelo Estado não só alteram a agenda pública como também provocam alterações nos padrões dos conflitos entre os grupos e com o próprio Estado (SKOCPOL E AMENTA, 1986; PRZEWORSKY, 1995).

Uma segunda tradição considera que o Estado é artificialmente construído pela sociedade, matriz que congrega pensadores tão diversos quanto Hobbes, Locke, Rousseau, Saint-Simon e Marx. Dentro dessa tradição, situa-se o pensamento liberal, em que o Estado é concebido em oposição à sociedade civil e, por isso, deve exercer o mínimo de interferência nos interesses privados de seus cidadãos, devendo limitar e ao mesmo tempo garantir a liberdade dos indivíduos e grupos. Também se situa o pensamento de matriz marxista, em que o Estado tem o papel de assegurar a prevalência dos interesses de uma classe sobre outra, e a dicotomia entre Estado e sociedade civil pode ser caracterizada pela absorção de um pelo outro, seja a sociedade reproduzindo-se na forma do Estado (como em Marx) ou a reprodução

34 A tradição pluralista não trata especificamente do conceito de sociedade civil, pois considera que os interesses

diversos presentes na sociedade se expressam por meio de organismos intermediários, os quais se situam entre os cidadãos e o Estado. A relação seria, portanto, entre grupos de interesse e o Estado.

do Estado na sociedade (o conceito de hegemonia de Gramsci e a ideia de que a sociedade política, combinada com a sociedade civil, compõe o conjunto político das sociedades).

Um terceiro enfoque, que pode ser vinculado à tradição republicana, ainda que faça a distinção entre o Estado e aqueles que o controlam, não distingue o poder do Estado e o poder dos cidadãos, um existindo na medida do outro, um constituindo o outro (SANTOS, 2000). As instituições estatais e a sociedade se formam pela interação dos atores sob constrangimentos culturais, econômicos e políticos, internos e externos, o que pode gerar diferentes formas de interação. Esse grupo de pensadores considera a sociedade e o Estado como esferas parcialmente interdependentes e parcialmente autônomas, que estabelecem entre si relações de reciprocidade (BENDIX, 1970; 1986; POULANTZAS, 1977; POLANYI, 2000; COUTINHO, 1988; MIGDAL, KOHLI E SHUE, 1994; EVANS, 1995; PRZEWORSKY, 1995; SANTOS, 2000).

Assim, entendendo que é enriquecedora a distinção analítica entre Estado e sociedade civil, pode-se também perceber que a relação entre o Estado e a sociedade civil tem variado historicamente e essa variação tem produzido efeitos em ambos. Além disso, como lembra Santos (1989), “as relações Estado – sociedade civil organizam-se de modo muito diferente no centro, na periferia e na semiperiferia do sistema mundial” (1989, p.7). Nos países centrais, a nação constituiu o Estado e a vitalidade e a mobilização da sociedade civil induziram mudanças na sua natureza e na sua organização, como a regulação e a institucionalização dos conflitos próprios da relação capital e trabalho, entre o final do século XIX e meados do século XX. Estudos empíricos sobre o associativismo e as organizações civis identificaram a importância e o potencial democrático que nelas reside e que pode efetivamente influenciar os governos, seja em sua formação, seja em seu controle, assim como a própria democracia (TOCQUEVILLE, 1977;PUTNAM, 1996, SHERER-WARREN E LÜCHMANN, 2004).

Na maioria dos países semiperiféricos e periféricos, foi o Estado que constituiu artificialmente a sociedade civil e, nesses casos, foram excluídos processos sociais interpretados como frágeis (como as divisões étnicas e culturais), o que ocultou a natureza das relações de poder presentes na sociedade, fixando o poder do Estado como a única forma de poder político (SANTOS, 2000). Com isso, a emancipação política ficou restrita à democratização do Estado, sendo possível a convivência de formas democráticas de poder estatal com formas despóticas de poder social. Em Estados como o Brasil, o

predomínio de um modelo de dominação oligárquico, patrimonialista e burocrático resultou na formação de um estado, um sistema político e uma

cultura caracterizados pelo seguinte: marginalização política e social das classes populares, ou sua integração por meio de populismo e clientelismo; elitismo do jogo democrático e ideologia liberal resultaram na discrepância entre o ‘país legal’ e o ‘país real’; enormes obstáculos contra a construção da cidadania, o exercício dos direitos e participação popular autônoma (SANTOS, 2005b, p.313).

