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autocuidado, a vivência de uma transição simultânea e relacionada

3. A RECONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA NO AUTOCUIDADO

3.6. A reconstrução da autonomia uma teoria explicativa

3.6.3. Os fatores críticos na reconstrução da autonomia

3.6.3.2. A tomada de decisões

No processo de reconstrução da autonomia a pessoa terá que tomar decisões. A necessidade de fazer escolhas está relacionada com tudo o que terá que ficar diferente na vida das pessoas, após o evento gerador de dependência no autocuidado. Tal como noutras situações, a pessoa para decidir ou fazer escolhas tem que ter informação.

O tomar decisões e o envolvimento são alimentados de forma recíproca, sendo um traduzido pelo outro. As pessoas quando envolvidas tendem a tomar decisões e quanto mais decisões tomam mais se envolvem: “Aceitei ir para a unidade [UCC de convalescença] ” (P1E1); “Eu já a mandei tirar os tapetes e comprar um banco para a casa de banho. E para já, acho que chega” (P1E2); “E nós optámos pela prancha” (P2E2); “Porque eu não gosto muito de estar nos hospitais e quero ir para casa” (P4E1); “Eu prefiro estar na minha casa [em relação à UCC convalescença] ” (P10E4).

Para decidir, as pessoas socorrem-se de informações tendo como fontes principais os profissionais de saúde: "O médico já disse que ele não precisa de mais fisioterapia, mas ele já disse que vai continuar a fazer” (P1E3); [Deve andar sempre com os sapatos, assim como esses, com sola antiderrapante] “Pois, pois, também disseram lá no hospital, não sei quem foi [disse o filho]” (PC2E2); “Por acaso, uma das coisas que hoje a fisioterapeuta insistiu bastante foi para eu apoiar bem o pé, com o calcanhar” (P2E2); “(…) Isto é assim, o meu médico disse-me que eu tinha que caminhar e que devia fazer duas horas por dia, uma de manhã e a outra à tarde (…) (P9E2); Os enfermeiros são os profissionais de saúde que passam à pessoa informação relevante para que a pessoa lide melhor com a nova condição de saúde. Por isso, as pessoas tomam decisões por via do exemplo, demonstração, e da informação fornecida pelos profissionais:

 Orientar para as alterações na habitação: “(…) No centro de reabilitação, no departamento de atividades da vida diária, tem lá como devemos fazer as alterações e explicaram-nos tudo, deram- nos as medidas” (P16).

Alguns participantes também valorizaram a internet e os folhetos como fontes de informação, tendo sido disponibilizadas no hospital, no centro de saúde e nas suas casas. Pessoas que, habitualmente, não recorriam à internet passam a fazê- lo pela facilidade do acesso à informação, embora referenciem dificuldades na seleção da informação relevante: “Sim, costumo ir à net. Vou a páginas da internet para ver sobre as úlceras, infeções urinárias e outros assuntos. No outro dia, encontrei informação sobre a importância da ingestão de tomate para prevenir infeções. Para o intestino funcionar melhor, o que devo, ou não, comer. Tenho esse hábito de ir procurar informação na internet” (P16). Por isso, nestas situações a ajuda profissional passa pelo assistir na seleção da informação relevante.

A pessoa que vivencia um processo de reconstrução da autonomia no autocuidado necessita de informação em muitas áreas para gerir o processo e tomar decisões, nomeadamente sobre a condição de saúde, os recursos da comunidade, as mudanças que terá de realizar e os equipamentos. No fundo, será toda a informação relevante para que a pessoa possa vivenciar uma transição saudável. Os centros especializados foram os contextos onde a informação relevante no domínio do autocuidado foi transmitida com maior sistemática, nomeadamente: orientar para a realização de alterações na habitação promotoras

da autonomia e da segurança da pessoa; ensinar sobre estratégias de autocuidado; e, ensinar sobre equipamentos.

 Assistir na seleção de produtos de apoio: “E eles também têm catálogos com as diferentes opções para que possamos escolher aquelas que melhor se adequam à nossa casa e a nós” (P16).

A informação é selecionada de acordo com critérios estabelecidos pela pessoa tendo por base o que considera relevante para si e os conhecimentos que vai adquirindo: “(…)a terapeuta dá a sua opinião quanto às características que a cadeira deve ter e o que seria mais útil e melhor para mim, visto ser ela que sabe disso. Eles mostram catálogos (P16); “Faço [esvaziamento da bexiga] de cinco em cinco horas. Só faço [algália + saco coletor] em situações em que sei que vou estar muito tempo num determinado sitio que não tem casa de banho para fazer o esvaziamento da bexiga” (P16).

Embora fundamental, a informação não é suficiente para tomar decisões, sendo necessário experiência, vivência da situação; no início, a pessoa não se reconhece e não reconhece as necessidades para poder fazer escolhas: “(…) Entretanto, aceitei ser operado” (P11); “Se eu soubesse, teria aceitado há mais tempo. (…) Aí eu aceitei” (P17).

Dada a circunstância de vulnerabilidade, a coragem também será necessária, pois há opções difíceis e nem sempre o melhor traduz a opção mais fácil: “Eu andei muitos anos a recusar fazer a insulina, por não ter coragem de me picar”. A título de exemplo, podemos apontar a decisão de integrar um centro de recuperação, por trinta ou sessenta dias. A realização de terapia de forma intensiva é entendida como importante e no caso será a melhor opção, mas nem sempre é fácil pois obriga ao internamento e, muitas vezes, ao afastamento de casa e da família. A necessidade de tomar decisões é maior na fase inicial do processo de reconstrução da autonomia, sendo mais difícil, quer pelo número de coisas que mudam, quer pela novidade; embora essa necessidade seja uma constante da vida. Com o tempo e pela inevitável confrontação com a realidade, a tomada de decisão torna-se mais fácil.

A antecipação de necessidades (4) só é possível com informação contextualizada e é algo incontornável, nomeadamente no planeamento do regresso a casa. A informação é relevante para a antecipação das dificuldades e a reformulação da habitação. Por isso, o tomar decisões está muito relacionado com a experiência,

porque a pessoa com o tempo e com o experienciar de toda a situação vai tendo maior capacidade para tomar decisões e fazer escolhas, mas também o faz por comparação, com o vizinho ou com o colega e, inevitavelmente, com a confrontação com as dificuldades: “Nós já éramos sócios, porque sabíamos que um dia quando precisássemos não tínhamos ninguém. Por isso, como nós já éramos sócios decidimos vir para o “Lar”. E foi a melhor decisão, porque temos aqui quem tome conta de nós” (P20); “(…) está num Lar “por opção”, porque “já era sócio” e quando veio para cá ainda tinha muitas capacidades” (P19); “Tivemos lá uma vizinha que também teve apoio. E a senhora que ia casa dela ficava uma hora e dava-lhe banho e limpava a casa. E isso era o ideal para mim, para a minha mulher não andar a fazer esses esforços” (P8E1). No fundo, nestas situações, a pessoa é confrontada com a necessidade de tomar decisões, mas sem grande apoio profissional.