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A dependência no autocuidado: situação e condição

autocuidado, a vivência de uma transição simultânea e relacionada

3. A RECONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA NO AUTOCUIDADO

3.6. A reconstrução da autonomia uma teoria explicativa

3.6.3. Os fatores críticos na reconstrução da autonomia

3.6.3.1. A dependência no autocuidado: situação e condição

A motivação para mudar é muito importante no processo de reconstrução da autonomia no autocuidado. A pessoa pode até estar consciente das mudanças que ocorreram e que terão de ocorrer; no entanto, pode não ter motivação para mudar. Esta falta de motivação pode manifestar-se por um certo conformismo, resignação de que já não vale a pena: “Uma pessoa, que apesar dos 70 anos andava direitinha. Isto é muito complicado, porque a força não é a mesma. Estou mais fraco…muito fraco…sinto-me em baixo” (P2E3); “Se eu ficar assim, tenho que ir para um Lar” (P8E1). A aceitação das mudanças associadas ao envelhecimento conduz muitas vezes à resignação. Nestas situações a pessoa deixa de trabalhar ativamente para se tornar ou manter o mais autónoma possível, prejudicando, por isso, o potencial de autonomia. Nesta circunstância aproximam- se de uma atitude face ao autocuidado que Backman e Hentinem apelidaram de “abandonado” (43). De acordo com estes autores as pessoas com este perfil

apresentam incapacidade ou falta de responsabilidade face ao autocuidado e uma atitude passiva, não realizando as suas actividades diárias sem ajuda (43).

•Reformulação dos significados; • Expetativas face à recuperação; •Confiança na realização da atividade;

• Atitude pro ativa face ao autocuidado; • Condição de saúde melhorada; Fatores intrínsecos Fatores extrínsecos • hospital; • centro de reabilitação; • comunidade. •promover a motivação, através da

conf iança e das expetativas; • promover a confiança na realização das atividades; • assistir na seleção da inf ormação; • orientar para as alterações da habitação, antecipando necessidades; • promover o uso de equipamento; • promover o autocuidado; • prevenir riscos e detetar complicações;

Condições Fenómeno Contexto Ações

Envolvimento

Fatores críticos

•Motivação

•Atitude face ao cuidado •Tomar decisões •Antecipando necessidades •Significados •Condição de saúde • Suporte familiar •Suporte espiritual •Suporte profissional Consequências

Esta circunstância vai dificultar o envolvimento no processo, mantendo ou aumentando o nível de dependência, porque a pessoa opta por não trabalhar, não se empenhar, perdendo autonomia. O contrário verifica-se quando a pessoa mantém as expectativas face à recuperação, em relação a ficar melhor, com mais autonomia, e a manutenção das expectativas promove o envolvimento, muito demonstrado pela confiança, pela manutenção da esperança e pela iniciativa: “Estou animado” (P2E2); “mas eu mesmo assim, sem força nenhuma, zero, consigo passar para aqui [transferência da cama para o cadeirão]” (P5E1); “Eu penso, eu consigo…eu vou conseguir. E a vontade é muito importante. Eu faço tudo sem pedir ajuda” (P5E1); “Isto vai, vai ver” (P7E2); “Eu gosto de mostrar aos outros que somos capazes de continuar as nossas vidas, mesmo com muitas dificuldades”(P9E1); “Eu sei que vou conseguir, tenho de ganhar confiança” (P9E2). A confiança traduz-se pelo sentimento pessoal de sucesso perante um conjunto de competências desencadeadas como resposta a uma determinada situação (48), permitindo aos indivíduos aumentar a capacidade para desempenhar atividades de autocuidado, conquistando o controlo da sua vida e satisfazendo os seus objetivos pessoais (40). A noção de controlo, embora subjetiva, influencia inevitavelmente o que as pessoas sentem, pensam e realizam (58). De facto, o interesse, a atividade e a confiança estão intimamente ligados, quanto mais se realiza uma atividade, mais confiante se sente e mais interesse tem na sua realização (41).

O ter tido uma vida de trabalho também foi vista em duas perspetivas, quem sempre teve muito trabalho já está habituado, por isso vai envolver-se, ou pelo contrário, quem sempre trabalhou já está cansado e agora prefere que sejam os outros a fazer por eles: “Sabe, senhora enfermeira, eu fui puxada a trabalhar. Eu era a mulher dos sete instrumentos” (P12); “Eu trabalhava bastante” (P14); “A minha mulher vai fazendo as coisas de casa. Eu agora não faço nada, mas fui um homem de muito trabalho, sempre cumpridor dos meus deveres” (P15). Estas duas perspetivas podem estar associadas a perfis de autocuidado distintos (43): o primeiro, responsável, tem uma atitude proactiva face ao que tem de fazer, envolvendo-se; e, o segundo, de abandono, desiste, conformando-se, deixando que os outros o substituem.

Quando a pessoa tem uma atitude conformista em relação à recuperação e uma atitude passiva face ao processo de reconstrução da autonomia, conformando-se e deixando que a substituam nas atividades, reconhecendo que teve uma vida de

trabalho, mas não querendo continuar a trabalhar: a dependência no autocuidado nestas circunstâncias pode ser encarada como condição (Quadro 7).

