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Percepções do tempo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 39-48)

Seguindo a reflexão de Benjamin, identificamos que o teórico aponta a experiência da morte como central para a manutenção da narrativa oral. O indivíduo que se aproxima da morte atinge o ponto máximo da sabedoria de sua vida e transmite suas histórias deixando, portanto, um legado. A morte, em Le Premier homme, representa igualmente a origem de uma narrativa, na medida em que é diante do absurdo da morte do pai que Jacques buscará a sua história. No entanto, o narrador tradicional apresentado por Benjamin, que se encontra em seu leito de morte, é dono de sua narrativa, e quem o escuta tem uma postura passiva ao receber essa herança. Jacques, pelo contrário, diante da morte assume uma postura ativa, pois ao invés de encontrar uma herança narrativa, depara-se com a sua ausência. Diante do túmulo de seu pai ele descobre o caos, a falta de ordem, e não algum encadeamento narrativo que pudesse lhe oferecer sentido: “(...) quelque chose ici n’était pas dans l’ordre naturel et, à vrai dire, il n’y avait pas d’ordre mais seulement folie et chaos là où le fils était plus âgé que le père”. 29 (CAMUS, 1994, p.30). Por essa razão, Pierre-Louis Rey assinala a organização “caótica” da narrativa, isto é, constituída de idas e vindas:

A descoberta de Jacques Cormery de que seu pai era mais novo quando morreu do que ele mesmo hoje determina aparentemente a ordem caótica da narrativa: “Quando, próximo à sepultura de seu pai, ele sente o tempo se deslocar – essa nova

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“E a onda de ternura e pena que subitamente lhe encheu o coração não era o movimento da alma que leva o filho à lembrança do pai desaparecido, mas a compaixão perturbada que o homem feito sente diante da criança injustamente assassinada – alguma coisa ali não seguia a ordem natural, e na verdade não há ordem, mas somente loucura e caos quando o filho é mais velho que o pai”. (CAMUS, 1994, p.26).

ordem do tempo é a ordem do livro” (“Notas e planos’, Apêndices de O Primeiro homem)30.

Mas aqui vale ressaltar o caráter inacabado do romance, pois também a ordem cronológica é utilizada por Camus no manuscrito. O que acontece, principalmente, na vida infantil, na narrativa do nascimento e do percurso escolar. Portanto, ainda há, no romance, uma hesitação na organização temporal como nota igualmente Rey: “Essas hesitações se referem, em todo caso, ao plano do livro, à exposição dos acontecimentos; elas não são jamais uma tentativa de restituição da ordem real do surgimento das lembranças”31.

De qualquer forma, o choque temporal percebido pela personagem é a motivação para que Jacques retorne à Argélia a fim de restabelecer a ordem, de conhecer um passado que, até então, ignorava. Assim, mesmo que esteja de volta à terra natal, Jacques assume a figura do recém-chegado, do desbravador, daquela personagem que vinda de outro espaço, possibilita o estranhamento, a desconstrução e a reconstrução de outro significado. Tal figura acompanha a obra de Camus, encarnada notadamente na personagem do estrangeiro, capaz de olhar tudo de maneira nova e diversa. Segundo Ilari, em artigo publicado na revista Criação e Crítica, essa característica é própria da estética camusiana: “Olhar o mundo com os olhos de um recém-chegado, essa é a proposta estética camusiana”.32

Jacques sai da França e aporta em Argel, cidade onde passou a infância e juventude e onde sua mãe ainda vive. Parte de sua educação se realizou na metrópole, onde construiu a vida profissional. Assim, suas ideias já não se assemelham tanto às dos autóctones, visto que esteve imerso em ambiente culturalmente distinto e fortemente intelectualizado. Por essa razão, possui ideias e visões divergentes em relação às que encontrará em sua viagem, particularmente no que diz respeito à percepção do tempo. Diretamente ligada à organização da narrativa histórica, a consciência temporal é um ponto de dessemelhança entre o protagonista e os árabes e franco-argelinos com quem

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“La découverte par Jacques Cormery que son père était plus jeune quand il est mort que lui-même ne l’est aujourd’hui détermine apparement l’ordre chaotique du récit : ‘Quand, près de la tombe de son père, il sent le temps se disloquer – ce nouvel l’ordre du temps est celui du livre’ (‘Notes et plans’, Appendices du Premier Homme dans OE.C., t. IV, p. 943)”. (REY, 2009, p. 122).

