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Fase II – após a alta hospitalar Entrevista por telefone: formulário

2.1.7. Discussão dos resultados

No ano 2007, foram registados 18292 episódios de internamento referentes a 15150 pessoas, variando entre um e nove internamentos por pessoa, sendo a maior percentagem de um internamento, correspondendo a 70,5% dos episódios de internamento, tendo em média 7,4 dias de internamento. A média de dias por internamento tende a aumentar de acordo com o aumento do número de internamentos, isto é, quantos mais internamentos de uma mesma pessoa maior é o

265 289 82 29 Dependência para se transferir, em grau elevado Dependência para se transferir, em grau moderado Dependência para se transferir, em grau reduzido Outro

tempo em que permanece internada. Ou seja, quanto mais grave a condição e/ou quanto menor o suporte disponível, maior a necessidade de suporte profissional. A inexistência, ou insuficiência, deste suporte profissional na comunidade impulsiona a necessidade de internamentos, verificando-se, por isso, um potencial para a diminuição dos custos em saúde, pelo reforço do apoio aos familiares cuidadores e melhorando a assistência profissional no domicílio.

Das 15150 pessoas que estiveram internadas 27,3 % tiveram alta do hospital com algum tipo de dependência no autocuidado e 16,6% eram adultos que não apresentavam “confusão”, “alteração da consciência”, ou “agitação” e que, portanto, no momento da alta viviam uma transição.

Da amostra de 250 pessoas, representativas dos 2511 doentes, que no momento da alta tinham algum tipo de dependência no autocuidado e que foram contactadas por telefone, meio ano pós alta, 106 mantinham-se dependentes, necessitando no mínimo de outra pessoa para a consecução das atividades de autocuidado, estando nessa situação, em média, há 6,3 anos. Das 106 pessoas que mantêm a dependência no autocuidado, 44 ficaram com dependência nos últimos 6-12 meses, o que representa 17,6% da nossa amostra. Este dado permitiu-nos estimar, a partir do total de pessoas (2511) que tiveram alta com dependência no autocuidado, que, ao fim de 6-12 meses, cerca de 440 vão manter-se, no mínimo, dependentes de outra pessoa em algum tipo de autocuidado. Este é um dado relevante para a alocação e gestão dos recursos na comunidade, pois sabendo-se o número de pessoas que tiveram alta com dependência no autocuidado num ano, é possível estimar o número aproximado dos que, ao fim de um ano, se manterão dependentes necessitando de ajuda.

O autocuidado é a área de atenção à qual os enfermeiros mais recorrem para descrever necessidades em cuidados dos seus clientes em contexto hospitalar (30) (69). Seis dos dez focos mais frequentes na documentação de enfermagem referem tipos de autocuidado (77). E, no âmbito da implementação de Sistemas de Informação em Enfermagem, ficou demonstrado que “em todas as unidades, a dependência dos doentes face às atividades do autocuidado, foi adquirindo crescente visibilidade na documentação de enfermagem” (69 p. 250). Num hospital central de Lisboa, mais de um

terço, isto é, 124 pessoas, num total de 344, tiveram alta com necessidade de ajuda de outra pessoa para realizar, pelo menos, uma das atividades inerentes a cada tipo de autocuidado (78).

Na prática de cuidados, os enfermeiros tomam por foco o autocuidado associam-lhe o juízo “dependência” para traduzirem as necessidades em cuidados de enfermagem

nesse domínio. Estas necessidades significam que o doente carece de ajuda de outros, total ou parcial, para fazer face a atividades como comer, tomar banho, vestir- se, usar o sanitário e mobilizar-se. Trata-se de atividades que as pessoas realizam diariamente, aprendidas e que são desenvolvidas de acordo com um padrão (1). A necessidade de ajuda de outros advém da perda de autonomia a níveis que impossibilitam a pessoa de realizar essas atividades por si (67).

A média das idades das pessoas com dependência no autocuidado, no momento da alta, é superior à média das idades dos que, no momento da alta, não tinham este diagnóstico ativo. Note-se que, a média das idades dos participantes do nosso estudo é próxima da média de idades dos participantes de outros estudos que tiveram por foco pessoas com dependência no autocuidado (74) ou ligeiramente superior (74). Este resultado pode ser explicado pelo facto do aumento da idade estar associado ao aumento da dependência no autocuidado. Este resultado é corroborado por Duque (78), num estudo que teve por finalidade caracterizar a dependência no autocuidado, no momento da alta hospitalar.

