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autocuidado, a vivência de uma transição simultânea e relacionada

3. A RECONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA NO AUTOCUIDADO

3.6. A reconstrução da autonomia uma teoria explicativa

3.6.2. O que muda e fica diferente

3.6.2.3. O assumir do papel de familiar cuidador

O assumir do papel de familiar cuidador (Quadro 3) acontece pela proximidade, por obrigação e nas 24 horas do dia, como nos referem os participantes:

 Pela proximidade: “Eu não trabalho, estou em casa, por isso sou eu que vou tomar conta dele [esposa]” (P5E1); “Às vezes, quando eu estou doente, é a minha filha mais nova. Sabe, ela está mais por perto” (P14);

 Por obrigação: “Olhe, tem que ser assim. Hoje ela, amanhã nós” (P12); Éramos 4 irmãos e como era eu que vivia com eles em casa toda a gente achou que eu tinha a obrigação de tomar conta dele. Sim obrigação” (P18);

 Nas 24 horas do dia: “ “Sim, de dia e de noite. Uma ficava durante o dia e a outra durante a noite, a tomar conta de nós” (P14).

Quadro 3 - Características da categoria: Assumir o papel de familiar cuidador

O sentir-se obrigado a tomar conta do familiar dependente, muitas vezes, é entendido como natural e inevitável, facilitando o processo de tomar conta e consequentemente a reconstrução da autonomia. No entanto, também pode ser encarado de forma negativa o que terá o efeito contrário ao anteriormente descrito, dificultando a reconstrução da autonomia. A ausência de um planeamento e de distribuição das tarefas pela família faz com que seja, habitualmente, apenas um membro a assumir essa responsabilidade, o que também acresce às dificuldades. Também aqui a ajuda profissional é essencial, quer no gerir das tarefas, quer no desenvolvimento das competências para tomar conta.

A necessidade de assumir um novo papel, o papel de familiar cuidador, desencadeia um conjunto de mudanças que também se vão repercutir no processo de reconstrução da autonomia da pessoa com dependência no autocuidado, nomeadamente a necessidade de mudar de casa, pelo facto de ter de ajudar a pessoa com dependência ou para que esta tenha melhores condições

(84): “Sim é ela [filha assumir a PC]. Eu agora estou aqui na casa dela” (P12).

O membro da família que assume a prestação de cuidados, por vezes, perde ou deixa o emprego, reduz ao número de horas de trabalho, passando de um horário em tempo completo para um horário em tempo parcial, para poder tomar conta do familiar com dependência. A família ao confrontar-se com a necessidade de tomar conta de um familiar tem de ponderar diferentes opções e a mais vantajosa é um dos membros deixar de trabalhar para assegurar a prestação de cuidados, quando fica mais económico do que contratar alguém fora da família: “Eu até já fui falar com a assistente social, porque não vale a pena colocar aqui alguém a olhar por ele, posso ficar eu. Eu só trabalho três horas e tenho que olhar por eles

• assumir o papel de tomar conta;

•envolvimento no papel; • desenvolvimento de competências;

• satisfação com o papel; • participação de vários membros da família; • perder o emprego. Integração na família de um familiar com dependência no autocuidado Assumir o papel de familiar cuidador (FC) Domicílio do alvo de cuidados e do FC; Laboral do FC; Família do FC; Atividade social FC; Vida pessoal do FC.

•presta cuidados nas 24 horas;

• desenvolver

competências pata tomar conta;

• gerir recursos da comunidade; • elaborar agenda das disponibilidades para dar resposta às necessidades;

[marido e mãe]. Eu não ganho para poder ter uma pessoa a tomar conta dele. Ainda se valesse a pena colocar uma pessoa de manhã, mas não vale. Eu trabalho mesmo aqui ao lado” (P6E1); “Eu deixei de trabalhar para tratar dela” (P8E3). Neste caso o ideal seria o membro da família continuar a receber mensalmente um valor próximo do seu ordenado, para não haver uma redução no rendimento familiar, para não existir prejuízo para a prestação de cuidados, para o familiar cuidador e para a pessoa com dependência.

