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A dimensão familiar e social nos arquivos pessoais

CAPÍTULO 1 – EM TORNO DA DEFINIÇÃO DE ARQUIVO PESSOAL

1.2. A dimensão familiar e social nos arquivos pessoais

A partir das definições de arquivo de alguns léxicos arquivísticos, os arquivos pessoais podem ser considerados, como correspondendo ao conjunto de documentos de uma “pessoa singular”. O próprio conceito de fundo, transposto para os arquivos pessoais, regra geral, tende a subentender uma ligação unívoca a um produtor, o que conduz com frequência a que alguns arquivos, considerados como “pessoais”, sejam intitulados pelos repositórios que os preservam apenas pelo nome de determinado indivíduo. Contudo, vários arquivos pessoais preservados em instituições de memória testemunham processos sociais mais amplos de produção e acumulação de informação, sob a influência de diversos intervenientes, incluindo em contexto familiar.

As operações mais do âmbito do foro técnico da prática arquivística, designadamente no que se refere ao tratamento descritivo dos arquivos pessoais, tendem a focar-se num indivíduo em concreto, muitas vezes evitando-se compreender, contextualizar e clarificar a presença de outros produtores. Mesmo quando num mesmo arquivo, intitulado de pessoal, se incluem conjuntos documentais discerníveis e identificáveis que foram produzidos e reunidos por outros indivíduos, a sua identificação e transposição para a respetiva descrição arquivística pode acabar subvalorizada em níveis inferiores de estruturas classificativas ou de organização da informação, como os subfundos ou as secções.

Numa demonstração deste problema, não é necessário ir muito mais longe que a própria ISAD(G), que providencia um exemplo paradigmático correspondente à descrição arquivística de um fundo que é considerado como sendo de “pessoa singular” – o fundo intitulado “Papiers Bazaine” (ISAD(G), 2002, 81-84) – que, na realidade, deveria ser melhor considerado como de família. Se bem que o título seja genérico o suficiente para se referir à família Bazaine, em virtude da utilização do respetivo nome de família, o facto é que, na descrição geral proposta

ao nível do fundo, no elemento descritivo destinado pela norma à indicação do respetivo produtor, apenas é mencionado um dos membros desta família, Dominique Bazaine, aparentemente o mais antigo numa perspetiva geracional, mas não necessariamente o mais relevante no que se refere ao conteúdo do fundo, pois os restantes dados descritivos

fornecidos dão principalmente destaque ao seu filho, o marechal Achille Bazaine.84

Na descrição do fundo não são fornecidos dados relativos à história biográfica do produtor indicado, mas indica-se claramente, no elemento descritivo referente à história custodial e arquivística, que se tratam de “papéis de família”. Aqui se refere ainda que foram reunidos por um outro membro da família, depois classificados preliminarmente e acrescentados por um terceiro elemento, sendo ainda especificamente relacionados com um quarto indivíduo – nenhum deles correspondendo ao produtor indicado para o fundo. Na descrição do âmbito e conteúdo, por outro lado, verifica-se que existe documentação de ainda mais elementos da família. Não se compreende, pois, a razão pela qual se entende este fundo como sendo de “pessoa singular”, quando é manifesta a presença de tão variada quantidade de indivíduos, todos eles de alguma forma produtores de informação.

Frequentemente, um fundo de arquivo é entendido como tendo um produtor claramente

identificável, o indivíduo ou entidade coletiva que o criou, ou seja, quem produziu, acumulou e selecionou os materiais que compõem o fundo, e que normalmente é identificado no próprio título que lhe é atribuído. Embora se reconheça a existência de diversos documentos, no seu seio, cuja autoria pertence a várias pessoas diferentes (não sendo o conceito de autor equivalente ao de produtor), como é o caso, por exemplo, da correspondência recebida pelo titular (produtor) de um arquivo, o arquivista adota e representa, para a comunidade de utilizadores dos arquivos, uma perspetiva singular, focada no indivíduo/entidade identificada com o fundo (Hurley, 1995b, 236; 2005b, 70).