O nível de dependência no autocuidado é maior nas pessoas mais velhas, sendo também estas pessoas as que estão mais vezes internadas e durante mais tempo, em serviços de Medicina e Ortopedia.

O aumento da média de dias por internamento aumenta conforme aumenta o número de internamentos, isto é, o número de dias por internamento tende a aumentar à medida que aumenta o número de internamentos. Este resultado poderá estar relacionado com o facto de frequentemente essas pessoas serem portadoras de uma doença crónica com episódios de exacerbamento ou surgimento de complicações que implicam o seu internamento. A demonstração da relação entre a doença crónica e a necessidade de internamento tem sido apresentada em muitos estudos. Aliás, esse facto tem vindo a desencadear a reformulação dos sistemas de saúde no sentido da promoção do autocuidado das pessoas com doença crónica, nomeadamente melhorando e aumentando os cuidados de enfermagem prestados no domicílio, criando a figura de um gestor de caso e estabelecendo canais de comunicação direta com os serviços por telefone e e-mail (79) (80) (81).

Noutros estudos, em que também se tomou por foco a documentação produzida pelos enfermeiros em diferentes contextos, os fenómenos de enfermagem identificados no domínio do autocuidado assumiram-se como relevantes (77) (69). A título de exemplo, em 60% dos episódios de internamento os doentes apresentavam problemas relativos ao autocuidado (77). No nosso estudo, tendo apenas por referência os focos do domínio

do autocuidado verificámos que foram enunciados 8229 diagnósticos, sendo os mais frequentes no domínio da higiene 26,4%, uso do sanitário 16,8%, vestir-se/despir-se 14,3%, posicionar-se 11,7%, alimentar-se 11,8% e transferir-se 8,1%. Estes focos também integraram o grupo dos 20 diagnósticos de enfermagem mais frequentes no hospital (77). No estudo de Pereira (77), no qual o diagnóstico mais frequente (2176 casos) foi o autocuidado: higiene, representando 26,4% do total dos diagnósticos enunciados. Segundo o mesmo autor, este facto deve-se à relevância que este foco assume no âmbito dos serviços de internamento de adultos, em particular nos serviços de Medicina.

O juízo associado aos focos do domínio do autocuidado mais utilizado foi o “dependente” nos seus diferentes graus de manifestação: grau elevado; grau moderado; e, grau reduzido. Por um lado, este achado pode ser explicado pelo facto da parametrização no SAPE ter tido por referência a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem sendo esse o juízo sugerido para descrever as necessidades em cuidados de enfermagem neste domínio. Por outro lado, esse é o juízo preferido pelos enfermeiros para descreverem tais necessidades (82); como nos relembra Pereira

(77), esta preferência resulta da influência que a “Escola das Necessidades” tem vindo a

exercer nos modelos de formação dos enfermeiros. No entanto, não podemos esquecer que a documentação da dependência no autocuidado traduz, não só a relevância de uma área de atenção para os enfermeiros, mas, também, uma necessidade específica em cuidados de enfermagem. Embora as necessidades em cuidados de enfermagem assim traduzidas, isto é, o estar dependente de alguém ou alguma coisa para ajuda ou apoio, devam ser colmatadas por um padrão de intervenção total, ou parcialmente compensatório, o papel dos enfermeiros não se esgota nesta dimensão. Espera-se, também, que promovam a independência nas atividades de vida das pessoas, a gestão dos recursos da comunidade, assumindo, ainda, um papel de pivot no contexto da equipa de saúde (83). Os enfermeiros para alcançarem tal desiderato terão que recorrer a um padrão de intervenção que está para além das medidas de complemento/suplemento do défice no autocuidado.

Se consideramos que a pessoa ao passar da situação de independência para a de dependência no autocuidado vivencia uma transição, a resposta dos profissionais, nomeadamente dos enfermeiros, terá que ir nesse sentido. Por isso, para além do desenvolvimento de novas competências de autocuidado, os enfermeiros precisam atender à forma como as pessoas lidam com o depender dos outros, ou de alguma coisa, para a realização do autocuidado, ou seja como aceitam e se adaptam à nova condição.