A organização e distribuição das tarefas são fundamentais, permitindo a participação de vários membros da família:

 Apoiar nas refeições: “Nós cá nos arranjamos, já falei com a mana. Ela vai almoçar contigo e ao jantar estou eu. Para vir à fisioterapia terás que vir com os bombeiros, eu já tratei com a assistente social [referiu o filho]” (PC2E1);

 Fazer companhia: "A senhora nunca está sozinha. A neta, estudante do ensino superior, passa algum tempo com a avó durante a tarde; o filho passa várias vezes durante o dia em casa e tem dormido em casa dos pais; a nora faz o jantar e durante o dia, sempre que pode, também passa por casa” (P3NC2);

 Assistir nas atividades de autocuidado: “Sim. O meu marido também me ajuda. No banho, a vestir-me a limpar-me. Tudo o que a minha irmã me faz, ele [o marido] faz, se estiver em casa. Também me corta a carne, se vê que eu tenho dificuldade. Sem o apoio de um ou do outro seria muito difícil (P4E24);

 Executar o cuidado doméstico: “A minha filha ontem esteve aqui duas horas a passar a ferro, porque eu fui acumulando a roupa” (P8E2);

 Transportar para os tratamentos: “E vá lá que eu tenho tido sorte e têm ido muitas vezes buscar-me ao hospital, não tenho que vir sempre com os bombeiros, a minha mulher, o meu filho ou a minha irmã” (P10E4).

Associada à gestão das tarefas surge a gestão dos recursos, sendo uma das atividades, assumidas pela família, ainda no internamento. Se numa fase inicial as pessoas não sabem muito bem o que necessitam, com o tempo, tendem a negociar os recursos para melhor tomarem conta do seu familiar com dependência. No entanto, uma gestão efetiva de recursos, nomeadamente da

família, exige uma boa organização dos processos familiares. Quando esta organização não se estabelece fica dificultado o processo, podendo ser um fator que vai dificultar a reconstrução da autonomia e podendo gerar disfunção familiar, assim como situações de stresse do familiar cuidador.

Os familiares cuidadores raramente tomam a decisão de se tornarem, ou não, cuidadores devidamente informados, cabendo aos profissionais de saúde fornecer toda a informação para que essa escolha seja feita em plena consciência do que lhe está inerente (104). Esta fase corresponde ao envolvimento no papel as ações de procura de informação pelo familiar cuidador sobre: a situação atual de saúde do doente, incluindo função física e mental, progressão da doença, tratamento e diagnóstico; a monitorização e gestão dos sintomas; a prestação de cuidados propriamente dita, incluindo aspetos relativos à assistência no autocuidado, à administração de medicamentos e à promoção de conforto; e, a gestão e a atuação em situações de emergência (87). Nesta fase, o profissional deve não só fornecer toda a informação solicitada, mas também garantir que todas as informações foram realmente compreendidos pelo familiar cuidador, e deste modo, interpretados da forma mais correta (87).

A segunda fase, a de negociação do papel, desenvolve-se logo após a alta hospitalar e define-se como o processo pelo qual o familiar cuidador e recetor de cuidados passam até que seja atingido um padrão estável de interação de cuidados (87). Assim, o familiar cuidador necessita de auxílio para: a execução de cuidados; o desenvolvimento de habilidades; promover a participação do doente; lidar com as emoções do doente e ainda ajuda na gestão de recursos, materiais, profissionais e institucionais (87).

Em qualquer das fases do desenvolvimento e exercício do papel a coordenação de esforços entre os profissionais e o familiar é fundamental para que o familiar cuidador se sinta envolvido e confiante nas atividades a realizar, demonstrando uma maior prontidão e intenção de cumprir cada tarefa que lhe seja proposta (87). A ajuda profissional é fundamental no assumir do papel de familiar cuidador, devendo existir um acompanhamento do processo de tomar conta do familiar dependente.