31

“Ces hésitations concernent en tout cas le plan du livre, l’exposé des événements; elles ne sont jamais une tentative de restitution de l’ordre réel du surgissement des souvenirs”. (REY, 2009, p. 122).

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“Mirar el mundo con los ojos del recién llegado, esa es la propuesta estética [camusiana]” (ILARI, 2013, p. 96).

ele conversa. Sendo assim, observam-se no romance duas formas de perceber e construir o tempo e que estruturam a própria história na relação estabelecida entre passado e presente.

Apesar da origem argelina e de seu reconhecimento enquanto membro da comunidade de sua cidade natal, Jacques carrega costumes e maneiras de pensar franceses que o influenciaram em sua vida adulta. A mentalidade de um país que valoriza o passado faz com que a personagem chegue à Argélia sem ter previsto os possíveis obstáculos para acessar a história de seu pai. No episódio em que Jacques chega ao cemitério de Saint-Brieuc, por exemplo, dirige-se a um funcionário e pede um documento no qual poderia achar indícios sobre o seu pai: “Le voyageur demanda le carré des morts de la guerre de 1914” (CAMUS, 1994, p. 27)33. O funcionário o direciona ao local e o informa que a instituição francesa responsável pela memória do país cuida da manutenção dos documentos referentes aos soldados que lutaram na guerra pela França há quarenta anos, ou seja, trata-se de uma memória conservada pelo Estado.

Ils étaient arrivés devant un carré entouré de petites bornes de pierre grise réunies par une grosse chaîne peinte en noir. Les pierres, nombreuses, étaient toutes semblables, de simples rectangles gravés, placés à intervalles réguliers par rangées successives. Toutes étaient ornées d’un petit bouquet de fleurs fraîches. ‘C’est le Souvenir français qui se charge de l’entretien depuis quarante ans. Tenez, il est là’”.34 (CAMUS, 1994, p. 29).

Cormery encontra-se dentro de uma perspectiva em que o presente é indissociável do passado e possui estreita relação com o futuro. Sua compreensão temporal está associada à imagem da linha, do progresso, para a qual a história tende a ser cumulativa (Cf. LÉVI-STRAUSS, 1952). Ou seja, as técnicas e os conhecimentos adquiridos ao longo da linha do tempo crescem em direção ao futuro. Neste sentido, a história é organizada por categorias como anterior/posterior, características do pensamento moderno, no qual há uma tendência ao distanciamento entre o homem e a natureza e ao estabelecimento de uma relação sujeito/objeto para com ela, possibilitando a análise dos processos que acontecem no ambiente.

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“O viajante perguntou pela quadra os mortos da guerra de 1914”. (CAMUS, 1994).

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“Tinham chegado a uma quadra cercada de pequenos marcos de pedra cinzenta unidos por uma grossa corrente pintada de preto. As lápides, numerosas, eram todas semelhantes, simples retângulos gravados, colocados a intervalos regulares em fileiras sucessivas. Todas estavam enfeitadas com um pequeno buquê de flores frescas. “ ̶ A Souvenir francesa cuida da manutenção há quarenta anos. Veja, ele está ali”. (CAMUS, 1994, p. 25).

No capítulo 7 do romance, intitulado “Mondovi: La colonisation et le père”, Jacques encontra um francês e um árabe da região de Mondovi (atual Dréan), onde o protagonista nascera e para onde se dirige à procura de informações sobre Henri Cormery, seu pai. Diferentemente do que o leitor espera, o diálogo entre as três personagens não será enriquecedor para a pesquisa de Jacques, não acrescentando qualquer novidade sobre seu pai. Ao contrário, o encontro resultará no abandono da tentativa de coletar informações sobre o passado paterno. Jacques descobrirá mais sobre a sua pátria e sobre seu pai indiretamente, ao conhecer o povo que a constitui.

