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A desumanização do homem e corrupção da consciência moral: A vontade de poder,

CAPÍTULO 1: A DIMENSÃO MORAL DO SER HUMANO E A EDUCAÇÃO

1.6 A desumanização do homem e corrupção da consciência moral: A vontade de poder,

Admitindo-se, como o fazem Tomás, Aristóteles e a tradição filosófica clássica, as perspectivas do agere e do facere, como subdivisões do operar humano, e as três dimensões atribuídas à pessoa: making, doing e knowing, chega-se naturalmente à conclusão de que o homem, pelo processo educativo, deve necessariamente cultivar os seus talentos naturais a fim de permitir, com a maior extensão possível, sejam alcançados valores essenciais como o da verdade, o da bondade e o da beleza. A busca de tais valores deverá levá-lo a ser melhor trabalhador, melhor cidadão e mais apto à identificação das soluções mais adequadas às questões materiais e morais que lhe afetam como homem e afligem à sociedade como um todo. São eles essenciais para o refinamento e amadurecimento de sua consciência moral. O homem, assim, deve ser educado para melhor, no sentido de permitir-lhe mais plenamente cumprir suas tarefas vitais, considerando-o um ser, acima de tudo, moral; capaz de valorar o acerto ou o erro de suas atitudes segundo os fins que pretende e deve alcançar.

Educar é sempre educar para melhor. Aristóteles também destacava o fato de que o homem ignorante é um escravo da própria natureza. Daí que qualquer método de transmissão de conhecimento que não objetive um aprimoramento efetivo do ser humano, o seu melhoramento, incentiva-o à destruição: à negação de sua própria

existência consciente, livre e responsável. Um processo deformativo da consciência, uma “educação negativa”, não representa educar, nem mesmo na mais pobre conceituação do termo. Alfred North Whitehead, ao tratar do tema Os Fins da

Educação, alerta acerca dos malefícios de um processo educativo sem que os objetivos

estejam claramente destinados a uma melhoria efetiva do homem, pela ausência da apresentação de idéias ricas para o seu desenvolvimento intelectual76:

Ao prepararmos uma criança para a atividade do pensamento, devemos, antes de tudo, precaver-nos contra o que chamarei de “idéias inertes”, isto é, idéias que são simplesmente

76 WHITEHEAD, Alfred North. Os Fins da Educação. Tradução Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo: Companhia Editora Nacional e Universidade de São Paulo, 1969. p. 13.

recebidas pela mente sem que sejam utilizadas ou testadas ou mergulhadas com novas combinações.

O fenômeno mais chocante na história da educação é que as escolas de pensamento, que em uma época ressumbram uma fermentação de gênio, numa geração seguinte exibem meramente o pedantismo e a rotina. A razão é estarem elas sobrecarregadas de idéias inertes. A educação com idéias inertes não é somente inútil; é, acima de tudo, nociva – Corruptio optimi, pessima. [...]

Passando para o lado cientifico e lógico da educação, lembremo-nos de que neles também as idéias não utilizadas são, de fato, danosas. Por utilização de uma idéia quero dizer relacioná-la à fonte que alimenta nossa vida e que se compõe de percepção dos sentidos, sentimentos, esperanças, desejos e atividades mentais que ajustam os pensamentos entre si. Poder-se-ia (talvez...) imaginar uma classe de seres que poderia fortalecer suas almas analisando passivamente idéias desconexas. Mas, a humanidade não está construída dessa maneira...

A educação, nessa ótica, além de propiciar elementos formativos e informativos que permitam ao indivíduo desenvolver-se em sua totalidade, deverá despertar-lhe o sentido da responsabilidade individual, que é absolutamente vinculada à atuação humana permeada pela valoração moral. Caso contrário, num cenário de ignorância de valores essenciais ao homem – que deveriam ter sido obtidos à luz de conhecimentos que permitissem a sua adequada identificação e assimilação –, dar-se-ia nascimento a uma geração de ignorantes do ponto de vista ético, moralmente deformada; notadamente pela falta de uma formação cultural e literária adequada, pelo não desenvolvimento do aparato racional e pela ausência de reflexão acerca dos fundamentos básicos da ética a propiciarem um julgamento valorativo e criterioso das questões mais essenciais, atinentes ao certo e errado, à verdade e mentira, ao bem e mal etc. É o que salienta Mortimer Adler, analisando alguns aspectos do sistema educacional norte-americano no século passado, no capítulo de sua obra Reforming Education – The