Confirme se viu no ponto anterior, as definições propostas de arquivo pessoal nos mais diversos léxicos arquivísticos são imprecisas ou eximem-se a definir e interpretar o “pessoal”. A maior parte dos conceitos em uso pela arquivística apresenta-se excessivamente influenciada por paradigmas patrimonialistas, baseados em teorias focadas na abordagem e posse física de

84 O fundo inclui os designados “arquivos” do Marechal Achilles Bazaine, o elemento da família que

parece ser a figura mais relevante em termos de protagonismo histórico. Porém, esta documentação, assim designada por arquivos (no plural!), encontra-se descrita apenas sumariamente numa proposta de descrição ao nível de subfundo, onde se providencia a respetiva nota biográfica, e uma lista dos títulos das séries em que se estruturam os seus documentos no elemento descritivo relativo ao âmbito e conteúdo do respetivo subfundo. A influência de outros elementos da família na organização destes documentos está ausente, não sendo feita qualquer menção no elemento relativo à história custodial e arquivística deste subfundo, embora se lhe faça uma referência na descrição correspondente ao nível superior do “fundo” (ISAD(G), 2002, 81-84). Evita-se a repetição de informação, em diferentes níveis, conforme recomendado na norma, mas a proposta descritiva apresentada acaba por não conseguir clarificar devidamente os distintos contextos de produção e acumulação da informação referente aos vários indivíduos da família, incluindo o papel decisivo que alguns tiveram na organização da documentação de outros.

documentos, a partir dos quais se procura aplicar, por vezes com dificuldades, termos como fundo ou coleção, e princípios como o do respeito dos fundos ou o de uma suposta ordem hierarquizada dos documentos, que vários autores têm apontado como sendo conceptualmente redutores.

Conceitos estanques de arquivo ou de fundo, em cujas definições cabem referências a pessoas “singulares”, remetem para uma franja de indefinição várias situações em que a informação assume um carácter social e coletivo, designadamente familiar. Uma tipificação simplista de um determinado arquivo como “pessoal” ou de “família”, bem como as correlativas práticas arquivísticas de organização e descrição, em resposta a desideratos pragmáticos de representação da informação, podem, na realidade, obscurecer atos de produção múltipla que nem sempre serão estritamente “singulares”, nem representararão apenas uma “família”, entendida esta como resultado de um contrato social ou de laços de consanguinidade.

Sob influência de um pensamento pós-modernista, alguns autores têm inclusivamente questionado a noção de “criador” do arquivo, no sentido de o estabelecer como equivalente a um determinado produtor. Debra Barr, por exemplo, em finais da década de 1980, alertou o grupo canadiano que estudava a normalização descritiva, de que o foco não podia ser posto apenas na produção, mas também na continuada acumulação e uso (Barr, 1987-1988, 168). A mesma autora salientou o excessivo pensamento de hierarquização da informação, argumentando que uma série podia pertencer a mais do que um fundo, devido a circunstâncias relacionadas com o uso ou posse (Barr, 1989, 141).

Geoffrey Yeo questionou a utilização de conceitos em antinomia, como o de fundo e de coleção, e também se focou nas presunções sobre o que é “orgânico”, “funcional” e “natural” em contraposição ao que é “intencional”, “memorial” ou “artificial” (Yeo, 2010; 2012). Neste contexto, quando se abordam arquivos designados por pessoais, uma associação acrítica entre “pessoal” e “individual”, concebendo os documentos como estando vinculados a uma única entidade delimitável no espaço e no tempo, e materializável de um ponto de vista físico, coíbe a análise de situações de arquivos que não são meramente o reflexo das atividades de uma só pessoa “singular”, em razão das suas atividades “naturais” e da resposta a necessidades “funcionais”, mas antes o resultado da intervenção de diversos produtores de informação, simultaneamente ou em momentos distintos, por vezes com intenções marcadamente memoriais, não destituídas de propósitos e objeto de ações conscientes, nas quais se produz, utiliza, partilha e se atribui valor à informação, que importa considerar.

