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A descoberta de um povo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 73-96)

Esta terceira parte do capítulo se estabelece como uma articulação entre a seção anterior e a discussão sobre a ficção e a história desenvolvida no primeiro capítulo. Naquele momento expusemos a ideia de que talvez Le Premier homme fosse uma maneira de fazer história ao construir uma narrativa baseada na memória. E, assim, a ficção seria a opção que permitiria a Camus fazer coincidir história e memória através da narrativa de Cormery. Na seção anterior, identificamos a presença da memória individual através de duas estratégias ao longo do romance: a memória involuntária, que permite a evocação de lembranças a partir de um objeto do presente que instaura uma simultaneidade entre presente e passado, e a narração de um fato passado pelo olhar da antiga criança, ou através de um olhar in-fantil, conforme a referência a Agamben. Mas,

afogada numa espécie de bruma, tornava-se mais nítida. Era dia claro ainda, mas as luzes já se acendiam, prevendo o rápido crepúsculo da África”. (CAMUS, 1994, p. 49-50).

como essa memória tão íntima se relacionaria com a história, especialmente, com a história da comunidade franco-argelina na qual nasceu Jacques Cormery – e Albert Camus? Nesse momento, tentaremos entender de que maneira a busca por um único homem, Henri Cormery, no início do romance faz com que Jacques desemboque em uma multidão – “A busca pelo pai, não termina, para Jacques, em um só homem, mas em uma multidão que é seu povo” 78 (CHABOT, 1999).

O estudo da memória coletiva ganha fôlego com a publicação da obra de Maurice Halbwachs, A memória coletiva, em 1968. O sociólogo desvia o curso que costumavam tomar os estudos sobre a memória, afirmando que não o interessava tanto descobrir onde a memória é conservada, mas por que e como ela reaparece. Halbwachs é bastante influenciado pela sociologia de Émile Durkheim, em cuja obra a noção de “categoria” ocupava posição primordial, já que propunha interpretar socialmente categorias como as de tempo, espaço, pessoa, número, etc. Percebemos o reflexo da obra durkheimiana no uso feito por Halbwachs, em seu primeiro livro sobre a memória – Les cadres sociaux de la mémoire (1925) –, do conceito de “quadros sociais” da memória. Esses quadros seriam instrumentos dos quais se serve a memória para construir uma imagem do passado a partir do pensamento de determinado grupo. Isso por que considera que a maior parte das lembranças reaparece para o indivíduo no contato com os outros membros da sociedade. Portanto, é dentro de um grupo que o indivíduo as localiza e as legitima e, por isso, o pensamento do indivíduo se situa dentro da perspectiva de um conjunto social no qual ele está inserido e em que se estabelece um “quadro”.

Nessa primeira obra sobre o tema, Halbwachs apresenta a análise da memória da família, da religião, das classes sociais, todas elas compostas de lembranças recorrentes e legitimadas dentro de um ambiente social. Ele defende que o indivíduo se recorda tomando o ponto de vista de um grupo, e que a memória coletiva do grupo se manifestaria, então, através da memória individual. Assim, identifica o caráter comunitário constitutivo da memória, pois para se lembrar é preciso do outro.

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“La recherche du père, n’aboutit pas, pour Jacques, à un seul homme, mais à une foule qui est son peuple”. (CHABOT, 1999).

Mais frequentemente, se eu me lembro é porque os outros me incitam a lembrar, a memória deles vem em socorro da minha e a minha se apoia na deles. Nesses casos ao menos, a recordação das lembranças não tem nada de misterioso. Não há porque procurar onde elas estão, onde se conservam, se no meu cérebro, ou em alguma parte de meu espírito a que somente eu teria acesso, já que elas me são recordadas do exterior e que os grupos dos quais eu faço parte me oferecem a cada instante os meios para reconstruí-las, contanto que eu me volte a eles e que adote, ao menos temporariamente, suas formas de pensar.79