A busca da identidade do pai se revela decepcionante. Pobre e pouco falante, Henri Cormery não podia contar com sua esposa para perpetuar sua memória. Esta decepção é relativizada, contudo, à medida que Jacques busca menos os rastros da pessoa de Henri do que os das gerações que conheceram sofrimentos parecidos com os seus. A individualidade do pai se funde, sem prejuízos, entre os combatentes da guerra do Marrocos (1905) sobre a qual o Sr. Levesque dá testemunho, ou entre todos aqueles franceses da Argélia que conheceram a metrópole, em 1914, somente para ali serem mortos.35

No entanto, a conversa estabelecida entre eles introduz para Jacques Cormery uma nova compreensão do tempo, oposta à sua, e marcada pela ruptura e pelo recomeço. A fragilidade das questões políticas na região produz períodos: a terra pertence a determinada família até que venha a guerra, uma ordem de evacuação pelos superiores, uma disputa entre povos. Em seguida, é preciso que tudo se reinicie, posto que não restam herança, ruínas, resquícios. Dessa maneira, o presente e o futuro são valorizados em detrimento do passado, frequentemente apagado.

No trecho abaixo, o fazendeiro francês explica a saída de seus pais da fazenda devido aos conflitos ocasionados pelas lutas de resistência à colonização francesa, em defesa da independência. O prefeito pediu que evacuassem a região. Seu pai ficara irritado, pois perderia terras onde cultivava uva e decidiu mudar-se para Marselha. Ele, no entanto, continuara na terra da família:

− Et vous?

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“La quête de l’identité du père se révèle décevante. Pauvre et peu bavard, Henri Cormery ne pouvait pas compter sur son épouse pour perpétuer sa mémoire.Cette déception se relativise pourtant à mesure que Jacques cherche moins la trace de la personne d’Henri que des générations qui ont connu des souffrances pareilles aux siennes. L’individualité du père se fond sans dommages parmi les combattants de la guerre du Maroc (1905), dont M. Levesque porte témoignage, ou parmi tous ces Français d’Algérie qui n’ont découvert la métropole, en 1914, que pour s’y faire tuer”. (REY, 2009, p.127).

− Oh, moi, je reste, et jusqu’au bout. Quoi qu’il arrive, je resterai. J’ai envoyé ma famille à Alger et je crèverai ici. On ne comprend pas ça à Paris. À part nous, vous savez ceux qui sont seuls à pouvoir comprendre ?

− Les Arabes.

− Tout juste. On est fait pour s’entendre. Aussi bêtes et brutes que nous, mais le même sang d’homme. On va encore un peu se tuer, se couper les couilles et se torturer un brin. Et puis on recommencera à vivre entre hommes.36 (CAMUS, 1994 : 168).

Ironicamente, a decisão do francês em ficar na terra da família é entendida apenas pelos árabes, os únicos que seriam capazes de compreendê-lo. O uso da ironia, enriquecedor no texto ficcional mas excluído da narrativa histórica, surge nessa passagem aproximando dois povos que seriam a princípio considerados inimigos, seja pelo sofrimento, seja pelo trato da violência. Além disso, absolve qualquer um deles de culpa da guerra, já que a terra é a própria culpada do conflito.

Ainda que os pais tenham partido e a situação da região tenha sofrido uma modificação com a ordem do prefeito, a fala da personagem permite entrever que sempre fora assim, ou seja, a mudança garante a manutenção de um sistema e não sua ruptura. A justificativa de que é a terra que “quer que seja assim” pressupõe que essa seja a maneira pela qual os acontecimentos se apresentam. As alterações frequentes na vida das pessoas dessa comunidade não sinalizam a superação de modelos, mas o fim ou o início de um ciclo que um dia terminará. Tem-se, nesse caso, uma história estacionária, pois o que prevalece é a ideia de conservação. Evidentemente, tal caracterização é feita a partir do ponto de vista de Jacques, recém-chegado da França, onde o passado possui grande importância e a história é “mais cumulativa”37.

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“− E o senhor?

− Ah, eu? Eu fico, e até o fim. Aconteça o que acontecer, vou ficar. Mandei minha família para Argel e vou morrer aqui. Ninguém compreende isso em Paris. Além de nós mesmos sabem quem são os únicos que podem compreender?

− Os árabes.

