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A inteligência do concreto e a razão prática: a prudência é virtude da ação

CAPÍTULO 1: A DIMENSÃO MORAL DO SER HUMANO E A EDUCAÇÃO

2.2 A inteligência do concreto e a razão prática: a prudência é virtude da ação

meramente especulativa, teórica, abstrata, burocrática e afastada do real. É, ao contrário, voltada à razão prática, que leva a que se decida no hic et nunc, pois permite olhar “para o ‘tabuleiro’ de nossas decisões concretas, do ‘aqui e agora’, e sabe discernir o

‘lance’ certo, moralmente bom”141 e, portanto, situa-se no centro da vida moral, como

recta ratio agibilium, no dizer de Hugh McDonald142:

Prudência é a mais importante das quatro virtudes cardeais. A parte mais importante da prudência é o conhecimento. A mais sintética definição de prudência é recta ratio agibilium – razão certa

sobre coisas a serem agidas. Prudência não é conhecimento teórico, como a sabedoria filosófica, mas conhecimento prático. Prudência não se preocupa apenas com verdades universais e imutáveis, mas também com as singulares, únicas e variáveis coisas da vida diária.

Apresenta, assim, duas faces que se completam: uma voltada para a

realidade objetiva e outra para a realização do bem143. Como sublinha Lauand: “esse

ver a realidade é somente uma parte da prudentia; a outra parte, ainda mais decisiva

(literalmente), é transformar a realidade vista em decisão de ação, em comando: de nada adianta saber o que é bom se não há decisão de realizar este bem”144. A

prudentia, ademais, diz sempre respeito aos meios e aos caminhos em direção ao bem145, nas palavras de Pieper146:

A função da virtude da prudência não é descobrir as finalidades, ou antes, a finalidade da vida, e determinar a orientação fundamental do ser humano. É antes a de encontrar meios e os caminhos adequados

141 (LAUAND, 2003, p. 317).

142 McDONALD, Hugh. The Four Cardinal Virtues. Disponível em: <http://www.hyoomik.com /ethics/cardinalvirtues.html>. Acesso em 3 jun 2007.

143 (PIEPER, 1960, p. 23). 144

àqueles fins e a adequada realização, aqui e agora daquela orientação fundamental.

Como elucida o filósofo alemão: “De resto, pressupõe-se que esta

‘habilidade’ [da prudência] está ao serviço do finis totius vitae [STh, II-II, 51, 1], do

autêntico e imutável fim da vida humana, e que estes sempre novos caminhos da verdade estão em harmonia com a verdade das coisas”147. As virtudes do prudente, sob o aspecto intelectual, dirigem a pessoa “para o que ‘já’ é realidade no passado e no

presente, para coisas e para fatos que ‘são o que são’ e que no seu caráter positivo trazem o selo de uma certa necessidade”148. No momento da ação, porém, “quando

soluciona, quando se decide, o homem prudente dirige-se para o que ‘ainda não se encontra realizado’, precisamente para o que há de realizar-se”149. E a submissão ao “ser” da realidade é própria da virtude intelectual, como ensina Antonio Gómez Robledo150, no sentido de que: “Na ordem do conhecimento dependemos totalmente do

objeto e devemos entregar-nos sem reservas a ele; não é porventura esta atitude de valor singular na educação humana? Do objeto para nós, pelo contrário, não há senão uma relação de razão.” Por isso, Couto-Soares acentua151, diante da variedade infinita de situações na vida prática, “tudo é contingente, não determinado nem necessário”, assim, “para encontrar neste mundo de contingências a resposta mais adequada a cada

nova conjuntura faz falta uma certa genialidade, um golpe de mestre ou artista”, e conclui: “a virtude é essa habilidade genial para dar a solução boa, uma resposta

sempre nova a uma situação nova”152.

A consideração de que a prudência é “virtude da razão prática” também deriva do pensamento aristotélico, que a vê destinada a reger a ação perante o contingente, mediante uma disposição pessoal prática aplicada ao agir voltado a

147 (PIEPER, 1960, p. 27).

148 Ibid. 149 Ibid., p. 28.

150 ROBLEDO, Antonio Gómez. Ensayo sobre las Virtudes Intelectuales. México D.F.: Fondo de Cultura Económica. 1986. p. 94.

151 (COUTO-SOARES, 2003, p. 5) 152 Ibid.

identificar o que é bom e mau para o homem. É o que destaca Pierre Aubenque, na obra

La Prudence Chez Aristote153, analisando a natureza da prudentia:

A prudência é definida como uma “disposição prática acompanhada de uma regra verdadeira concernente ao que é bom e mau para o homem”. Como seqüência a um método familiar a Aristóteles, esta definição é apresentada como resultado de um procedimentoao mesmo tempo indutivo e regressivo. Partimos do uso comum, constatando que chamamos phronimos ao homem capaz de

fazer deliberações; notamos que apenas deliberamos sobre o contingente, uma vez que a ciência se encarrega do necessário: portanto, a prudência não é uma ciência. Será então a prudência uma arte? Não, pois a prudência visa a ação [...], e a arte visa a produção.

A prudência não é, portanto, uma arte. Se a prudência não é nem uma ciência e nem uma arte, resta que ela seja uma “disposição” (o que a

distingue da ciência) “prática” (o que a distingue da arte). Mas pode

ser também que ela seja uma virtude. Para distingui-la das outras virtudes morais, é preciso adicionar uma outra diferença específica: sendo a virtude moral uma disposição (prática) que concerne à escolha, a prudência é uma disposição prática concernente à “regra”

da escolha; não se trata aqui da retidão da ação, mas da correção do critério; isto porque a prudência é uma disposição prática “acompanhada de uma regra verdadeira”. Mas esta definição é ainda

muito abrangente, porque pode se aplicar a não importa qual virtude intelectual: nós distinguimos portanto a prudência desta outra virtude intelectual que é a sabedoria, indicando que o domínio da primeira não é o Bem e o Mal em geral, ou o Bem e o Mal absolutos, mas o bem e o mal para o homem.

Desse modo, na perquirição desta regra verdadeira do bem e do mal

para o homem – na dicção de Pierre Aubenque –, a prudência como virtude se manifesta em conhecer a realidade eticamente relevante em cada circunstância concreta – à luz dos fins últimos da vida humana – e em voluntariamente adotar os meios e

meio da ação correspondente; ou seja, que se volta ao operabilium aristotélico, nas palavras de Lauand154:

Não por acaso, um sinônimo antigo de prudentia é discretio,

discernimento: o homem prudente é o que sabe decidir e agir com discernimento. E é precisamente disto que se trata: do agir. Ao contrário da contemplativa sapientia, a prudentia – como já definira

Aristóteles – volta-se para o operabilium e não para a pura

contemplação da verdade.

A prudência é, assim, a virtude da decisão certa para a ação concreta!

154 (LAUAND, 1997, p. 84).