Os Estados democráticos instituídos ao longo do século XX evidenciaram as complexas relações que podem ser estabelecidas entre eles e suas sociedades, assim como os riscos presentes para a própria democracia decorrentes dessas interações. Desde o início do século, alguns autores (DEWEY, 2004; SCHUMPETER, 1961) consideravam que as rápidas mudanças na economia e na sociedade, cada vez mais complexa, levariam à perda dos vínculos efetivos entre a sociedade e o Estado. Isso significaria, no entendimento deles, a perda da percepção, por parte dos cidadãos, daquilo que articula as ações do governo (consubstanciadas nas políticas públicas) e seus efeitos com a vontade expressa dos próprios cidadãos, quebrando-se o elo democrático entre cidadãos e governos (BOBBIO, 2000; FUNG, 2000).

O que se pode observar nas duas últimas décadas do século XX e início do século XXI é a ocorrência de transformações políticas e institucionais nas relações entre Estado e sociedade civil que acompanharam mudanças que aconteceram em ambos. Pelo lado da sociedade civil, alguns setores em busca de autonomia frente ao Estado, mas também de um projeto político próprio que pudesse orientar suas ações e as ações estatais. Pelo lado do Estado, tentativas de se adequar às exigências impostas pelas mudanças estruturais no campo da economia e da política internacional, mas também às demandas por ampliação da participação política e a inclusão de novos segmentos sociais no domínio da política no nível nacional. Em países de democratização recente, a sociedade civil exerceu papel decisivo no sentido de demandar dos Estados maior transparência em suas ações, tentando controlar e limitar seu poder (ARMONY, 2004; DAGNINO, OLVERA E PANFICHI, 2006).

Como lembram Migdal (1994) e Armony (2004), as interações entre Estado e sociedade, especialmente quando ocorrem em suas fronteiras, podem gerar diferentes resultados: tanto conflito quanto cumplicidade, tanto oposição quanto coalizão, tanto corrupção quanto cooptação, além de possibilitarem a alteração dessas fronteiras tanto no Estado quanto na sociedade, transformando-os. Portanto, as possibilidades de democratização das relações sociais e das instituições do Estado são recíprocas. A aproximação entre a sociedade civil e o Estado pode assumir formas diversas, desde a influência da sociedade nas decisões do Estado - seja por meio de lobbies ou da formação da opinião pública - até formas

institucionais organizadas pelo governo ou pela ação articulada entre governos e sociedade, como mostram Wampler e Avritzer (2004) e Wampler (2007).

Ao estudar a relação entre Estados e sociedades e sua influência nas transformações socioeconômica recentes, Evans (1993; 1995) identificou não só a importância dos contextos em que ocorreram as interações, mas também que o envolvimento do Estado nessas transformações varia conforme suas estruturas internas e sua relação com a sociedade, pois isso determina sua capacidade de ação35. Observou que a combinação de certo grau de autonomia da estrutura do Estado com o seu enraizamento social gera o que denomina de “autonomia inserida [...] um conjunto concreto de laços sociais que amarra o Estado à sociedade e fornece canais institucionalizados para a contínua negociação e renegociação de metas e políticas” (1993, p.136), não só na dimensão econômica, mas nas diversas dimensões da vida social. Para que ocorra a autonomia inserida, considera importante tanto o desenvolvimento da capacidade burocrática como a existência de múltiplos grupos sociais que apóiem objetivos coletivos de longo prazo, pois são os projetos compartilhados que os conectam entre si e com o Estado.

Já Habermas (1997) entende que as relações entre Estado e sociedade se dão por meio da influência do poder comunicativo da opinião pública que se forma na esfera pública36 e que possibilita a articulação entre participação e argumentação por meio do uso público da razão. Essa argumentação é levada, via ação comunicativa, para o interior das instituições legislativas e administrativas, responsáveis pelas decisões vinculantes, seja pelas eleições ou pela geração de influência nos processos decisórios. Habermas, portanto, entende existir uma dimensão argumentativa na relação entre Estado e sociedade e restringe a relação entre eles a esse poder comunicativo (AVRITZER, 2000).

