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A desmaterialização do corpo As próteses eletromecânicas, a engenharia

CULTURA BAIANA E CULTO AO CORPO

04. A desmaterialização do corpo As próteses eletromecânicas, a engenharia

genética, produzindo suas matrizes, e a informática suscitam o dilema da necessidade de se manter uma estrutura física ao apontarem prováveis condições de existência além da matéria.

Vai chegar o dia em que a gente não mais vai precisar produzir o corpo, não mais vai ser preciso um suporte físico para as próteses porque elas também vão ser imateriais. Talvez possa vir a ser algo parecido com o cara do filme “O Passageiro do Futuro”, que abandona o corpo e entra totalmente no computador. Torna-se uma imagem, possui um corpo que não é mais um corpo, no sentido material (Gleciara).

Se a tendência é o corpo-técnico interagir-se cada vez mais com as redes comunicacionais, isso significa, enfatizam alguns entrevistados, que a informática hoje tem mais a ver com a vida das pessoas do que propriamente com os computadores.

Quando a gente pensa em informática lembra logo dos computadores. Mas não é só isso. A informática não visa apenas criar máquinas. Porque sozinhas elas são burras. A verdadeira inteligência das máquinas está na sua capacidade de comunicação. Por isso elas precisam interagir-se entre si e com o homem. Criar computadores é o ponto de partida para que ela crie homens-máquinas totais. Nesse sentido, não é a medicina nem a biologia que constróem o corpo. É a informática. O que quero dizer com isso? O médico faz o implante, o transplante, a plástica. Mas é a maquininha da informática que decide o corpo que está sendo trabalhado (Graciliano).

05.

Corpo multimídia. O híbrido homem-máquina tende a valorizar não o corpo físico, mas a sua imagem destinada à comunicação eletrônica. E aqui muitas questões são colocadas pelos entrevistados: as experiências de construção do corpo-sintético, os processos da vida e do corpo digitais, em circulação pelo ciberespaço, e o homem como uma imagem de síntese.

Eu entendo que a produção do homem eletrônico é um modo de abrir espaço para que ele possa interagir-se totalmente com as máquinas. Se com a manipulação genética se pode obter uma matriz de informações e reduzir o homem apenas a isso, então esse homem-informação pode circular pelas máquinas de comunicação, com acesso direto, sem passar pelo corpo, que se torna um entulho. Entendo tudo isso. Não estaríamos aqui diante de uma nova civilização? Eu acho que essa, da qual eu e você fazemos parte, ainda nos prende. Talvez até por instinto de preservação. Mas você acha que a gente tem pique pra aguentar uma existência desprovida de um corpo físico? (Marizete).

A desmaterialização é vista como a condição para se atingir o ideal de perfeição do telecorpo.

Daqui a pouco a gente nem pode mais falar em corpo. Nada mais vai restar dele. A gente vai concluir que ele é uma ilusão. Tanta produção para desfazer, acabar com a sua tridimensionalidade. As pessoas que andam trabalhando com a realidade virtual não querem desenvolver a tridimensão nas imagens? Talvez a gente venha a possuir um corpo-imagem com recursos técnicos de materializá-lo de vez em quando. Essa é uma outra idealização de produção do corpo. E eu estou me lembrando do filme “O Passageiro do Futuro”. Acho que tem muita coisa verdadeira nesse filme (Francelina).

Nesse outro modelo corporal o que pode predominar não é o teor do corpo, sua estrutura e forma tradicionais -- cada vez mais simbólicas e imateriais --, mas a sua capacidade interativa.

Um estoque de informações e de mensagens como substâncias informáticas. Vamos supor que venha a ser isso o corpo. Aí, meu amigo, temos um corpo- em-rede e o mundo todo vai ser a Internet (Francelina).

O corpo-rede, prótese digitalizada e, consequentemente, imaterial, se resume à própria circulação sideral do homem. É com ele que a reprodutibilidade vai ao infinito e, sem perda de qualidade, transparece em telas. Alguns acreditam que é assim, livre do espaço e além do tempo, que se conquistará a eternidade secularmente sonhada. Sem apelos e promessas religiosas, mas de modo puramente tecnológico.

O homem não incorpora a máquina para ser máquina. É para agir através da máquina, conectado nela. É assim que ele se supera e supera as coisas do mundo. Entrando nas máquinas e vivendo por elas, o homem nada mais é que

um aglomerado de informações. A eternidade está garantida. É do balacobaco pensar nisso. É um desafio e tanto. É irresistível (Graciliano).

Alguns supõem que o híbrido homem-máquina tende a tornar-se, assim, pura interface.

Acho que vamos sair dessa fase de tecnologias e máquinas pesadas e grandes. A nova fase é de máquinas quase invisíveis, leves, muito leves. Será que essa concepção tecnológica, uma gigantesca rede de próteses muito fininhas, não vai ser responsável pela criação de novos objetos e pessoas? Quando eu fico pensando que pode ser assim, acho que essa será uma outra etapa de construção do corpo, sem mais limites algum... A gente vai poder fazer o diabo que bem quiser com o corpo da gente (Francelina)

06.

Na sua mutação contínua o corpo tende a viver, com a informática, o momento mais inusitado do seu niilismo.

A gente não anda dizendo que vive um momento de liquidação total. A liquidação dos valores, das religiões, da política, da história, da cultura? Pois vive também a liquidação do corpo. Seja porque ele pode ser esquartejado para atender as necessidades dos bancos de órgãos e membros, para os transplantes, ou porque a sua forma começa a perder o sentido tradicional nesse universo de imagens (Gleciara).

Quando alguns imaginam que o corpo tecnológico está no limite da sua própria ausência admitem que essa possibilidade é incômoda.