B.C. and Twentieth Century A.D.”, em que procura demonstrar os extremos para os quais a negação de validade objetiva do julgamento moral pode levar77:

Em 1986, no centenário do Yeshiva College na cidade de Nova York, seu presidente, Norman Lamm, proferiu um discurso que depois foi publicado no The New York Times. Ele disse que “até

cerca de cinqüenta anos atrás, era comumente aceito que a universidade era responsável por fornecer a seus alunos orientação moral”. Desde então o ceticismo moral, a visão segundo a qual julgamentos de valor, julgamentos sobre o que é bom e mau não podem ter validade objetiva, reina em nossas faculdades.

Isso não começou na década de 60, como poderíamos supor ao ler o livro de Allan Bloom, “The Closing of the American Mind”.

Em 1940 escrevi um artigo para a Harper’s Magazine, chamado

“Esta Geração Pré-Guerra”, que descrevia as entranhas do ceticismo moral da época na Universidade de Chicago, a universidade de Bloom.”Tamanho agnosticismo de valores nas empreitadas acadêmicas”, continuou o presidente Lamm, “é auto-destrutivo...Um sistema educacional que é amoral em nome da ‘objetividade científica’, devora assim sua própria juventude... Permitindo que uma geração de estudantes cresça como analfabetos éticos e idiotas morais, despreparados para lidar com experiências ordinárias da vida cotidiana, em uma declaração de falência educacional”.

“Idiotas morais” soa forte, mas expressa a repugnância evocada pelos que negam validade objetiva a todos os julgamentos morais. Ao fazê-lo, compartilham da visão manifestada pelo sofista Trasímaco na República de Platão, de que o poder tem razão [might is right] – de que aqueles que tem o poder de tiranizar outros, não

podem ser racionalmente condenados como injustos ou como violadores de direitos humanos. Aqueles que são oprimidos por tal

77 ADLER, Mortimer J. Reforming Education: The Opening of the American Mind. Nova York: First Colliers Books Edition, 1990. p. 263 et seq.

tirania podem não gostar, mas não podem, em sã consciência, argumentar que está errado. 78

Em contudente discurso na posse de magistrados federais, Newton de Lucca, Desembargador Federal e Professor de Direito do Largo de São Francisco, assim se referiu ao homem light, que bem se aproxima do conceito de idiotas morais lançado por Lamm já antes da Segunda Guerra79:

Interessa, para a sociedade de consumo contemporânea, o homem light, de que nos fala Rojas, de filosofia hedonista, calcado na

cultura do descartável e do supérfluo.

Permito-me relembrar uma rápida passagem do perfil psicológico desse homem light:

“Trata-se de um homem relativamente bem-informado, mas de escassa formação humanista, muito voltado ao pragmatismo, por um lado, e a vários assuntos, por outro. Tudo lhe interessa, mas de forma superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que percebe e, como conseqüência, se converte numa pessoa trivial, superficial, frívola, que aceita tudo, mas que carece de critérios sólidos em sua conduta. Tudo nele se torna etéreo, leve, volátil, banal, permissivo”.

78 Adler (1990, p. 263 et seq.) continua: “Antes que os leitores suponham que estou conjeturando sobre um monstro amoral, permitam que eu cite algumas declarações do Juiz Robert Bork, que, quando escrevi este texto, era o indicado do Presidente Reagan para uma vaga na Suprema Corte. Bork foi citado com tendo dito que ‘nenhum sistema de valores éticos ou morais’ tem ‘validade objetiva ou intrínseca por si só’. Ele escreveu que ‘todo confronto entre uma maioria e uma minoria lutando pelo poder de controlar envolve uma escolha entre gratificações’; e que ‘não há um modo de decidir, com princípios, que as gratificações de um homem merecem mais respeito que as de outro’. A gratificação da maioria deve prevalecer porque o poder tem razão [might is right]. Onde o Juiz Bork aprendeu a pensar e falar assim? Na Universidade de Chicago, na década de 40. De quem ele aprendeu isso? De seus professores nas ciências sociais que pensam e falam nesse sentido, e também do Professor Carnap e outros positivista- lógicos no departamento de filosofia que consideram a ética uma disciplina não-cognitiva, voltada apenas para o que sentimentos, desejos, ou impulsos expressam em discussões sobre o bem e o mal, o certo e o errado. Todos os julgamentos sobre estes assuntos são inteiramente subjetivos, relativos ao indivíduo e às circunstâncias do momento e do lugar.”