Quadro 7 – Características da categoria: A dependência no autocuidado enquanto “condição”

Quando a pessoa tem pouca força de vontade, baixo autocontrolo, pouca confiança e um locus controlo externo tende a não se envolver: “E para mim, isso é que conta, sem eles, eu não era ninguém” (P7E4); “Eu sem ela não sou ninguém, por mim eu já tinha morrido” (P7E4). Esta atitude de “desistir” é característica das pessoas com um perfil de autocuidado de abandono, ganhando, nestes casos, o suporte social maior importância (43). Nestes casos a ajuda profissional passa pela substituição nas tarefas de autocuidado uma vez que a pessoa deixou de investir, aceitando passivamente a dependência.

Quando a pessoa mantem expectativas face ao futuro, uma atitude proactiva, envolvendo-se no processo de reconstrução da autonomia e gosta de trabalhar: a dependência no autocuidado tende a ser encarado como uma situação (Quadro 8). Nestes casos os profissionais de saúde são encarados pelas pessoas com dependência como recursos, recorrendo a eles sempre que consideraram fundamental. As características apontadas são próximas de um perfil de autocuidado responsável, por isso a atitude profissional deve ser de disponibilidade para fornecer toda a informação e o treino que a pessoa venha a requerer. • Mantém dependência no autocuidado; Quando a Atitude passiva Conformismo Deixa que a substituam Teve uma vida de trabalho e não quer continuar a trabalhar: Não demonstra envolvimento A dependência no autocuidado é condição Hospital; Centro de reabilitação; Comunidade. •Não se envolve no processo

• Não participa nas atividades de autocuidado • Não executa as atividades de autocuidado

• Aceita passivamente a substituição nas tarefas

Quadro 8 – Características da categoria: A dependência no autocuidado enquanto “situação”

Na prestação de cuidados à pessoa com dependência no autocuidado, quando subestimamos a pessoa, não valorizamos a sua iniciativa, não disponibilizamos recursos nem a ajuda para gerir esses recursos e tende-se a substituí-la nas atividades de autocuidado quando não seria necessário. Neste contexto, a dependência de autocuidado tende a ser encarada como condição. A forma de tal não acontecer é atender sempre ao máximo potencial de autonomia da pessoa

(105).

A demonstração de interesse e confiança são característicos de um perfil de autocuidado responsável, havendo uma vontade expressa de querer manter-se ativo e de manter controlo sobre a situação (105) (43). Associada a esta questão da manutenção da confiança, da esperança e da iniciativa, está a atitude face ao autocuidado. Se a pessoa tiver força de vontade, perceção de autocontrolo, confiança, esperança e um locus controlo interno envolve-se no processo: “Uma coisa que eu sempre gostei foi de lutar contra as dificuldades” (P4E2); “Se a gente não tiver força, não chega a lado nenhum, não é? É por isso que uma pessoa tem que lutar” (P4E2); “Fui sempre assim de resolver as coisas sozinho” (P6E2); “Tive de me impor a elas [às dificuldades] para levar a vida para frente. Eu comecei a ganhar aquela coisa de que tenho que andar, tenho que isto e tenho que aquilo” (P9E1). A atitude proactiva face ao autocuidado sendo também característica de um perfil de autocuidado responsável, quando associada à vontade de “fazer sozinho” e “à sua maneira” passa a ser característica de um perfil de autocuidado independente (43).

Na resposta aos desafios colocados na reconstrução da autonomia no autocuidado, há pessoas que embora estejam envolvidas no processo, não têm o mesmo nível de iniciativa e atividade que as pessoas com um perfil responsável

•Atinge máximo potencial de autonomia;

o f f

Teve um vida de trabalho e deseja continuar Mantém expectativas face ao futuro

Não gosta que o substituam Atitude proactiva Demonstra envolvimento A dependência no autocuidado é Situação Hospital; Centro de reabilitação; Comunidade. • procura informação; • gere recursos; • negoceia recursos de saúde; • treina estratégias adaptativas; • treina uso de equipamentos; • gere regime terapêutico;

ou independente, porque não questionam, limitam-se a orientações dos profissionais: “Eu faço o que me vão ensinando” (P5E2); “agora faço outro medicamento, mas, sinceramente, ainda não sei bem qual é. Dos medicamentos que me dão, só conheço o nome de um medicamento dos outros não sei” (P2E2); “E quem trata dos medicamentos? - É ele [o filho] e a minha filha, eles deixam-me ficar tudo prontinho, orientado e eu tomo” (P2E2); “Temos aqui tudo. Nós medimos em casa, temos um livro de cada um, desde 2004. (…) Nós apontamos aí tudo. Eu tenho todos os resultados de exames aqui tudo nesta capa, foi o médico que me disse para comprar esta capa para organizar tudo (…)” (P8E2). A aceitação sem questionamento e o seguir as orientações dos profissionais são característicos de um perfil de autocuidado formalmente-guiado (43). Nestes casos o envolvimento traduz-se em atividade e não em iniciativa ou em questionamento. A atitude face ao cuidado é moldável, influenciada pelas crenças culturais e influencia a imagem que a pessoa tem de si e a sua volição. No fundo, a atitude face ao autocuidado traduz o perfil de autocuidado da pessoa, sendo um aspeto fundamental no planeamento das terapêuticas centradas na reconstrução da autonomia (43) (47).