− Isso. Fomos feitos para nos entendermos. Tão estúpidos e broncos como nós, mas o mesmo tipo de homens. Ainda vamos nos matar um pouco uns aos outros, cortar testículos, torturar mais um pouquinho. E depois recomeçaremos a viver como homens. É essa terra que quer que isso seja assim”. (CAMUS, 1994, p. 162).

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“Sobre a questão da classificação em história estacionária ou cumulativa, Claude Lévi-Strauss assinala a importância da relevância do ponto de vista de quem observa: “A historicidade ou, para ser mais exato, a riqueza em acontecimentos de uma cultura ou de um processo cultural, são função, não de suas propriedade intrínsecas, mas da situação em que nos encontramos em relação a elas, do número e da diversidade de nossos interesses, que nelas empenhamos” (LÉVI-STRAUSS, 1952, p. 345) / “[...] é preciso introduzir uma nova limitação, senão à validade, ao menos ao rigor da distinção entre história estacionária e história cumulativa. Não apenas esta distinção é relativa a nossos interesses, como já mostramos, mas ela nunca consegue ser clara. No caso das invenções técnicas, é bem certo que nenhum

Nesse sentido, poderíamos dizer que essa organização do tempo em ciclos diferencia-se da concepção linear de Jacques anteriormente apresentada. Ao contrário, aquela está associada a rupturas e é marcada pelo término e o recomeço de um ciclo. Assim, as referências são o fim ou o início de determinado período da história. A ausência de referências temporais, como as datas, para narrar um acontecimento ocorrido na região faz com que se recorra às marcações espaciais (a terra, a fazenda) e pessoais (os pais, os avós, o trabalhador árabe) para falar sobre um tempo passado. E, portanto, Jacques, acostumado à maneira de construir a história a partir de datas e grandes acontecimentos, terá dificuldade para conhecer e traçar a história paterna.

A maneira de perceber o tempo como algo cíclico e a narração da história baseada na oralidade remetem, no romance, à terra argelina. Elas estão relacionadas ao mundo mediterrâneo ao qual Camus se identifica e que influenciou sua obra através da cultura grega e da cultura mediterrânea, na admiração e contemplação da natureza, do corpo, dos sentidos e do mar. E que se contrapõe à visão moderna de história ligada ao território francês, na qual a ideia de processo histórico é relacionada à valorização da sequência temporal. Dessa forma, tal percepção não se aproxima da concepção da história como um repertório de exemplos ou a guardiã da tradição, que seriam característicos da oralidade, visto que esta opera na repetição e na transmissão, conservando aquilo que é um valor a ser preservado e permanecer no seio de uma comunidade. Ao sair da esfera mediterrânea, Jacques insere-se em uma cultura de aprovação do passado em detrimento do presente, onde o documento escrito é mais significativo do que a cultura oral. O seu retorno à terra natal sensibilizará a personagem para as diferenças entre tais concepções.

Jacques experimenta certa angústia com a presença onipotente do presente, do “imediato”, já que está em busca do passado. Ele, que se sentiu impelido por um “dever de memória” em honra do pai e daqueles que morreram injustamente, depara-se com a impossibilidade de conhecer, pois não há nomes nem registros. E, portanto, é preciso começar de novo, seguir o projeto do presente: Jacques é o “primeiro homem” e inicia

período, nenhuma cultura, é absolutamente estacionário. Todos os povos possuem e transformam, melhoram e esquecem técnicas suficientemente complexas para permitir-lhes dominar seu meio; sem o que já teriam desaparecido há muito tempo. Portanto, a diferença nunca é entre história cumulativa e história não-cumulativa; toda história é cumulativa com diferentes graus” (LÉVI-STRAUSS, p. 357).

um novo ciclo. Um início em que está sozinho, diante da dura história de seu tempo, e em que reconhece, enfim, que pertence mesmo à terra do esquecimento.

(...) il songeait aux tombes usées et verdies qu’il venait de quitter, acceptant avec une sorte d’étrange joie que la mort le ramène dans sa vraie patrie et recouvre à son tour de son immense oubli le souvenir de l’homme monstrueux et [banal] qui avait grandi, édifié sans aide et sans secours, dans la pauvreté, sur un rivage heureux et sous la lumière des premiers matins du monde, pour aborder ensuite, seul, sans mémoire et sans foi, le monde des hommes de son temps et son affreuse et exaltante histoire.38 (CAMUS, 1994, p. 182).