Assim, para Halbwachs, é no próprio ato de recordação pessoal que foi encontrada a marca do social. O grupo estimula determinada lembrança e não outra no indivíduo, e este, por sua vez, enriquece a memória coletiva ao narrar a sua lembrança, que influenciará outros membros da mesma comunidade. Dessa perspectiva, a memória não seria apenas interior, mas teria forte relação com o exterior, visto que só se mantém estando em um grupo: “Não há lembranças que reaparecem sem que de alguma forma seja possível relacioná-las a um grupo” (HALBWACHS, 2011, p. 42). É através da maneira de pensar partilhada pelo grupo com o qual se identifica que o indivíduo percebe e compreende noções que lhe vêm do mundo exterior. O mesmo acontece quando as lembranças são revisitadas e sobre elas se reflete – “cada vez que percebemos, nós nos confrontamos com a lógica [do grupo]; ou seja, lemos os objetos segundo essas leis que explicam as nossas lembranças” (HALBWACHS, 2011, p. 61). Em seu entender, grande parte do processo de recordação seria uma reconstrução fruto das interações sociais e uma parcela menor seria a evocação, propriamente dita, da lembrança de um estado de consciência puramente individual, que ele chamou de “intuição sensível” (2011, p. 43).

No episódio em que Jacques está no avião indo em direção a Solferino em busca do médico que o trouxe ao mundo, observamos como a personagem se apropria de lembranças que não são suas. Ele acabara de escutar histórias do fazendeiro de Saint- Apôtre, terra onde nascera, e está quase dormindo em sua poltrona. Devido à influência das lembranças contadas pelo fazendeiro, Jacques associa o momento vivido por ele com a época do pai e é capaz de construir uma imagem desse passado. A narrativa

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“Le plus souvent, si je me souviens, c’est que les autres m’incitent à me souvenir, que leur mémoire vient au secours de la mienne, que la mienne s’appuie sur la leur. Dans ces cas au moins, le rappel des souvenirs n’a rien de mystérieux. Il n’y a pas à chercher où ils sont, où ils se conservent, dans mon cerveau, ou dans quelque réduit de mon esprit où j’aurais seul accès, puisqu’ils me sont rappelés du dehors, et que les groupes dont je fais partie m’offrent à chaque instant les moyens de les reconstruire, à condition que je me tourne vers eux et que j’adopte au moins temporairement leurs façons de penser”. (HALBWACHS, 1994, p. 6).

também realiza tal aproximação de modo que as lembranças de outro tempo parecem pertencer a Jacques. E assim, misturam presente e passado, impressões do grupo e pessoais:

Jacques se retourna dans son fauteuil ; il dormait à moitié. Il voyait son père qu’il n’avait jamais vu, dont il ne connaissait même pas la taille, il le voyait sur ce quai de Bône parmi les émigrants, pendant que les palans descendaient les pauvres meubles qui avaient survécu au voyage et que les disputes éclataient à propos de ceux qui s’étaient perdus. Il était là, décidé, sombre, les dents serrées, et après tout n’était-ce pas la même route qu’il avait prise de Bône à Solferino, près de quarante ans plus tôt, à bord de la carriole, sous le même ciel d’automne ? Mais la route n’existait pas pour les émigrants, les femmes et les enfants entassés sur les prolonges de l’armée, les hommes à pied, coupant à vue de nez à travers la plaine marécageuse ou le maquis épineux, sous le regard hostile des Arabes groupés de loin en loin et se tenant à distance, accompagnés presque continuellement par la meute hurlante des chiens kabyles, jusqu’à ce qu’ils parviennent à la fin de la journée dans le même pays que son père quarante ans auparavant [...]80 (CAMUS, 1994, p. 174)

É devido ao aspecto social da memória que, segundo Halbwachs, o indivíduo não possui lembranças de sua primeira infância, pois nesse período de sua vida ainda não se percebe como um ser social, isto é, não identifica a pertença a um ou outro grupo, e o “outro” se resume à figura materna. Assim, as narrativas de lembranças desse período são claros exemplos da influência da narração do outro na construção da memória e da potência da imaginação. Poderíamos pensar a infância aqui como a origem, e ao considerarmos narrativas sobre a origem certamente nos depararemos com a narrativa mítica que pretende, grosso modo, dar sentido a um momento sem memória, do qual não há lembranças. Nesse sentido, vale pontuar o primeiro capítulo de Le Premier homme, intitulado Les nomades, e que traz a narrativa do nascimento de Jacques Cormery. Esse início do romance destoa do resto da narrativa na medida em que cria uma esfera mítica que não é mantida na sequência da narração. Esse capítulo não é datado, apresenta a narrativa de um nascimento, possui um conflito bem claro –

