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1.2. Teoria das transições

1.2.3. Condições facilitadoras e inibidoras

O modo de lidar com a transição é determinado por vários elementos do processo, do período de tempo e da perceção individual da experiência. De facto, cada pessoa atribui significado às situações de saúde e doença, de acordo com os valores, as crenças e os desejos, que caracterizam a singularidade e projeto de saúde individuais

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. Assim se compreende o modo como os significados e as perceções são influenciados e influenciam o decurso da transição (3) (4) (20).

Para compreender as experiências dos clientes, ao longo da transição, é necessário caracterizar as condições pessoais, da comunidade e da sociedade, que podem facilitar ou dificultar uma transição saudável.

1.2.3.1. Condições pessoais

As condições pessoais englobam os significados, as crenças e as atitudes culturais, o estatuto socioeconómico, o nível de preparação e o nível de conhecimento/habilidade.

1.2.3.1.1. Significados

O significado guarda relação estreita com a perceção. Significado é entendido como o ‘valor, importância de alguma coisa’ (12 p. 3411). O significado atribuído é construído a

partir da interpretação que cada um faz da realidade que o envolve e experiencia, apreendida através dos órgãos dos sentidos – perceção. De facto, a perceção corresponde ao ‘registo mental consciente de estímulos sensoriais; ter noção de objetos ou outros dados através dos sentidos’ (21 p. 59).

A partir dos significados construídos, tendo por base as experiências vividas e a perceção da realidade, cada pessoa vai definindo a sua forma de agir, de sentir, de ver e de ser em relação a tudo o que é importante para si e para os que lhe são significativos. Assim se compreende a influência dos significados atribuídos às vivências no modo de lidar com a transição.

Kralik & Van Loon (16) referem que aprender a viver com uma doença crónica é um processo difícil, pois implica que a pessoa reveja os significados atribuídos a muitos aspectos da sua vida, que faça o luto das perdas e que integre na sua vida as estratégias terapêuticas necessárias. Exige, por isso, que a pessoa atribua significado à aprendizagem que vai fazendo, mesmo que as vivências sejam adversas. Os significados são construídos a partir do conhecimento que vai sendo adquirido (16). De acordo com a forma como os significados são entendidos – positivos, neutros ou negativos, podem constituir-se fatores facilitadores ou inibidores da transição. A atribuição de significado positivo ou neutro à experiência pode ser facilitador da transição na medida em que tem o potencial de fomentar o envolvimento e o ajustamento à mudança necessários para lidar com a nova condição. Esta noção é veiculada nos resultados do estudo desenvolvido por Sawer (22), no qual se verificou que as mães que atribuíram ao exercício do papel maternal significado positivo - responsabilidade, proteção, apoio e sentir-se útil – vivenciavam uma transição saudável para a maternidade (4). Se, pelo contrário, o significado atribuído à mudança é negativo, o processo de transição pode estar comprometido. Se uma pessoa atribui significado negativo à utilização de determinado equipamento, por exemplo ao uso de cadeira de rodas, tende a resistir ao desenvolvimento de competências para o utilizar.

1.2.3.1.2. Atitudes e crenças culturais

A atitude tem sido entendida como a predisposição do indivíduo em responder ou agir de um modo característico sobre o que o rodeia, isto é, refere o pré-anúncio de um comportamento, uma tendência ou uma inclinação para agir. A ação pode ser de afastamento ou de aproximação face a elementos da realidade. De acordo com Kendler (23), a atitude possui três componentes básicas: cognitiva, afetiva e comportamental. A componente cognitiva está associada à formação de crenças sobre a realidade e é construída a partir da informação recolhida. A componente afetiva, por seu turno, é constituída pelos sentimentos positivos ou negativos em relação a um determinado objeto ou situação. A componente comportamental reflete a existência de comportamentos verbais que evidenciam a preferência, a aversão, etc.

Kendler (23) defende que a atitude é a consequência de um silogismo que liga a crença e o valor. De acordo com este autor, a atitude (a predisposição) resulta da associação de dois elementos: a crença (acreditar que) e o valor (princípio subjetivo-emotivo). Assim, o valor dá à crença o espectro motivacional, isto é, o carácter de força que leva o indivíduo a agir ou a pensar de uma determinada maneira. Por exemplo, se alguém acredita que não é capaz de mudar o comportamento e entender que não mudar o comportamento é ser incompetente, pode inferir que é incompetente por não conseguir mudar o comportamento e esta atitude interferir na disposição para lidar com a transição. A atitude - “eu sou incompetente” - reflete parte de uma relação avaliativa entre dois conceitos: o primeiro exprimindo um conhecimento de si e o segundo ao valor que o condiciona.

De acordo com o ICN (21), a atitude, enquanto processo psicológico, refere um modelo mental, uma orientação e uma opinião aceite. Na CIPE® são especificadas seis tipos de atitude: atitude face ao cuidado, atitude face à gestão de medicamentos, atitude face ao cuidado no domicílio, atitude face ao status nutricional, atitude face à cirurgia e atitude face à dor. Cada uma das atitudes representa a opinião acerca de aspetos que influenciam a ação, por exemplo a atitude face ao cuidado refere a “opinião sobre o tratamento e o prestador de cuidados de saúde” (21 p. 78).

As crenças são resultado da educação, da cultura, do ambiente, dos outros considerados como referência, e das experiências, sejam elas positivas ou negativas, afetando o modo como cada indivíduo lida com a transição.

