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CAPÍTULO 2 – OS ARQUIVOS PESSOAIS NA LITERATURA ARQUIVÍSTICA

2.1. Panorama internacional

No caso particular dos arquivos pessoais, a Arquivística manteve-se, até praticamente às décadas de 1980 e 1990, essencialmente vocacionada para questões técnicas, genericamente relacionadas com os problemas relativos ao tratamento e acesso aos documentos à guarda de instituições arquivísticas, bibliotecas ou de outros repositórios. A generalidade dos estudos

publicados focou-se na produção de orientações para a descrição dos arquivos, na sua organização, na classificação da informação, e na disponibilização de instrumentos descritivos. No entanto, sobretudo a partir do último quartel do século XX, investigadores de áreas como a História ou a Literatura, perpassando também a Sociologia, a Antropologia e outros domínios da ciência e da cultura, passaram a fazer uma abordagem ativa dos arquivos pessoais no âmbito das suas pesquisas. Eric Ketelaar referiu que ocorreu um archival turn nas últimas décadas, conduzindo estudiosos de várias áreas do conhecimento a entender os arquivos como fontes para a investigação, como conceito teórico e como objeto de estudo em si próprios. Segundo o autor, os profissionais da Arquivística foram seguindo essa viragem a alguma distância, e só gradualmente, após os anos de 1980, se começou a dar maior atenção à história social e cultural dos arquivos e ao seu propósito no seio da sociedade (Ketelaar, 2014, 45-46).

O caso da Austrália constitui um dos exemplos paradigmáticos. Nas décadas de 1970 e 1980, alguns autores começaram por abordar os arquivos pessoais a partir de questionamentos ao nível do aparato teórico e metodológico aplicável, no que respeita às políticas de aquisição por parte de instituições, patente, por exemplo, num debate entre Graeme Powell (1976) e Chris Hurley (1977), na revista Archives and Manuscripts. Estes dois autores debruçaram-se sobre a aplicação de princípios teóricos da arquivística, com o primeiro a contestar a sua adequação ao caso dos arquivos pessoais, e o segundo a argumentar que não existiam diferenças substanciais entre indivíduos e organizações na criação de documentos e na formação de arquivos. O debate entre ambos vinha também questionar a divisão profissional, existente na Austrália, entre os arquivistas incumbidos do tratamento de documentos privados e os responsáveis pelos arquivos de organismos administrativos, consubstanciada na diferença de

aplicação dada aos conceitos de “manuscritos” e “arquivos”.91

Outros autores começaram depois a interessar-se por problemas relacionados com o acesso, no âmbito da disponibilização pública de informação relativa à vida privada dos indivíduos, de que é exemplo, no caso australiano, o trabalho de Helen Yoxall (1984) acerca da relação entre os direitos individuais à privacidade e os direitos dos investigadores à informação.

Todavia, foi na década de 1990, na sequência da necessidade de definição de requisitos funcionais para a gestão e manutenção de documentos em ambiente corporativo, acompanhando o desenvolvimento de sistemas informáticos em cumprimento de padrões emergentes para a gestão da informação, e no contexto do desenvolvimento da proposta australiana do Records Continuum Model, que começaram a surgir estudos sobre os arquivos

91 Ambos os trabalhos foram reeditados posteriormente em 1995, numa obra editada pela Sociedade

Australiana de Arquivistas, na qual se reuniram alguns dos textos considerados fundamentais no desenvolvimento da teoria arquivística no país (Hurley, 1995c; Powell, 1995).

pessoais, visando a sua inclusão nesse modelo, concebido para incluir toda a informação da sociedade, independentemente da sua origem.

Em 1991, a Sociedade Australiana de Arquivistas criou um grupo de trabalho, com o objetivo de facilitar o contacto entre os seus membros, envolvidos ou interessados na aquisição, organização e descrição de coleções de manuscritos, documentos particulares de indivíduos e

de registos de pequenas organizações,92 o qual passou a apresentar os seus resultados

periodicamente, durante as conferências anuais da Sociedade.

Especialmente significativa para o caso dos arquivos pessoais foi a conferência realizada em

1995,93 na qual foram apresentados trabalhos de vários especialistas australianos, bem como

de investigadores de outros países, alguns dos quais vieram a ser publicados no ano seguinte,

em número especial da revista Archives and Manuscripts, dedicada ao tema.94 Nos textos

publicados na referida revista, foram discutidas numerosas problemáticas, 95 mas foi

especialmente a Sue Mckemmish que coube explorar aspetos relacionados com a natureza dos arquivos pessoais, com um artigo intitulado Evidence of me, em que a autora, então ligada ao desenvolvimento do modelo teórico do Records Continuum, explorou aspetos e características da produção e acumulação de documentos pelas pessoas.