A procura de respostas para o entendimento do que consiste, afinal, o “pessoal”, não pode deixar de ter em conta as fronteiras que delimitam o indivíduo, enquanto entidade singular, cujo tempo de vida, do nascimento à morte, é naturalmente linear e finito. Porém, entre esses extremos, o ser humano vive em permanente relação com outros, e ocupa diferentes espaços físicos e sociais, em simultaneidade ou não. No processo de criação, transmissão,

acumulação, utilização e eliminação de informação, o ser humano atua através do estabelecimento de uma multiplicidade de relações, formais e informais, declaradas ou reservadas, conscientes ou aparentemente irracionais. Esta é uma das razões pela qual arquivistas, e outros estudiosos que se debruçam sobre o universo dos arquivos pessoais, têm apontado dificuldades na sua definição e representação, chamando a atenção para as ténues fronteiras entre, por exemplo, a esfera da atuação pública, a privada e a da intimidade, ou para a permeabilidade da vida profissional com a familiar, ou a do foro individual com o domínio social.

Muitos arquivos tipificados como pessoais possuem, na realidade, documentos de familiares, e, por seu turno, arquivos familiares podem ter tido origem a partir de uma pessoa, sendo depois ampliados pelos sucessores ou terceiros. Além disso, os arquivos de família podem conter quase exclusivamente informação relativa à gestão e transmissão de bens, com pouca ou nenhuma presença de aspetos relacionados com o percurso de vida de cada um dos seus membros, como também podem incluir arquivos de um ou de vários indivíduos, estruturados

em distintos contextos histórico-sociais e em resposta a diferentes

funcionalidades/necessidades individuais.

A evolução do conceito de família, e a afirmação da independência individual nas sociedades contemporâneas, têm sido objeto de estudo no domínio da Sociologia, da Demografia, bem como da História. Porém, no que respeita à Arquivística escasseiam ainda estudos e análises, mesmo a partir de estudos de caso, que permitam compreender o impacto das alterações sociais na própria constituição e evolução dos arquivos no que respeita a formas de produzir, acumular e utilizar informação no âmbito da vida familiar e pessoal. As definições e as delimitações entre um arquivo pessoal e um arquivo familiar não são, portanto, simples, nem lineares.

Relativamente aos arquivos de família, a arquivista belga Ernnestine Lejour definiu-os, na década de 1950, como estando cristalizados em dois polos: pessoas e bens. Na sua organização e definição, seguindo a aplicação do princípio da proveniência, esta autora entendeu que se devia preferir, em primeiro plano, a linha primogénita, às seguintes ou mais novas. Seguindo uma ordem genealógica, propôs a sua classificação em função de cada uma das famílias aliadas até ao fim das suas ramificações, deixando para o fim os casos de famílias sem relação de parentesco visível (devido a situações de venda, herança e outros meios). A autora operou, deste modo, uma conceção mista dos arquivos familiares, incluindo neles os pessoais (Silva, A. M., 2000a, 60-61).

Sob a influência de Aguinagalde Olaizola (1991) e da ideia da possibilidade de existência de diferentes classes de fundos de arquivo, desde os claramente delimitados aos que apresentam contornos flexíveis, Pedro Abreu Peixoto chamou a atenção de que qualquer definição de

arquivo de família terá de passar pelo estudo da conceção de família e das realidades administrativas de cada país, ao longo do tempo (Peixoto, 2002, 81).

Peixoto e outros autores da obra Arquivos de Família – Organização e descrição, ao caracterizarem os arquivos de família, ensaiaram uma proposta para diferenciar estes dos arquivos pessoais, entendendo que enquanto nos primeiros se podem integrar documentos individuais, num arquivo estritamente pessoal não existem documentos para além dos

necessários para o normal desempenho das atividades de cada pessoa (Gonçalves et al.,

1996, 9).

De acordo com estes autores, para se classificar um arquivo pessoal como tal, este tem que conter apenas documentos relativos à atividade profissional e pessoal de determinado

indivíduo. Nesta perspetiva, apenas os arquivos “de função”, em sentido restrito, podem ser

considerados como arquivos pessoais. Já o arquivo de família “tem que ser entendido como espaço multifuncional, em que por um lado funciona a lógica da gestão dos assuntos correntes da família e por outro os interesses pessoais de cada um dos indivíduos que a constitui (…). Podemos considerar que o Arquivo de Família vai dar lugar a vários arquivos pessoais, e não já a um conjunto documental que tem um carácter generalizante a toda a família” (Gonçalves et

al., 1996, 24-25).