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“Jacques virou-se em sua poltrona; estava meio dormindo. Via seu pai que nunca tinha visto, cuja altura nem mesmo sabia qual era, via-o nesse cais de Bône entre os emigrantes, enquanto os guindastes desciam os móveis pobres que tinham sobrevivido à viagem e explodiam discussões sobre os que tinham sido estragados. Ele estava lá, decidido, sombrio, trincando os dentes, e afinal de contas não tinha sido a mesma estrada que ele tomara de Bône a Solferino, quase quarenta anos antes, na carruagem, sob o mesmo céu de outono? Mas a estrada não existia para os emigrantes, as mulheres e crianças amontoadas em carros de munição do exército, os homens a pé, cortando imprecisamente a planície pantanosa ou o

maquis espinhoso, sob o olhar hostil dos árabes agrupados de longe em longe e mantendo-se à distância,

acompanhados quase continuamente pela matilha ululante dos cães de Cabília até que, no fim da jornada chegassem à mesma região à que seu pai tinha chegado quarenta anos antes [...]” (CAMUS, 1994, p. 168).

arrumar um lugar onde a mulher grávida pudesse dar à luz – e um desfecho vitorioso – o nascimento do menino. O leitor é inserido na narrativa in media res e o início do texto narra aspectos climáticos e geográficos encontrados no caminho das personagens, que só aparecem posteriormente:

Au-dessus de la carriole qui roulait sur une route caillouteuse, de gros et épais nuages filaient vers l’est dans le crépuscule. Trois jours auparavant, ils s’étaient gonflés au-dessus de l’Atlantique, avaient attendu le vent d’ouest, puis s’étaient ébranlés, lentement d’abord et de plus en plus vite, avaient survolé les eaux phosphorescentes de l’automne, droit vers le continent, s’étaient effilochés aux crêtes marocaines, reformés en troupeaux sur les hauts plateaux d’Algérie, et maintenant, aux approches de la frontière tunisienne, essayaient de gagner la mer Tyrrhénienne pour s’y perdre. Après une course de milliers de kilomètres au-dessus de cette sorte d’île immense, défendue par la mer mouvante au nord et au sud par les flots figés des sables, passant sur ce pays sans nom à peine plus vite que ne l’avaient fait pendant des millénaires les empires et les peuples, leur élan s’exténuait et certains fondaient déjà en grosses et rares gouttes de pluie qui commençaient de résonner sur la capote de toile au-dessus des quatre voyageurs.81 (CAMUS, 1994, p. 11).

Jacques Cormery nasce entre um casal de nômades – les nomades – seu nascimento não é marcado no tempo, visto que não há qualquer referência temporal, e nem socialmente, quer dizer, ele não nasce em meio a uma comunidade, mas, ao contrário, isolado. Nesse sentido, poderíamos dizer que o menino não possui um nascimento histórico, mas antes, relacionado com o cosmos, ligado à terra. Por isso, aponta Chabot em artigo sobre a memória dos pobres: “Il [Jacques C.] ne naît pas tout de suite ‘premier homme’, il le deviendra, mais il est d’abord fils des nomades: naissance d’un errant déraciné”82 (1999, p. 67). Ou seja, sua origem histórica deverá ser por ele construída, posto que seu nascimento o liga ao universo como um todo sem inseri-lo em uma narrativa histórica.