Sue Mckemmish defendeu que os documentos pessoais têm um papel como testemunho de vidas individuais, constituindo ainda elemento fundamental para a memória coletiva e da identidade cultural da sociedade. A autora inseriu a sua perspetiva num quadro de pensamento em que os documentos, sejam eles de indivíduos ou de organizações, integram um contínuo do universo informacional, servindo todos eles de prova das atividades sociais, contestando, por essa via, os fundamentos de teorias ou métodos que diferenciassem os arquivos de organizações administrativas dos documentos do foro privado, corroborando outros argumentos dos seus colegas Adrian Cunningham e Chris Hurley, apresentados no mesmo número da revista.

Este exemplar da revista Archives and Manuscripts constituiu um marco de referência na produção teórica sobre arquivos pessoais, tendo inclusivamente influenciado autores de outros

92 Designado por Collecting Archives Special Interest Group. 93 Em Canberra, em 27 de julho de 1995.

94 Vol. 24-1, de maio de 1996.

95 Adrian Cunningham e Chris Hurley questionaram especificamente a separação profissional entre

arquivistas dedicados aos arquivos pessoais e os restantes profissionais do records management. Graeme Powell analisou especificamente a situação da aquisição de arquivos privados na Austrália. Margaret Southcott et al., focaram aspetos da organização e descrição da informação do foro pessoal a partir do caso específico da Biblioteca Mortlock. Maryanne Dever tratou o problema da interpretação e análise de contextos da comunicação por via dos e-mails, colocando o problema da informação digital produzida pelos indivíduos, então emergente, como uma questão premente que deveria ser considerada pelos arquivistas.O mencionado número da revista Archives and Manuscripts contou ainda com a colaboração do americano Richard J. Cox que analisou aspetos da informação contida em coleções de manuscritos.

países de expressão inglesa, onde teve ampla repercussão, como os Estados Unidos ou o Canadá. Foi ainda decisivo para fazer despontar, na Austrália, o surgimento de novos ensaios, que foram abordando, de forma direta ou indireta, os arquivos pessoais, entre os quais se podem destacar alguns exemplos que evidenciam linhas de investigação em desenvolvimento. Anne-Marie Condé (2005), por exemplo, analisou o significado simbólico dos arquivos, dando como exemplo os papéis recebidos pelas famílias dos soldados australianos que morreram durante ou imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, integrados no Australian War

Memorial, salientando que a sua importância ultrapassa o valor de meros documentos

pessoais, adquirindo um simbolismo nacional. A mesma autora, a propósito de um romance inacabado de Albert Camus, debruçou-se ainda sobre os motivos da constituição de arquivos pessoais, procurando entender a relação entre a criação de um arquivo pessoal e a identidade do seu produtor, compreender as ausências de informação e o modo de procurar provas sobre alguém que tenha guardado poucos ou nenhuns documentos (Condé, 2009).

Do ponto de vista das políticas de aquisição e seleção de arquivos pessoais para integrarem os acervos das instituições de memória na Austrália, Graeme Powell elaborou uma síntese da atividade da Secção de Manuscritos da Biblioteca Nacional da Austrália, salientando o seu esforço para a constituição de um índice dos documentos pessoais presentes nas várias bibliotecas do país, passíveis de constituírem “tesouros nacionais australianos” (Powell, 2006). A partir de um discurso orientado para a valorização dos arquivos de comunidades tradicionalmente sub-representadas em repositórios coletivos, Kooramyee Cooper e Sharon Huebner (2007) abordaram o projeto digital do Koorie Heritage Archive, centrado no grupo dos

koorie96 e nas suas histórias pessoais, destacando a necessidade de os arquivos se tornarem um espaço para preservação da sua cultura e identidade, podendo as tecnologias de informação e da comunicação constituir um contributo essencial para criar um arquivo digital sustentável.

Também no sentido da importância dos arquivos enquanto espaços de afirmação de identidade, Toby Burrows (2008) descreveu e sugeriu formas de acesso às informações relativas à relação entre os indivíduos e as diversas redes sociais, intelectuais e culturais, discutindo o modo como futuros desenvolvimentos tecnológicos e arquivísticos podem abordar as questões relacionadas com a pesquisa em rede.