A propósito igualmente da permeabilidade entre o universo familiar e o individual, a partir da atuação de famílias e indivíduos no domínio profissional, Creighton Barrett (2013) analisou o caso específico da análise de um conjunto de empresas canadianas que correspondiam a negócios familiares, tendo questionado as dificuldades que se colocam ao arquivista, quer na identificação de um fundo, ou de fundos, como sendo pessoais, familiares ou mesmo relativos a entidades empresariais, perante situações em que se afigura difícil discernir e separar as entidades produtoras, ou em que a proveniência se apresenta como múltipla.

Perante situações em que os arquivos apresentam vários produtores de informação, com atividades distintas, desenvolvidas em contextos especificamente individuais e não coincidentes no espaço e no tempo entre si, Barret indagou-se se manter os materiais juntos não será uma violação do próprio princípio do respeito dos fundos? Por outro lado, separar os documentos em diversos fundos poderia implicar subtraí-los a um contexto que se estende além da criação e acumulação, num tempo de vida determinado, e que se relaciona com a própria história dos arquivos. A solução geralmente adotada pelas instituições de memória parece ser designar genericamente fundo a alguns arquivos que, de facto, são o resultado de agregações sucessivas ao longo do tempo, por diversas pessoas, cujos percursos individuais se tornam assim obscurecidos (Barrett, 2013, 83).

As opções tomadas para a sua representação arquivística determinam, segundo este autor, consequências sobre as quais importa refletir: por um lado, uma tentativa de separação de uma determinada realidade arquivística em vários fundos, comporta o risco de não se conseguir

identificar claramente, em determinados casos, onde agregar certa documentação, com as consequências inerentes à perda dos contextos da sua criação e uso; por outro lado, a manutenção física de documentos, sujeita depois a uma separação intelectual, pode ter consequências semelhantes na apreensão dos contextos individuais; finalmente, manter tudo sob a designação de um único fundo, sob um título atribuído, fruto de uma qualquer escolha tomada num repositório, comporta o risco de fazer perder de vista o papel ou a preponderância de diversos indivíduos, ou de diferentes famílias que derradeiramente estão na origem de determinado corpo documental (Barrett, 2013, 83).

A existência de “arquivos dentro de arquivos” surge com frequência quando se trata de distinguir entre arquivo familiar e arquivo pessoal. Elizabeth Wells (2012), analisando a forma de tratamento arquivístico de documentos familiares, destacou a tensão entre a definição do que se entende por proveniência e a utilização do conceito de fundo, associado a uma determinada entidade com correspondência física (singular ou coletiva). A autora estudou em particular o caso de alguns repositórios do Reino Unido que seguiam uma política de aquisição de arquivos em função de determinadas temáticas, relacionadas com a sua missão institucional, refletida nas opções descritivas seguidas, com a finalidade de valorização do

conjunto do seu acervo documental.85

Embora sem entrar na distinção entre arquivo familiar e arquivo pessoal, a autora procurou identificar as diferentes opções de organização e descrição tomadas pelos arquivistas, para os arquivos contendo documentos produzidos ou reunidos por dois ou mais indivíduos, tendo concluído que, na generalidade dos casos estudados, muitos repositórios utilizavam o sistema de fundo familiar, debaixo de um título referenciado com o nome de família, para descrever documentos criados e usados por diferentes indivíduos, mesmo que separadamente.

Em algumas instituições, como na Wellcome Library, os documentos dos vários membros de uma família que constituía um fundo eram organizados em subfundos. No Tate Archive a autora detetou um caso de um arquivo correspondente a dois indivíduos que foram parceiros na vida pessoal e profissional, cuja organização seguiu uma lógica de fusão de documentos em certas áreas temáticas, acompanhada ainda da criação de séries individuais (Wells, 2012, 169). No Churchill Archives Centre, o fundo designado por Oliver Lyttelton, foi recebido em duas ocasiões, sendo que a segunda ocorreu quando já se encontrava catalogada a primeira aquisição, contendo apenas as biografias de Oliver, esposa e filho, dando origem depois a um problema de enquadramento de documentos de outros membros da família (Wells, 2012, 170).

