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A posição de Camus: do debate francês ao silêncio argelino

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 30-39)

O confronto entre França e Argélia atingiu o escritor, que, nos anos 1950, já se encontrava em uma situação delicada no cenário intelectual francês. Na França, a independência argelina estava sendo muito discutida pelos intelectuais engajados, figura que aparece no período da Ocupação e goza então de prestígio no ambiente francês. É caracterizada por uma atuação e/ou posicionamento públicos ao nível estético, ideológico e, principalmente, político. Albert Camus e Jean-Paul Sartre eram reconhecidos não apenas como escritores de literatura, mas como homens públicos (ADAUTO, 2010) que atuavam também no campo filosófico e jornalístico. Ambos dirigiram revistas de altas tiragens, como a revista Combat, coordenada por Camus, que atuou na clandestinidade no período de ocupação da França pela Alemanha, e a publicação Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e que foi palco para a discussão entre os dois.

Em 1951, Camus publica o ensaio L’homme révolté, no qual denuncia regimes totalitaristas, inclusive as ditaduras de esquerda. O escritor, que tinha sido membro do Partido Comunista argelino entre os anos de 1935 e 1937 e também militado ativamente no teatro dos trabalhadores em Argel e durante a Segunda Guerra Mundial, assume uma posição contrária àquela defendida pelos representantes da esquerda da época. Seu

‘ premiers hommes’ dont il faut réinventer l’existence à partir d’une documentation, forcément sans visage (...)”. (OC, p. 1521).

ensaio foi lido a partir de um ponto de vista político mais do que estético e recebeu duras críticas da imprensa de esquerda. O ensaio funcionou como motivo para o início da querela entre o escritor e seu companheiro Sartre. Tal discussão, somada à recusa de Camus em tomar partido em qualquer um dos lados na guerra, o “colocou em quarentena”12 no cenário intelectual da época. A polêmica foi ainda reforçada pela frase

que teria sido proferida pelo escritor em 1957, quando questionado sobre a justiça da luta pela independência: “Je crois à la justice, mais je défendrai ma mère avant la justice”13(OC, IV, p. 288). A resposta misteriosa e descontextualizada foi entendida de

maneira egoísta e contra a causa dos que defendiam a independência, aumentando ainda mais as tensões em relação ao escritor franco-argelino.

Nesse mesmo ano, o FLN (Front de Libération Nationale) atacou Argel, e o exército francês acirrou sua resposta dando origem à “bataille d’Alger” (STORA, 1997, p. 48). Camus não tomou qualquer posição no conflito e não se pronunciou publicamente sobre a questão nos anos seguintes. Em 1959, ele se retira em Lourmarin, saindo da atmosfera tumultuada das discussões de Paris e de Argel. O silêncio é em parte justificado por sua repulsa à violência exposta em tantos de seus textos: no próprio ensaio L’homme révolté, em que critica governos totalitários, ou na mais famosa de suas obras, L’étranger, na célebre cena do assassinato do árabe por Mersault. Também em Le Premier homme, o tema não ficará esquecido: o menino Jacques experimenta toda a angústia e a tristeza da vitória conquistada com violência. No episódio, ele vence uma briga com o amigo Munoz e sente o peso de o ter ferido. Nesse evento, Camus expõe a moral que talvez o tivesse impedido de ser a favor de qualquer um dos lados em uma guerra:

Il voulait être content, il l’était quelque part dans sa vanité, et cependant, (...) une morne tristesse lui serra soudain le coeur (...). Et il connut ainsi que la guerre

12

“Camus meurt incompris de sa famille intellectuelle, qui l’a tenu en quarantaine, qui ne lui a pas pardonné son entêtement”. (WINOCK, 1997, p. 538).