Assim termina a primeira parte do romance, com a constatação da positividade que a terra natal carrega, em sua pobreza e luz, e até mesmo em seu esquecimento, já que ele permite que as lembranças de um homem monstruoso sejam escondidas. Esse homem é o próprio Jacques que se culpa, de certa maneira, de falta de cuidado para a sua gente, já que fora embora para a metrópole.

No entanto, ao propor a ordem cíclica como benéfica e a pobreza como acolhedora, introduz-se uma ambiguidade na narrativa, resultado da condição intermediária de Jacques, entre dois mundos. Ao mesmo tempo em que a compreensão do tempo em ciclos permite a renovação, o recomeço, o que seria positivo se considerarmos um contexto de guerra e destruição, ela permite o esquecimento e o término, que são a causa do drama do romance, cujo centro pode ser identificado no anonimato e na falta de narrativa. A mesma lógica é válida para a pobreza39: do mesmo modo que é acolhedora e identificada como produtora de bons sentimentos e propósitos, também é motivo para incentivar a fuga e a manutenção da ignorância. Como aponta Maurice Weyembergh, em Albert Camus et la mémoire des origines, a pobreza traz valores positivos que a tornam quase atemporais, mas que ao mesmo tempo retiram os pobres do curso da história:

De modo geral, os pobres encarnam um modo de vida elementar, retirado da história, vivendo, na realidade, ao nível das sensações, em

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“E sonhava com os túmulos gastos e esverdeados que acabara de deixar, aceitando com uma espécie de estranha alegria que a morte pudesse vir um dia trazê-lo de volta à sua verdadeira pátria e encobrir mais uma vez com seu imenso esquecimento a lembrança do homem monstruoso e [banal] que crescera e construíra sem ajuda e sem apoio, na pobreza, num litoral venturoso e sob a luz das primeiras manhãs do mundo, para alcançar depois, sozinho, sem memória e sem fé, o mundo dos homens de seu tempo e sua terrível e grandiosa história”. (CAMUS, 1994, p. 176).

39

A ideia da pobreza como elemento positivo na construção de uma pessoa ou de uma obra é igualmente apreciada pelo escritor argelino contemporâneo Abdelkader Djemai, como demonstrou em palestra realizada no Rio de Janeiro, na Faculdade de Letras da UFRJ no dia 28 de abril de 2014: “Parfois la pauvreté est un luxe, elle n’est pas donnée à tout le monde”.

um quase silêncio, pleno de uma sabedoria, de uma alegria e de um sofrimento quase intemporais, posto que de todos os tempos.40

Finalmente, resta uma hesitação quanto aos valores atribuídos pela personagem à organização temporal e à situação social em que vive seu grupo. A ambiguidade sinaliza a complexidade da relação estabelecida entre os dois países e a posição da personagem, que encarna a visão do recém-chegado, do estrangeiro, e que, portanto, encontra-se no choque entre culturas.

As concepções de tempo linear e cíclico, que influenciaram diretamente a forma de conceber e organizar a relação presente-passado e a narrativa histórica estão presentes no romance e revelam a lógica de Camus frente a um problema de ordem política vivido no final de sua vida. Ele, que sempre esteve entre ambas as ordens temporais, reafirma sua posição intermediária ao escrever o manuscrito e expor, por um lado, essa dessemelhança na maneira de pensar entre as então metrópole e colônia, por outro, a vida sofrida de colonos europeus e de árabes que são os únicos a se compreender, pois se reconhecem reciprocamente, em certa medida, como fruto da mesma terra. O posicionamento do escritor entre um país e outro, no meio, no Mediterrâneo, permite a manutenção do olhar estrangeiro, aquele que guarda, simultaneamente, a distância e a curiosidade.

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Plus largement, les pauvres incarnent un mode de vie élémentaire, soustrait à l’histoire, vivant en somme au ras des sensations, dans un presque silence, lourd d’une sagesse, d’un bonheur et d’une

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 39-48)

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