“[...] homem sem vínculos, descomprometido, no qual a

indiferença estética une-se à desvinculação de quase tudo que o cerca. Um ser humano rebaixado à categoria de objeto, repleto de consumo e bem-estar, cujo fim é despertar admiração ou inveja.” (Enrique Rojas - O Homem Moderno — A luta contra o vazio, Editora Mandarim, p.16).

Diante de quadro tão desolador, não é à toa que o escritor uruguaio Eduardo Galeano tenha escrito em seu livro Patas Arriba 

La Escuela del Mundo al reves o seguinte trecho que ousei reproduzir

como um dos marcadores de leitura de nossa Revista:

“Talvez o símbolo mais expressivo da época seja a bomba de

neutrons, que respeita as coisas e carboniza os seres vivos. Triste sorte da condição humana, tempo das panelas sem conteúdo e das palavras sem sentido. A ciência e a técnica, que foram postas a serviço do mercado e da guerra, põem-nos a seu serviço: somos instrumentos de nossos instrumentos. Os aprendizes de feiticeiros desencadearam forças que já não podem conhecer, nem contê-las. O mundo, labirinto sem centro, está se rompendo e rompendo o seu próprio céu. Os meios e os fins foram divorciados, ao largo do século, pelo mesmo sistema de poder que divorcia a mão humana do fruto de seu trabalho, obriga ao perpétuo desencontro da palavra e do ato, esvazia a realidade de sua memória e faz de cada pessoa competidora e inimiga das demais.

Assim, indubitável que uma educação amoral ou aética não eleva o ser humano, mas encurta sua capacidade de entendimento e apreensão da realidade, reduzindo sua satisfação ao meramente superficial e trivial, tornando-lhe, em poucas palavras: um homem frívolo, banal e permissivo. A tendência natural da busca dos valores de verdade, bondade e beleza80 são sufocados perante teorias e práticas que

80 No capítulo “Transcendentais” de seu Tomás de Aquino em sentenças (São Paulo: DLO-FFLCHUSP, 1995), Lauand demonstra a profunda coincidência in re entre verdade, bondade e beleza: são transcendentais do ente (e esclarece como essa coincidência se faz presente também na intuição criadora da linguagem comum de todas as línguas): “Ao tratar dos transcendentais, interessa-nos um particular aspecto dessa limitação do conhecimento humano. Um aspecto que Tomás aponta como uma das diferenças entre o pensar/falar humano e o divino: se a palavra (Verbo) de Deus expressa perfeita e plenamente o conhecimento divino; a nossa palavra expressa só fragmentária e setorialmente (divisim) o

negam, pelas palavras ou ações, a existência objetiva de tais valores. Víctor García Hoz, na obra Educar: Uma Difícil Tarefa, sublinha os malefícios de tal prática, notadamente ao avaliar a questão da verdade e da mentira81:

Para vermos a gravidade do problema da formação da verdade, basta olharmos ao nosso redor para comprovarmos que o mundo atual está carcomido pela mentira. Por um lado, as mentiras coletivas, de que são bom exemplo as abundantes ocasiões em que as nações usam as palavras justiça, paz, liberdade, para com elas encobrir suas ambições, nem sempre justificáveis.

Por outro lado, as mentiras individuais, que vão desde as mentiras egoístas com que pretendemos nos livrar de responsabilidades ou servir nossos interesses e desejos, até as mentiras piedosas que, começando por encobrir ou ajudar aparentemente alguém, terminam em muitas ocasiões por serem atos de crueldade, ficando entre ambos os extremos as mentiras impulsivas, precipitadas, vaidosas ou a serviço de nossa preguiça.

O mais triste de tal situação é que o homem sente uma tendência e um desejo natural pela verdade, a mentira é algo sobreposto, antinatural, nascido de um contato social que fornece motivos para faltarmos à verdade. [...]