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“Eu acredito na justiça, mas defenderei minha mãe antes da justiça [trad. Nossa]./ A frase aparece no seguinte contexto : Interrogé à Stockholm sur son attitude à l’endroit de l’Algérie, il répond : ‘Je me suis tu depuis un an et huit mois, ce qui signifie pas que j’aie cessé d’agir. J’ai été et suis toujours partisan d’une Algérie juste, où les deux populations doivent vivre en paix et dans l’égalité. J’ai dit et répété qu’il fallait faire justice au peuple algérien et lui accorder un régime pleinement démocratique, jusqu’à ce que la haine de part de d’autre soit devenue telle qu’il appartenait plus à un intellectuel d’intervenir, ses déclarations risquant d’aggraver la terreur. (...) J’ai toujours condamné la terreur. Je dois condamner aussi un terrorisme qui s’exerce aveuglément, dans les rues d’Alger par exemple, et qui un jour peut frapper ma mère ou ma famille. Je crois à la justice, mais je défendrai ma mère avant la justice”. (WINOCK, 1997, p. 537).

n’est pas bonne, puisque vaincre un homme est aussi amer que d’en être vaincu. 14 (CAMUS, 1994, p. 146).

O conflito provoca dor e nenhum lado sai vencedor. Essa moral nunca fora esquecida por Camus em seus posicionamentos como, por exemplo, sua posição contrária à pena de morte ou ao terrorismo. E em defesa dessa moral universal, que surge a preservação da vida, ele não aceita nenhum tipo de morte, mesmo que se deva a uma justa e legítima condenação. Assim, se ele argumenta em favor da justiça ao povo argelino (principalmente em seus artigos, reunidos em Actuelles III Chroniques Algériennes), ele também considera que “a morte do inocente”15 (encarnado na pessoa da mãe em sua declaração em 1957) não pode fazer justiça em nenhuma situação, ela é a própria injustiça. Nesse sentido, ele acusa tanto as violências cometidas pelo exército francês quanto as perpetradas pelo FLN, que chegou a receber ajuda de intelectuais franceses.

Tendo em vista o contexto no qual o escritor estava imerso durante a escrita do romance, a relação que seu projeto estabelece com a história se consolida no uso de seu texto como possível refutação ao conflito que então se acirrava. Sozinho em sua convicção sobre a situação na Argélia, Camus defendia um “régime de libre association”, fundado na reconciliação nacional e na proporcionalidade parlamentar (VIRCONDELET, 2010), que era, porém, irrealizável aos olhos dos intelectuais de esquerda e de gaullistes (que apoiavam Charles de Gaulle). Ele, ao contrário, opta por uma terceira via16, e faz da ficção sua forma de se posicionar. E essa escolha implica a volta à terra natal17, a pesquisa por documentos históricos conservados na Argélia e a rememoração de lembranças de sua infância e juventude.

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“Queria ficar contente, e realmente estava, num certo aspecto de sua vaidade, e no entanto (...) uma morna tristeza apertou-lhe de repente o coração (...). E soube assim que a guerra não é boa, já que vencer um homem é tão amargo quanto ser vencido”. (CAMUS, p. 139).

15

“Quelles que soient les origines anciennes et profondes de la tragédie algérienne, un fait demeure : aucune cause ne justifie la mort de l’innocent”. (Cahier de l’Herne, 2013, p. 346)

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Trecho do prefácio feito por Albert Camus em 1958 para Actuelles III Chroniques Algériennes: “Dans l’impossibilité de me joindre à aucun des camps extrêmes, devant la disparition progressive de ce troisième camp où l’on pouvait encore garder la tête froide (...) j’ai décidé de ne plus participer aux incessantes polémiques qui n’ont eu d’autre effet que de durcir en Algérie les intransigeances aux prises et de diviser un peu plus une France déjà empoisonnée par les haines et les sectes”. (Cahier de l’Herne, 2013, p. 351).

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Camus esteve na Argélia no ano de 1959: “Ce n’est qu’en 1959 qu’une série de séjours à Lourmarin, ainsi qu’un court voyage en Algérie où il se documentera sur son passé familial, lui [Camus] permettront de travailler avec continuité à son manuscrit”. (REY, 2008, p. 19).

Para justificar tal silêncio, era preciso que Camus retomasse a história dos antepassados, a relação complexa entre árabes, berberes e franceses, fossem estes fellaghas, a favor da nação argelina, ou partisans (em defesa de um governo aliado à França). Era preciso mostrar o passado de sua comunidade, talvez “ininteligível aos leitores da metrópole” (Cf. REY, 2008, p.121). Na terceira parte prevista pelo escritor para o romance, na qual concluiria sua obra, ele inclui a explicação por parte de seu protagonista de questões como a relação com os árabes e a civilização crioula, por exemplo. No entanto, esta parte não chegou a ser escrita: “Dans la dernière partie, Jacques explique à sa mère la question arabe, la civilisation créole, le destin de l’Occident. ‘Oui, dit-elle, oui’. Puis confession complète et fin”18 (CAMUS, 1994, p. 307). Nesse sentido, Le Premier Homme é parte de sua resposta franco-argelina diante da guerra.