96 Populações nativas do extremo meridional leste da Austrália, os koorie foram reprimidos pelos

colonizadores britânicos do território, que lhes retiraram as terras e procuraram destruir as suas manifestações identitárias, tendo os governos dos estados australianos retirado compulsivamente à comunidade milhares de crianças, entregues às famílias da sociedade branca, visionando a miscigenação e progressiva eliminação dos povos aborígenes. Através da fixação da sua memória oral e da recolha de relatos, o projeto mencionado procurou recuperar a sua identidade, e reconstruir a comunidade, em torno da memória comum. Sobre o caso particular dos koorie e da construção de um sistema de arquivo para a comunidade veja-se também o artigo de Sue Mckemmish publicado em Travancas et al (2013).

Maryanne Dever et al. (2009, 2010) abordaram os dilemas éticos da pesquisa em arquivos pessoais, e o direito de adquirir e assumir o conhecimento da esfera “íntima”, nomeadamente a partir de material que possivelmente os produtores não tinham pretendido dar a conhecer publicamente. Maryanne Dever (2013) veio ainda questionar a importância dos suportes físicos na forma como os investigadores entendem e trabalham com documentos pessoais e a sua relação com os formatos digitais. Num outro estudo, a mesma autora (Dever, 2014) debruçou- se sobre problemas relacionados com o acesso público em torno do processo de aquisição, pela Biblioteca Nacional da Austrália, de um arquivo pessoal, cujo conteúdo se afigurava relevante para documentar a história do ativismo feminista. Igualmente numa perspetiva ética sobre o acesso, Paul Dalgleish (2011) debruçou-se sobre as dificuldades e responsabilidades dos arquivistas em tornar acessíveis on-line os arquivos e coleções particulares, respeitando as sensibilidades individuais e comunitárias, e as limitações legais.

Numa perspetiva da análise da sub-representação feminina nos arquivos, Julie Collins (2012) destacou as dificuldades em encontrar informações acerca dos documentos profissionais das arquitetas na Austrália, e as possíveis soluções para a sua aquisição. Margaret Henderson (2013) refletiu sobre o seu próprio trabalho num arquivo pessoal de uma ativista feminista, analisando o processo arquivístico, bem como o conteúdo dos documentos pessoais, dando ênfase às dificuldades de separar o público do privado e ao modo como a própria ideologia feminista influenciou a configuração do arquivo.

No que respeita à adequação dos princípios arquivísticos aos documentos produzidos através das novas tecnologias digitais, Richard Lehane (2012) examinou questões relacionadas com os documentos pessoais originalmente produzidos e mantidos em websites, discutindo os fundamentos do princípio da ordem original em referência à ordenação lógica e à classificação dada por parte dos seus produtores.

No âmbito do desenvolvimento da teoria do Records Continuum e da sua fundamentação teórica e conceptual, aplicada aos arquivos pessoais, Sue McKemmish e Michael Piggott (2013) esmiuçaram a complementaridade e inter-relações existentes entre estes e os arquivos institucionais, refutando abordagens defensoras de metodologias distintas para o tratamento de uns e outros que, em seu entender, tinham tido como consequência o afastamento da representação nas instituições de memória de várias comunidades e setores da sociedade. Os autores deram, assim, ênfase à gradual afirmação de distintas comunidades em defesa dos seus próprios arquivos, e defenderam a necessidade de os arquivistas “descolonizarem” os seus discursos e abrirem espaço a outras formas de manifestação de identidades sociais e culturais.

Podem ainda destacar-se as iniciativas relacionadas com a preservação, catalogação e promoção do acesso de arquivos no universo digital, como o projeto desenvolvido pelas

Bibliotecas Nacionais e Estatais da Australásia,97 o Archival Collections Project, desenvolvido

em 2010 e 2011, com a finalidade de estudar formas eficientes de catalogar e preservar coleções de interesse patrimonial, centrado no desenvolvimento de um quadro estratégico e de um conjunto básico de metadados (NSLA, 2012). Como resultado deste projeto, foi publicado um relatório sobre o acesso aos arquivos (Ayres, 2010) e uma compilação de diretrizes para os profissionais das bibliotecas, no sentido da prestação de auxílio aos doadores na preparação dos seus arquivos digitais pessoais, perspetivando uma futura incorporação nas bibliotecas públicas da Austrália e da Nova Zelândia (Thomas, 2011). Também foram dados os primeiros passos no desenvolvimento de uma ferramenta de medição dos tempos necessários ao tratamento de arquivos particulares, bem como dos custos associados, tendo sido feitos os primeiros testes para proporcionar a sua implementação em 2012-2013 (NSLA, 2012).