O esquema geral de toda mentira, suscetível de manifestações indefinitivamente variadas, insere-se no medo: o mentiroso teme a reação que pode provocar no outro o conhecimento da realidade e

nosso conhecimento. Assim, a linguagem não só reflete a limitação do conhecimento humano (não podemos expressar o que as coisas são, na medida em que não sabemos completamente o que elas são), como também, freqüentemente, expressa fragmentariamente aquilo que sabemos sobre as coisas [...]. Apliquemos essas considerações aos transcendentais do ente. Ente, em latim ens-entis, é o particípio presente do verbo ser, esse. Ente é aquele que exerce o ato de ser. Ente é, pois, esta árvore, aquela pedra, este cachorro. Os seis transcendentais do ente são, por assim dizer, seis sinônimos do ente: cada um apontando para um determinado aspecto diferente da mesma e única realidade. São eles: verum, bonum, pulchrum, res, aliquid, unum; verdadeiro, bom, belo, coisa, quê e um. O que se afirma com os transcendentais é que tudo que é, é bom; tudo que é, é verdadeiro; etc. A identidade (na coisa) entre ente, verdadeiro, bom, etc. é uma das afirmações mais fundamentais da filosofia de S. Tomás: o ente, enquanto diz respeito à inteligência, diz-se verdadeiro; com relação à vontade, bom; etc. [...] Assim, verdadeiro (e o mesmo vale para o bom) é algo próprio do ente, no sentido profundo de que o ente enquanto tal supõe

busca uma reação que supõe mais vantajosa. É próprio da mentira induzir os outros ao erro, ocorrendo a circunstância desconcertante de que se apóia no erro do próprio mentiroso: a suposição de que a mentira pode levar a uma reação mais adequada.

O mentiroso não se dá conta de que, se tal reação, na aparência, serve a seus interesses, na realidade dissolve a sociedade, porque corta os vínculos de comunicação e escraviza a própria personalidade, porque a encerra no âmbito do medo. A mentira é terrível porque condena o homem a viver na clandestinidade; o afã do mentiroso é ocultar a realidade do conhecimento dos outros e isto significa o mesmo que criar um fosso e um teto que impeçam a luz de chegar ao que existe na realidade. A clandestinidade do mentiroso é obscura e penosa como a clandestinidade material dos conspiradores; na realidade, a mentira pode ser considerada como uma insurreição contra a sociedade, uma vez que impede a reação social adequada à realidade de coisas e ações, e provoca uma reação baseada no erro.

O ambiente mais adequado à formação do ser humano voltado à verdade é, sem dúvida, a escola, ao lado, evidentemente, da família. Mas é na escola em que o conhecimento permanece depositado e, assim, disponível ao aluno, a fim de que, pela

imaginação humana ele cresça em sabedoria e verdade82. É, destarte, fundamental que

82 Whitehead (1969, p. 105 et seq.), discutindo especialmente acerca da responsabilidade da universidade, destaca a função da imaginação no processo educativo: “A função apropriada da universidade é a aquisição imaginativa de conhecimentos. Além da importância da imaginação, não há razão para que os homens de negócios ou outros profissionais não devam adquirir seus conhecimentos paulatinamente à medida que os desejarem para ocasiões especiais. Ou a universidade é imaginativa ou não é nada – pelo menos nada de útil. A imaginação é uma doença contagiosa. Não pode ser medida nem pesada e depois entregue aos alunos pelos membros da faculdade. Ela só precisa ser transmitida por uma faculdade cujos membros usam seus conhecimentos com imaginação. Ao dizer isso, estou repetindo uma das observações mais antigas; há mais de dois mil anos os antigos simbolizavam o ensino por meio de uma tocha que passava de mão em mão através das gerações. Essa tocha acesa é a imaginação sobre a qual estou falando. Toda a arte na organização de uma universidade está em proporcionar uma faculdade cujo ensino seja iluminado pela imaginação. Esse é o problema dos problemas na educação universitária; e precisamos cuidar para que as universidades, em sua recente e vasta expansão em número de estudantes e em variedade de atividades – de que tão justamente nos orgulhamos – não falhem na produção dos resultados certos, tratando erradamente do problema. A combinação de imaginação e ensino requer normalmente algum lazer, isenção de restrições e de preocupações embaraçosas, alguma variedade de experiência, estímulo de outros espíritos de opinião e bagagem intelectual diferentes. Também é preciso o excitamento da curiosidade e da autoconfiança derivada do orgulho pelas conquistas da sociedade na procura do progresso dos conhecimentos. A imaginação não pode ser adquirida de uma vez por todas e depois permanecer conservada indefinitivamente numa geladeira para ser exibida periodicamente em quantidades estabelecidas. A vida culta e imaginativa é uma maneira de viver e não um artigo comercial”. (Grifos nossos).