A ficção é, nesse sentido, a realização de uma terceira via. Isso porque, apesar de ligada à realidade, como defende o próprio Camus, e mesmo sendo escrita a partir de pesquisa historiográfica, ela é o espaço para dizer aquilo que não pertence à lógica esperada, representada pela organização linear dos acontecimentos. Ela possibilita a abertura para a construção de outra ordem. Assim, a partir da arte propõe-se uma mudança, outro modo de olhar a experiência humana, como assinala Ilari (2013): “A arte, diz Camus, transfigura a regularidade linear, fortalece o que já havia sido enfraquecido”19. Além disso, permite que apareça o inesperado, que uma nova lógica seja possível para pensar os acontecimentos, lógica pela qual a nova história começou a se interessar. Ao contrário do que normalmente ocorre na realidade, na ficção, a pobreza e os inimigos podem ser benéficos, belos e poéticos.

As notas de Camus, anexadas ao final do romance, evidenciam a busca do escritor por documentos e textos sobre a história argelina e sua intenção de dar um destino ao povo pobre que vivia na região, incluindo sua família. Há inúmeras referências precisas sobre fatos da história, incluindo datas, cidades, funções militares, nomes próprios, quantidade de mortos, além de alusões a obras, “Histoire de la

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Esse trecho faz parte do plano da obra publicado em anexo junto ao romance: “Na última parte, Jacques explica a sua mãe a questão árabe, a civilização crioula, o destino do Ocidente. ‘Sim, diz ela, sim’. Depois confissão completa e fim”.

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“El arte, dice Camus, transfigura la regularidad lineal, tonifica lo que se há ido debilitando”. (ILARI, 2013, p. 96).

colonisation de l’Algerie”, de historiadores como Bandicorn, a que ele se refere em suas notas. No entanto, Camus escreve: “Les mairies d’Algérie n’ont pas d’archives la plupart du temps”20 (CAMUS, 1994, p.268), o que abre espaço para seu trabalho criativo. Suas anotações em páginas de caderno permitem que o leitor tenha uma ideia de como ele pretendia organizar seu romance. Elas mostram o plano da obra, indicando todas as partes temáticas que seriam ali incluídas: o nascimento da criança e o retorno do adulto à Argélia 40 anos depois, a pesquisa pelo pai e a descoberta do primeiro homem, a infância, a adolescência, a vida política, os amores, a mãe. Porém, mais do que isso, essas notas apontam para a razão desse projeto literário: “Arracher cette famille pauvre au destin des pauvres qui est de disparaître de l’histoire sans laisser des traces. Les Muets. Ils étaient et ils sont plus grands que moi”.21 (CAMUS, 1994, p. 293).

Assim, introduz-se uma motivação histórica no princípio do processo de escrita, e que parece completamente de acordo com o momento vivido pelo escritor em meio ao conflito França-Argélia, dilema para ele nada simples de solucionar. O romance, que aborda a história dos europeus chegados à Argélia a partir dos anos 1830, justifica o silêncio público do escritor diante da questão de independência argelina na medida em que torna complexa a relação existente entre os grupos que habitam o mesmo território, escapando do dualismo entre franceses opressores versus argelinos oprimidos. Camus teme o futuro de sua terra:

Camus acredita firmemente no renascimento de seu país, e adverte seus contemporâneos dos riscos trágicos que a independência acarretaria, tanto para os franceses, que logo seriam condenados a fugir, quanto para os árabes, que não poderiam governar um país mergulhado no caos das influências. 22

E, por isso, o escritor conta o passado repleto de miséria e sofrimento vivido por colonos europeus em terra argelina, como a sua própria família, e expõe, dessa maneira, a dificuldade de posicionar-se em defesa da nação argelina. A própria ideia de nação está suspensa no romance, já que diz respeito ao compartilhamento de uma identidade e

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“As prefeituras da Argélia não têm arquivos na maior parte das vezes”.