O homem demonstra entender um pouco do corpo quando se trata da aparência. Mas dentro tudo para ele é mistério. Com a manipulação genética, a clonagem, esse novo corpo e essas coisas que parecem quase possíveis vão além da imagem, da aparência, do entendimento. Mesmo que alguém nos diga que é verdade, parece além da ficção. Pode até ser verdade. Mas uma verdade tão imperceptível que não é mais verdade nem nada. A gente sabe que o homem foi à lua. Mas esse saber está tão longe do entendimento que parece um saber verdadeiro e falso, ao mesmo tempo. Olhe, eu tô me enrolando toda. Mas acho que com o corpo algo semelhante à viagem à lua está se dando. Tudo é verdadeiro. A gente sabe dessa verdade, mas não acredita muito nela. É uma verdade demais, demais da conta, que nem faz mais sentido (Marizete).

O telecorpo aponta para a homeostase encontrada num modelo de vida que só pode se desenvolver nos circuitos integrados. A performatividade do corpo não é mais física, é imagética.

Percebo que a maioria das pessoas está enlouquecidamente seduzida pelas formas de contatos através das máquinas. Meus sobrinhos são loucos por computadores, jogos eletrônicos, Internet. Muitas coisas fascinam o homem na Internet. Mas uma delas é que ele não precisa mais do corpo nem da identidade. A pessoa cria uma personagem, constrói uma descrição de corpo ideal e parte para conquistar outras pessoas e o mundo. Isso deve ser bárbaro! Bacana demais! Se sou insatisfeita com alguma coisa no meu corpo nem preciso mais retocá-lo. A retocagem está na descrição que faço dele, na imagem que posso criar com a minha descrição. Daí essa imagem de meu corpo entra em circulação. E pode me trazer inúmeras conquistas e alegrias. Por trás disso ainda está o meu corpo insignificante, infelizmente. Mas isso não importa, não mais interessa a ninguém, nem a mim mesma. Acabou (Marizete).

Mais que nunca a potência física significa velocidade. Velocidade de circulação, acesso, distribuição, informações, mensagens. Um corpo-rede eletrobiomagnético capaz de interagir-se com pessoas, máquinas, instituições e demais burocracias. No mundo eletrônico, no qual o acesso às redes é dado através de máquinas que tendem a se confundir com o próprio corpo, é ele que se converte em senha e possibilita todos os acessos no ciberespaço.

Não é de hoje que o homem vem desenvolvendo meios para viajar sem sair do lugar. Viaja através de relatos de histórias, viaja pelo cinema. Agora, tão dizendo que o computador vai criar uma imagem da gente e que essa imagem vai conhecer muitos outros mundos que a gente não conhece. Não sei se tudo isso vai ser mesmo verdade. O homem inventa muita coisa que não dá certo. Mas também inventa umas coisas que dão certinho. Por enquanto, acho que seria bem interessante poder passar de um mundo para outro (Sandoval).

07.

Poucos compartilham a idéia do declínio total da estrutura física. Há quem prefira imaginar o indivíduo convivendo com um corpo material -- aperfeiçoado e revitalizado pelas próteses --, ao mesmo tempo que, noutra dimensão, pode ser um corpo- sintético em mundos virtuais. Com livre acesso e trânsito entre esses universos.

O homem vem construindo o seu corpo com toda essa tecnologia que a gente já falou e se esbarra no mundo das imagens computadorizadas. Acho que um dia vai ser possível criar um certo tipo de corpo através do computador. Uma imagem que seja viva de verdade. Não sei explicar direito. Vai ser, assim, como uma outra dimensão de vida. Seria bom poder experimentar esse modo de vida. Poder passar desse nosso modo para um outro, através do computador. Então, eu acho que o corpo não se acaba. Ele permanece, só que com outros recursos que ampliam a sua existência. E os dois modos podem muito bem ser reais. Cada um na sua dimensão, cada um do seu jeito. Mas vai existir uma comunicação entre os dois, como no filme “O Passageiro do Futuro” (Gleciara).

E completa,

Bom, eu tô falando isso e retratando a tendência que a gente tem de ficar agarrada nessa concepção de mundo. Com todos os seus problemas ela é a nossa vida real e nos dá, por incrível que pareça, alguma segurança. Agora, parece que o mundo virtual é uma ilusão. Mas podemos supor que em breve ele seja tão real e sedutor que alguém não queira mais saber desse universo aqui. Então vai inverter a coisa. O de lá vai ser tão real que este aqui pode se tornar uma mentira. E as pessoas virtuais vão usar os seus computadores para fazer um passeio exótico por aqui, do mesmo modo como já se pode usar sensores e capacetes virtuais para fazer uns passeios por lá. Talvez, quem sabe, um dia, essas duas dimensões venham mesmo a se fundir e ser uma só (Gleciara). Alguns entrevistados enfatizam que o importante não é discutir o fim do corpo, mas entender as novas formas, em elaboração, de corporalidade e existência humana.

Não acho que o corpo vai se acabar por causa de umas novas técnicas que aperfeiçoam os meios de comunicação. Acho que teremos mais recursos. Só isso. Recursos para viajar pelo mundo digital que serão acrescentados aos recursos naturais das minhas pernas que me permitem andar pela cidade. Pra muitas coisas será mais prazeroso dar umas pernadas por aí, pra muitas outras será mais prático e prazeroso o indivíduo se converter em imagem e viajar no ciberespaço. O importante é o prazer de fazer uma ou outra coisa. O corpo pode muito bem continuar como fonte de prazer. Talvez até mais intenso e verdadeiro (Marilene).

08.

A mixagem com a máquina parece uma tentativa de mergulhar no seu

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