85 A autora analisou especificamente os casos do Churchill Archive Centre (em Cambridge), do Liddell Hart Centre for Military Archives, do Tate Archive, da Wellcome Library e da The Women's Library (todos

Elizabeth Wells identificou também uma diversidade de outras situações: fundos que receberam apenas o nome de uma pessoa, embora incluíssem documentos de outros familiares, igualmente merecedores de relevo; intervenções arquivísticas que conduziram à separação de conjuntos documentais por fundos distintos; e a incorporação nos repositórios de documentos de indivíduos com relações familiares, mas que foram mantidos como fundos separados, em vez de tratados como um arquivo de família. O tratamento distinto usualmente fundamentava-se em argumentos como terem conteúdos “pouco relacionáveis” com as questões familiares, a existência de “valores distintos” no âmbito das próprias políticas de constituição do acervo de cada instituição, e “benefícios” para a valorização dos fundos, supostamente alcançáveis por uma catalogação independente, mesmo que se complementassem (Wells, 2012, 169-172).

A autora chamou ainda a atenção para as consequências das opções tomadas no estabelecimento de pontos de acesso, nomeadamente com os títulos estabelecidos pelos arquivistas, orientando a informação, dada em primeiro plano ao utilizador, para determinadas pessoas ou temas, em detrimento de outras, quer ao nível da descrição de fundo, quer no caso das séries criadas sob sua dependência. Wells destacou que, quando as descrições não eram suficientemente claras e desenvolvidas, existia o risco de se obscurecer algumas figuras significativas por direito próprio, que exemplificou a partir do caso da esposa de Leo Amery, no fundo que ostenta apenas o nome do marido no título, depositado no Churchill Archives Centre. Para Wells a própria oscilação descritiva entre subfundos e séries conduz a que a maioria dos utilizadores acabe por não compreender o que os distingue. A perda de informação contextual importante, ocultada pela ausência de intervenção mediadora do arquivista, é ainda agravada, segundo a autora, pelo facto de muitos repositórios terem materiais apenas parcial ou escassamente catalogados (Wells, 2012, 171). Por outro lado, mesmo quando a descrição de diferentes proveniências num mesmo fundo é feita de forma hierárquica, do geral para o particular, nem sempre se investe na referência aos elos de ligação entre as várias partes. Na realidade, a descrição do fundo tende a ser utilizada para destacar a informação considerada mais importante para a generalidade dos utilizadores, e não para a representação do conteúdo e do contexto dos materiais (Wells, 2012, 175)

Em Portugal, também Rita Nóvoa verificou no Arquivo Gama Lobo Salema o que chamou de “ilusão de ordem” privilegiando-se duas famílias – a Gama Lobo e a Salema – consideradas ramos principais, omitindo-se a existência de cerca de três dezenas de outras presentes no arquivo. A organização imprimida previamente ao arquivo tornou impossível identificá-las sem percorrer todo o inventário, assim como visualizar as relações entre elas. Um índice-quadro de classificação elaborado no passado, obliterou uma característica que Rita Nóvoa considerou definir os arquivos de família, que é justamente a presença de “arquivos dentro de arquivos” (Nóvoa, 2013, 362). A autora referiu que estes arquivos são construídos progressivamente

através de diversos processos, sendo o mais comum a união matrimonial e subsequente incorporação de documentação de uma família na daquela a que se uniu (Nóvoa, 2013, 363). Seja qual for a tipificação escolhida para um arquivo, familiar, pessoal ou mesmo até de caráter institucional, o título pelo qual é designado é frequentemente escolhido a pensar no utilizador e na sua difusão final. No entanto, um mesmo arquivo pode incluir uma grande diversidade de produtores de informação, pelo que a forma como se concebem determinados instrumentos de descrição e representação da informação pode, por isso, fazer passar despercebida a