As crenças são entendidas como “opiniões, convicções e fé” (21 p. 78). Deste modo, a

crença cultural pode ser definida como a “convicção e disposição da pessoa para manter ou abandonar ações tendo em conta os valores da sua própria cultura” (21 p. 78).

As crenças constituem princípios orientadores que conferem significado e direção à vida. Funcionam como filtros pré-formatados que facilitam a organização e a construção das perceções sobre a realidade. Assim, constroem-se crenças sobre o próprio, sobre os outros, sobre os relacionamentos, sobre o que se é capaz de fazer e sobre o que se acredita ser possível ou impossível. Qualquer ideia pode ser transformada numa crença, mas nem tudo em que se acredita é uma crença. Claro está que nem toda a realidade é influenciada pelas crenças. Um exemplo típico são as leis da natureza, nomeadamente a gravidade, na medida em que são imutáveis independentemente da crença que se possa ter.

Alguns autores referem que há diferentes intensidades naquilo em que se acredita. Daí que importa proceder ao diagnóstico diferencial entre opinião, crença e convicção. A opinião pode ser mudada com facilidade, de acordo com a perceção que se tem das coisas. A crença é construída, habitualmente, a partir das experiências e com base numa lógica. A convicção é a mais intensa, podendo desencadear reações e ações desprovidas de racionalidade.

1.2.3.1.3. Estatuto socioeconómico

O estatuto socioeconómico constitui também um fator que pode condicionar o decurso da transição. Esta condição refere a posição, ou ordem, relativa de um indivíduo numa hierarquia baseada em atributos sociais e económicos, que se exprimem no acesso diferencial a recursos e a comodidades valorizadas. São três os indicadores do estatuto socioeconómico tradicionalmente mais relevantes - o nível dos rendimentos, a ocupação profissional e o grau de instrução (24).

A caracterização do estatuto socioeconómico é útil na identificação de pessoas potencialmente expostas a riscos determinados pelo ambiente físico e social sob o qual vivem e se desenvolvem. Meleis et al. (4) reconhecem que o baixo estatuto socioeconómico pode assumir-se como um fator inibidor para a transição saudável, na medida em que pode ser condicionador do acesso a recursos de saúde, do acesso à informação e da capacidade para implementar as medidas inerentes à nova condição de saúde.

Assim, considerar o estatuto socieconómico enquanto fator influenciador do decurso da transição pode facilitar o reconhecimento de populações mais vulneráveis e caracterizar o acesso diferencial dos indivíduos aos recursos sociais e económicos que têm impacto na sua saúde.

1.2.3.1.4. Nível de preparação e nível de conhecimento/habilidades

Seja qual for o tipo e padrão de transição, o processo de reconstrução do papel é um elemento crítico, condicionado pela ruptura com os modelos de vida até então tidos como certos e habituais, nomeadamente as rotinas diárias. De facto, a reformulação da identidade envolve os conhecimentos para tomar decisões e as habilidades para lidar com a nova condição. Para lidar com as novas situações é necessário adquirir novos conhecimentos e novas habilidades, desenvolvendo, por essa via, novas competências.

A preparação antecipada para lidar com a nova situação parece constituir um fator facilitador e, pelo contrário, a falta de preparação parece constituir um fator inibidor da transição. Assim, conhecer antecipadamente o que é esperado durante a transição e as estratégias necessárias para lidar com as mudanças e as suas consequências é potenciador de uma transição saudável.

O conhecimento ajuda na construção dos significados. Por isso, o processo de aprendizagem é parte relevante da transição (25). Este autor propõe um conjunto de fases que as pessoas necessitam percorrer ao longo do processo de aprendizagem (Esquema 3).

Esquema 3 – Fases da aprendizagem transformativa (adaptado de Mezirow (25) ) Enf rentar a situação Analisar as condições pessoais Analisar as circunstâncias Reconhecer que outros já ultrapassaram processos similares Explorar as opções Formular um plano de ação Integração do novo modo de viver

1.2.3.2. Condições da comunidade e da sociedade

Os recursos da comunidade podem também constituir condições que facilitam ou inibem a transição. De acordo com os défices detetados na população, cada comunidade tende a organizar-se para suprir tais necessidades. Assim, quanto mais bem organizados, preparados e acessíveis forem os recursos disponíveis, maior a probabilidade de ocorrer uma transição saudável.

Podem ser considerados fatores facilitadores da transição o suporte familiar, a informação relevante disponível em fontes credíveis, o aconselhamento sobre as diferentes possibilidades e o suporte na tomada de decisão, o encaminhamento para os recursos disponíveis e a resposta apropriada às dúvidas e às necessidades efetivas. Por seu turno, o suporte insuficiente ou inadequado, o aconselhamento desajustado, a informação insuficiente ou contraditória podem constituir fatores inibidores (4).

As ideias vigentes e o estadio de desenvolvimento de cada sociedade influenciam, também, o modo de entender alguns fenómenos podendo facilitar ou inibir a transição. Os estigmas, os esteriótipos e a marginalização existentes em algumas sociedades podem interferir no processo de transição, constituindo frequentemente fatores inibidores. Por outro lado, a criação de leis e de regulamentos podem constituir fatores facilitadores. Por exemplo, o apoio económico a membro da família que assuma o papel de prestador de cuidados, etc.