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“Acima da carruagem, que rodava numa estrada pedregosa, grandes e espessas nuvens corriam para o leste na hora do crepúsculo. Três dias antes, elas tinham inchado sobre o Atlântico, esperado o vento oeste, depois se deslocaram, a princípio lentamente e depois cada vez mais depressa, tinham sobrevoado as águas fosforescentes do outono direto para o continente, se desfiado sobre as escarpas marroquinas, transformando-se em rebanho sobre os altos platôs da Argélia, e agora, nas proximidades da fronteira tunisiana, tentavam alcançar o mar Tirreno para nele se perderem. Depois de um percurso de milhares de quilômetros acima dessa espécie de ilha imensa, protegida pelo mar movediço, ao norte e ao sul, pelas ondas imóveis das areias, passando por essa região sem nome apenas um pouco mais rápido do que tinham feito, durante milênios, os impérios e os povos, seu impulso esgotava-se e algumas já se fundiam em grossas e raras gotas de chuva que começavam a ressoar sobre a capota de lona sobre os quatro viajantes”. (CAMUS, 1994, p. 5).

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“Ele [Jacques] não nasce ‘primeiro homem’ imediatamente, ele vai se tornar, mas ele é, primeiramente, filho de nômades: nascimento de um errante sem raízes”.

E é por isso que a narração do outro assume importância central em Le Premier homme. A narrativa do nascimento só poderia ser conhecida por outro que não o nascituro, por algum familiar. E aqui ressaltamos que o primeiro capítulo é introduzido pela palavra “intercesseur” seguida do nome próprio “Vve. Camus”. A ela é feita uma dedicatória: “À toi qui ne pourras jamais lire ce livre”83 (CAMUS, 1994, p. 11), já que tanto a mãe de Camus como a de Jacques não podiam ler, eram analfabetas. É claro que o sobrenome Camus, nesse contexto, dialoga com a questão da autobiografia anteriormente discutida. No entanto, gostaríamos de nos deter aqui na palavra “intercesseur”, que remete a alguém que “intercede” pelo outro, que fala por ele. Ou seja, na impossibilidade de contar sua origem natalícia, outra pessoa o fará, já que pode dessa história se lembrar.

Esse primeiro capítulo estabelece uma oposição com seu subsequente intitulado “Saint-Brieuc”, que se inicia da seguinte maneira: “Quarante ans plus tard, un homme, dans le couloir du train de Saint-Brieuc, regardait d’un air désapprobateur défiler, sous le pâle soleil d’un après-midi de printemps, ce pays étroit et plat couvert de villages et de maisons laides, qui s’étend de Paris à la Manche”84 (CAMUS, 1994, p. 25). Primeiramente, a diferença se dá em termos temporais, já que há aqui uma clara referência temporal (“quarante ans après la naissance”), mas também porque desde o título já situa o espaço (Saint-Brieuc, France) – e também, pois a personagem é introduzida logo na primeira frase. A dessemelhança entre eles se estende igualmente para a idade do protagonista: no primeiro capítulo há o bebê Jacques, que acaba de chegar ao mundo, e no outro o adulto Cormery, que chega a Saint-Brieuc. A oposição entre os capítulos expressa um conflito que aparece em outros momentos da narrativa: de um lado, a falta de referências e lembranças, e, de outro, os dados temporais, espaciais, sociais que possibilitam a construção histórica.

Esse contraste faz com que Jacques Chabot defenda a presença de dois mundos simbolizados respectivamente pelas “tombes de Mondovi” e pelo “cemitière de Saint- Brieuc” (p. 69). O primeiro representa a ausência de conservação, de memória, já que Jacques Cormery encontra as sepulturas de um cemitério em Mondovi, cidade onde

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“A você, que não poderá jamais ler esse livro”. (CAMUS, 1994, p. 5).