21

“Arrancar essa família pobre do destino dos pobres, que é desaparecer da história sem deixar traços. Os Mudos. Eles eram e são maiores do que eu”.

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“Camus croit fermement à la renaissance de son pays, et avertit ses contemporains des risques tragiques qu’entraînerait l’indépendance, tant pour les Français, qui seraient alors condamnés à fuir, que pour les Arabes, qui ne sauraient gouverner un pays plongé dans le chaos des influences”. (VIRCONDELET, 2010, p. 58).

a uma organização política, o que sempre fora penoso devido à diferença entre os povos e resultou em muitas guerras nessa terra – “Ele não pode aderir aos objetivos do FLN porque nunca houve, em sua opinião, nação argelina”.23 Camus prefere a palavra pátria, pois faz alusão a terra, ao espaço físico e geográfico habitado por uma coletividade, que é diversa, heterogênea e formada por pessoas vindas de muitos outros lugares. Le Premier homme se constrói no encontro de toda essa diferença – árabes, berberes, descendentes de europeus, judeus – em meio à qual cresceu um povo.

O silêncio que foi vivido por Camus em seus últimos anos de vida aparece como um dos temas que cruzam o romance, fazendo-se presente no passado e no presente da trama. Ele está frequentemente associado à pobreza, como uma consequência dela. A pobreza caracteriza a situação em que vivia a família de Jacques Cormery e a população de seu bairro na cidade de Argel. Sobre essa temática, Bertrand Visage, em entrevista concedida a Alain Finkielkraut, juntamente com Suzanne Julliard, e publicada na seleção de entrevistas Ce que peut la littérature, afirma ser o romance uma meditação sobre a miséria, na qual o escritor pinta a pobreza em todo o seu realismo e os valores que dela podem surgir: “trata-se de uma pobreza sobre a qual não temos mais ideia, vertiginosa e abissal, que torna os homens ferozes e, ao mesmo tempo, solidários e afetuosos; uma pobreza também imóvel, rebelde a todo progresso, fora da história”.24 Essa imobilidade e o fato de produzir valores positivos absolutos, como a solidariedade e o acolhimento, tornam essa pobreza universal e, de certa forma, difícil de ser inserida no processo histórico, mesmo que dele faça parte. E, tendo em vista a concepção histórica do progresso, ela está fora da história justamente porque não é entendida como passível de desenvolvimento, como um elemento que poderia impulsionar a história para frente. Jacques se defronta com ela e a entende como parte daquela terra, chegando mesmo a produzir bons frutos como os citados acima.

Mas não foi nesse romance que o vínculo com a pobreza apareceu pela primeira vez na obra de Albert Camus. O escritor explicita essa relação que com ela estabelece no prefácio, escrito em 1958, para L’Envers et L’Endroit, anos depois da publicação

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“Il ne peut pourtant adhérer aux objectifs du F.L.N parce qu’il n’y a jamais eu, à ses yeux, de nation algérienne”. (REY, 2008, p. 128).

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“il s’agit d’une pauvreté dont on n’a plus idée, vertigineuse et abyssale, qui rend les hommes féroces et à la fois solidaires et chaleureux; une pauvreté immobile aussi, rebelle à tout progrès, hors de l’histoire (...)”.(FINKIELKRAUT, 2006, p.50).

desse que fora seu primeiro livro. A pobreza e a realidade argelina estão presentes enquanto temáticas e cenário nas breves histórias que o compõem: “La pauvreté telle que je l’ai vécue ne m’a (...) pas enseigné le ressentiment, mais une certaine fidélité, au contraire, et la ténacité muette”.25 Esta fidelidade à sua pátria demonstrada pelo escritor é evidenciada pela presença da Argélia em tantas de suas obras.

Tal lealdade se reflete igualmente no projeto de escrita do romance Le Premier homme. É o que podemos ver na estima que demonstra por sua terra, o que aparece retratada em diversos aspectos como a existência imperiosa dessa “pauvreté chaleureuse”, a importância atribuída à personagem materna na narrativa, as referências aos eventos históricos e a situação social dos habitantes da Argélia, especialmente árabes e franceses. E apesar do contexto conflituoso, Camus não escreve uma narrativa de ressentimento ou de lamúrias, ao contrário, o romance é repleto de lirismo, como se pode ver no trecho a seguir:

Et lui [Cormery] qui avait voulu échapper au pays sans nom, à la foule et à une famille sans nom, mais en qui quelqu’un obstinément n’avait cessé de réclamer l’obscurité et l’anonymat, il faisait partie aussi de la tribu, marchant aveuglément dans la nuit (...) revoyant aussi avec une douceur et un chagrin qui lui tordaient le coeur le visage d’agonisante de sa mère lors de l’explosion, cheminant dans la nuit des années sur la terre de l’oubli où chacun était le premier homme26. (CAMUS, 1994, p.180).