o ensino esteja, em todos os níveis, voltado ao aprimoramento intelectual do ser humano, enriquecendo os seus talentos inatos e ainda não desenvolvidos, e sempre orientado à busca do conhecimento não apenas técnico e cientifico, mas igualmente moral.

Nesse quadro, uma referência importante – embora não tematicamente objeto da presente tese – é o pensamento de Pieper exposto no seu ensaio “O que é o

Amor”83. O pensador germânico, segundo os ditames dos valores da bondade e da beleza, acrescenta sua magnífica análise acerca do amor, no sentido de que, “amar, em

qualquer caso, denota aprovação. Amar sempre significa afirmar: ‘Que bom, que

maravilha que você está no mundo’”84.

A perda do sentido do amor85 – em sua mais ampla dimensão –, que é o aspecto mais essencial da coexistência humana, leva a que no outro não se veja um “tu”, mas um “quê”; não uma pessoa, mas uma coisa, um mero objeto sem qualquer densidade existencial86. Assim, a perda do sentido da bondade, da beleza e da verdade

83 Pieper (apud LAUAND, 1994, p. 46 a 60).

84 Ibid., p. 46. Ao adentrar na questão do esquecimento do homem do profundo sentido dos valores mais essenciais para uma existência feliz, Pieper sublinha que uma das conseqüências mais deletérias no campo do relacionamento humano, foi a banalização da sexualidade, embora não imprescindível à completa realização do ser humano, é sem dúvida a forma mais íntima, e das mais ricas, do relacionamento de um casal que se ama. É nesse cenário que se coloca, de forma mais substancial, a atitude interior que leva a alegrar-se pela existência do outro (no voltar-se para o outro e ser levado, por um irresistível movimento interior, a exclamar: “Que bom que você exista!”), no qual o amor humano se projeta como uma “reprodução do ato criador divino, a força pela qual todo o existente no mundo não só existe, mas também é, ao mesmo tempo, algo bom, isto é, algo digno de ser amado.” (p. 58).

85 E acrescenta Pieper (1994, p. 56 e 57): “Esta é propriamente a tragédia da sexualização selvagem, fomentada pela manipulação comercial e publicitária que hoje condiciona cada vez mais a tendência da opinião pública atual: de considerar o outro – que em si é um alguém íntimo, com um semblante próprio e característico – um mero parceiro sexual, que nem mesmo chega a ser expressamente considerado. Certo psicanalista americano definiu o que ocorre aqui de uma forma seguramente oportuna e contundente. Diz ele que, na visão do playboy, a folha de figueira só foi deslocada para outro lugar; ela agora cobre o rosto humano. Com o mesmo incisivo acerto vem-se apontando ainda o caráter enganoso do mero encontro sexual: a ‘união dos corpos’ permanece necessariamente uma ilusão; na verdade, as pessoas tornam-se depois dela dois estranhos muito mais distantes um do outro do que antes. E assim o paradoxo torna-se compreensível: uma sexualidade isolada do todo da existência separa os sexos muito mais do que os une, deixando-os sozinhos precisamente no domínio em que supunham mais seguro encontrar-se. O resultado, como afirma Paul Ricoeur, o resultado – certamente não esperado pela geração de Sigmund Freud, que defendia a queda dos ‘tabus’ sexuais – é a perda do valor pela facilidade, a queda livre do relacionamento assim trivializado até a absoluta futilidade. O que à primeira vista poderia parecer uma extraordinária liberdade, revela sua vizinhança fatal e inevitável com o completo desespero [...].”.

torna ineficaz, limitado, sempre aquém, todo o processo educativo. É por meio da

dialética educativa que, precipuamente, deve-se levar a efeito o choque de instintos mais primários do aluno com a posse mais ampla de valores existenciais87 e que devem ser irradiados os valores humanos mais relevantes, tal como propugnado por López Quintás88.

Uma proposta de educação voltada para a totalidade do real em que se