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“Quarenta anos mais tarde, no corredor do trem de Saint-Brieuc, um homem olhava passar, com ar desaprovador, sob o sol pálido de uma tarde de primavera, essa região limitada e plana, coberta de vilarejos e casas feias que se estende de Paris à Mancha.” (CAMUS, 1994, p. 21).

nascera, pouco conservadas e sem cuidados. E o cemitério de Saint-Brieuc, ao contrário, encena a memória histórica, pois é nele que a personagem encontrará documento escrito sobre o passado, como o registro de nomes dos soldados que serviram a França na guerra. Além disso, ali, as sepulturas ainda são organizadas e há um funcionário para auxiliar os visitantes que desejem se informar sobre antepassados que ali foram enterrados. Esses dois mundos reconhecidos por Chabot evidenciam, de certa forma, as duas percepções temporais expostas no capítulo 1 desta dissertação: a concepção do tempo de forma linear, que resultaria em uma história cumulativa, em oposição a uma concepção cíclica, na qual a repetição é mais valorizada do que a conservação. Porém, para Chabot a diferença entre os mundos é atribuída no romance à pobreza. E seria este elemento a influenciar na formação da memória. Tal ponto de vista é exposto, por exemplo, logo após o diálogo entre Jacques Cormery e sua mãe no qual ele não consegue quase nenhuma informação sobre seu pai, já que a mãe não é capaz de se recordar com precisão.

La mémoire des pauvres déjà est moins nourrie que celle des riches, elle a moins de repères dans l’espace puisqu’ils quittent rarement le lieu où ils vivent, moins de repères aussi dans le temps d’une vie uniforme et grise. Bien sûr, il y a la mémoire du coeur dont on dit qu’elle est la plus sûre, mais le coeur s’use à peine et au travail, il oublie plus vite sous le poids des fatigues. Le temps perdu ne se retrouve que chez les riches. Pour les pauvres, il marque seulement les traces vagues du chemin de la mort. (CAMUS, 1994, p. 79).85

A memória, sendo construída pelas narrativas dos outros e pelas lembranças evocadas nos lugares revisitados, é menos abundante em um ambiente no qual impera o silêncio e onde os lugares são menos conservados e visitados, como as sepulturas vistas por Jacques, no cemitério de Mondovi assim descrito:

D’un côté, les constructions neuves et hideuses de la dernière mode funéraire, enrichie à la foire aux puces et aux perles où vient se perdre la piété contemporaine. De l’autre, dans les vieux cyprès, parmi les allées couvertes d’aiguilles de pin et de pommes de cyprès, ou bien près des murs humides au pied desquels poussait l’oxalis et ses fleurs jaunes, de vieilles dalles presque confondues avec la terre étaient devenues illisibles. Des foules entières étaient venues ici depuis plus d’un siècle, avaient labouré, creusé des sillons, de plus en plus profonds en certains endroits, en certains autres de plus en plus tremblés jusqu’à ce qu’une terre légère les recouvre et la région retournait alors aux végétations sauvages, et ils avaient procrée puis

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“A memória dos pobres já é por natureza menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço, considerando que eles raramente saem do lugar onde vivem, e tem também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sem cor. É claro que existe a memória do coração, que dizem ser a mais segura, mas o coração se desgasta com as dificuldades e o trabalho, esquece mais depressa sob o peso do cansaço. Só os ricos podem reencontrar o tempo perdido. Para os pobres, o tempo marca apenas os vagos vestígios do caminho da morte”. (CAMUS, 1994, p.74-75)

disparu. Et ainsi de leurs fils. Et les fils et les petits-fils de ceux-ci s’étaient trouvés sur cette terre comme lui-même s’y était trouvé, sans passé, sans morale, sans leçon, sans religion [...]86 (CAMUS, 1994, p. 178).

Assim, considerando que a recordação é constitutivamente social, como defendeu Halbwachs, ou seja, que existe uma lógica de percepção do mundo nos grupos sociais e que esta determina aquilo de que o indivíduo vai se lembrar, é possível compreender como Jacques Cormery descobriu uma multidão. No entanto, poderíamos nos perguntar até que ponto tal tese não ignoraria a consciência do indivíduo. Quer dizer, onde estaria o indivíduo nesse quadro exposto por Halbwachs, ou, dizendo de outra forma, como considerar também a interioridade do sujeito? Essa pergunta nos é cara, pois em Le Premier homme, principalmente na segunda parte do manuscrito, há a decisão de voltar-se para si mesmo, para a identidade de um só homem; o que justifica as reflexões sobre a memória individual e a infância na seção anterior.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 73-96)

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