Numa outra perspectiva, a interação entre Estado e sociedade também ocorre devido ao fato de que a administração burocrática, sustentada no conhecimento técnico especializado, recruta profissionais cuja formação foi realizada em instituições da sociedade, o que gera a

35 Em países recentemente industrializados, Evans (1993; 1995) distingue dois tipos ideais de Estado: a) Estado

predatório, que predominantemente orienta-se para a renda e no qual predominam as práticas de apropriação privada do excedente produzido pelo Estado, pelo grupo que está no poder e seus aliados imediatos, não havendo conexões entre a organização e a sociedade, apenas com alguns de seus indivíduos. Nesse tipo de Estado, há carência de burocracia no sentido weberiano. b) Estado desenvolvimentista, que atua tanto como empresário quanto indutor do desenvolvimento econômico, além de fornecer bens coletivos. c) Estados intermediários, que combinam características dos Estados predatório e desenvolvimentista e uma aproximação parcial e imperfeita de autonomia inserida, como os casos do Brasil e da Índia.

36Habermas (1997) considera esfera pública como o “espaço” de encontro entre os atores sociais, do mercado e

do sistema político-administrativo, que apresentam publicamente suas opiniões, interesses e reivindicações, possibilitando a formação da “opinião pública”.

constituição de redes que os mantém conectados. Segundo alguns autores, esse fator pode ser relevante para determinar a receptividade de propostas advindas dos grupos sociais, o que tanto pode gerar a manutenção do status quo quanto alterá-lo, assim como também pode produzir a inclusão seletiva de algumas propostas (EHRMANN; 1973; WEBER, 1978; 2006; EVANS, 1993; 1995; SHARMA E GUPTA, 2006).

Outros autores, como Dryzek (2000), admitem que haja outras formas de aproximação entre sociedade civil e Estado, inclusive por meio de instituições criadas ou existentes no interior do Estado, mas que elas só são democraticamente benignas quando as preocupações da sociedade encontram ressonância nos imperativos do Estado37 e quando a capacidade discursiva da sociedade civil não é empobrecida. Para Dryzek (2004), a vitalidade discursiva da esfera pública se molda na sua relação com estruturas de autoridade, dentre elas o Estado. O autor classifica-o em quatro tipos, conforme a interação que estabelece com os grupos sociais. Em sua visão, há os Estados passivamente exclusivos, em que alguns interesses estão representados e outros excluídos, mas não são debilitados por ele, o que possibilita o florescimento de movimentos sociais; os Estados ativamente exclusivos, que sabotam qualquer condição de associação nas esferas públicas; os Estados ativamente inclusivos, que não se distanciam da esfera pública; e Estados passivamente inclusivos, em que as esferas públicas são convertidas em grupos de interesse.

As diferentes reflexões apresentadas pelos autores abordados nesta seção apontam para o potencial de emancipação social que as inovações institucionais que se estruturam com o objetivo de ampliar a participação democrática são portadoras e para a importância de avaliá-las permanentemente, de modo que possam ser aperfeiçoadas, renovadas ou mesmo replicadas. Nesses processos avaliativos, Santos (2003) considera que alguns aspectos podem ser observados: a “vulnerabilidade da participação à descaracterização, quer pela cooptação por grupos sociais super-incluídos, quer pela integração em contextos institucionais que lhe retiram o seu potencial democrático e de transformação das relações de poder” (2003a, p.52); condições que podem produzir “cidadania bloqueada”, especialmente condições materiais e a garantia de liberdade e acesso à informação (2005, p.79); a inclusão argumentativa, ou o poder de argumentação (2005, p.88); o impacto na “qualidade do Estado” quanto à produção

37 Por imperativos do Estado, Dryzek (2000) entende toda função das estruturas governamentais que asseguram

sua longevidade e estabilidade e que estão acima dos interesses dos governos (como a paz interna, a resposta a ameaças externas, a prevenção da fuga de capitais etc.) Estes imperativos têm peso relativo, que varia conforme o tempo e o lugar, e tudo que é central para o Estado situa-se nestas funções (segurança nacional, política