A personagem se reconhece como parte de sua terra natal, mesmo que pareça dividida e admita que dela tenha tentado escapar. A mistura de sentimentos evidenciada pelas oposições “tribu”/ “anonymat” e “douceur”/ “chagrin” mostra que a pobreza, ao mesmo tempo triste e doce que Jacques vislumbra, conserva uma positividade. Pierre- Louis Rey, em ensaio sobre esse romance, assinala tal aspecto da obra em oposição a outro texto camusiano, L’Envers et l’Endroit: “Enquanto Le premier homme se refere às mesmas realidades pessoais e sociais que L’Envers et l’endroit, nele não se revela nenhum traço de amargura ou de pessimismo”.27 A ausência de pessimismo se dá à medida que a narrativa retira do anonimato a tribo de Cormery, incluindo informações

25

“A pobreza tal como eu a vivi não me ensinou o ressentimento, mas uma certa fidelidade, ao contrário, e a tenacidade muda” (AUDI, 2013, p. 32)

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“E ele [Cormery] que quisera escapar do país sem nome, da multidão e da família sem nome, mas em quem algo nunca havia deixado de reivindicar obstinadamente a obscuridade e o anonimato, ele também fazia parte da tribo, caminhando cegamente na noite (...) revendo também com uma doçura e um pesar que lhe partiam o coração o rosto agonizante de sua mãe no dia da explosão, caminhando na noite dos anos nessa terra de esquecimento onde cada um era o primeiro homem”. (CAMUS, 1994).

27

“Alors que Le Premier Homme se réfère aux mêmes réalités personnelles et sociales que L’Envers et

sobre o povoamento da Argélia recém-conquistada pelo exército francês entre os anos de 1830 e 1847. Dessa forma, impede que seu grupo seja esquecido, e tenta, assim, superar o anonimato atribuindo-lhes uma história. Por isso, não é pessimista, já que a narrativa busca precisamente dar um rosto à comunidade de Cormery. Comunidade esta que era plural, formada por franceses provenientes da Alsácia-Lorena, anexada pela Alemanha, e por espanhóis e italianos da costa mediterrânea.

Dessa forma, o romance se constitui também como uma homenagem endereçada aos seus, à medida que retoma a memória da comunidade construindo sua história. O retorno de Jacques Cormery às terras da Argélia demonstra seu desejo de busca pelo passado paterno, de encontro com a história de seu povo, mas também sinaliza o remorso de um homem dividido, que cresceu naquelas terras e foi para a metrópole, sem quase nunca retornar. A conversa com a mãe, no capítulo 5, realça a distância mantida pela personagem ao longo do tempo que esteve fora: “Mon fils, disait-elle [a mãe], tu étais loin” (CAMUS, 1994, p. 58). Jacques volta com a intenção de recuperar o passado e talvez um tempo perdido, impulsionado pelo choque sofrido no cemitério de Saint- Brieuc ao descobrir que Henri Cormery, morto na guerra, não chegara a completar a sua idade atual. Esse acontecimento produz em Jacques um sentimento de injustiça e de remorso que serve como legitimação, no projeto da obra, para a pretensão de Camus de criar uma personagem monstruosa. A caracterização está explicitada nos anexos da publicação do romance – “Je vais raconter l’histoire d’un monstre” (CAMUS, 1994, p. 300). Um monstro que não se aproxima de seus ascendentes em sua monstruosidade:

Je veux écrire ici l’histoire d’un couple lié par un même sang et toutes les différences. Elle semblable à ce que la terre porte de meilleur, et lui tranquillement monstrueux. Lui jeté dans toutes les folies de notre histoire ; elle traversant la même histoire comme si elle était celle de tous les temps. Elle

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 30-39)

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