Quando o Archival Collections Project chegou ao fim, foi criado outro grupo de trabalho, designado Heritage Collections Project, visando desenvolver o conhecimento dos arquivos e das melhores práticas de gestão, interpretação, conservação, valorização e comunicação dos acervos patrimoniais existentes das bibliotecas públicas. Nos anos seguintes, foi desenvolvido um processo de digitalização e descrição de grande número de coleções, e implementado um trabalho colaborativo entre as bibliotecas públicas em torno da aquisição, avaliação, e de negociações com os produtores e doadores, de estudo de necessidades dos utilizadores. Mais recentemente, em 2016, foram estabelecidos princípios para melhorar a atuação dos profissionais no domínio da identificação de coleções consideradas de relevante interesse para preservação (NSLA, 2016).

No caso do Canadá existiu, desde muito cedo, uma grande familiaridade dos arquivistas com o universo dos arquivos privados, considerados relevantes na edificação e consolidação da identidade nacional canadiana, tendo havido programas que pretenderam incentivar a recolha de arquivos de vários setores da sociedade civil, a par da preservação dos do Estado, de que é exemplo o movimento que ficou conhecido como “Arquivos Totais”. O debate teórico sobre os arquivos privados ganhou particular relevância na transição entre as décadas de 1980 e 1990, inicialmente ligado a problemas relacionados com as políticas de aquisição que vinham a ser seguidas e a necessidade de rentabilizar e melhor gerir os recursos requeridos pelas amplas incorporações.

A Divisão de Manuscritos do Arquivo Nacional do Canadá, durante este período, fez sair diversos relatórios, salientando a necessidade de se definirem estratégias de aquisição e avaliação, e de se desenvolver o que se entendia como tendo significado e importância

nacional (Momryk, 2001). O problema da avaliação dos arquivos privados, para efeitos da sua preservação, fez também parte das preocupações do Conselho Canadiano de Arquivos, criado em meados da década de 1980, e, em anos subsequentes, integrou discussões em torno do desenvolvimento de uma rede de informação e de acesso comum aos acervos das várias instituições e da necessidade de se promover o uso generalizado de normas para a descrição arquivística (Craig, 2001).

O debate sobre os fundamentos e limites da política dos Arquivos Totais levantou questões sobre o grau de envolvimento que devia competir à sociedade e às instituições públicas, na aquisição e conservação de arquivos pessoais, e quanto às prioridades culturais e ao papel dos arquivistas, de que é exemplo a controvérsia entre Christopher Hives e Robert McDonald publicada, em 1994, na revista Archivaria (Hives, 1994; McDonald, 1994a, 1994b), com o primeiro destes autores a considerar como sendo sua função primordial a preservação dos arquivos institucionais, e o segundo argumentado em defesa de uma intervenção alargada a toda a sociedade, como única forma de servir a memória coletiva.

Instalada a problemática, vários autores começaram a interessar-se sobre o lugar dos arquivos pessoais na teoria e na prática arquivística, com Terry Cook (1997) a alertar para o facto de a influência das ideias veiculadas em obras fundadoras e marcantes para a disciplina ao longo da sua história, como o Manual dos Holandeses ou o de Hillary Jenkinson, os ter deixado à margem da reflexão no seio da profissão, favorecendo-se a abordagem dos arquivos institucionais e administrativos, em detrimento de uma perspetiva cultural mais ampla sobre os arquivos, que incluísse os do foro privado, os quais, apesar de menos considerados do ponto de vista teórico, foram, ainda assim, sendo preservados e ativamente incorporados em diversas instituições de memória.

O interesse suscitado pelos arquivos pessoais tornou-se mais evidente em 2001, com a criação de uma secção especial para o seu estudo junto da Associação dos Arquivistas Canadianos

(AAC),98 sob o incentivo de Catherine Hobbs, arquivista da Library and Archives Canada,

especialmente vocacionada para o trabalho com arquivos de escritores, e que, junto com outros colegas veio a integrar o grupo então constituído. A secção especial criada na associação canadiana procurou, em particular, incentivar e estimular o desenvolvimento de novas pesquisas académicas e o envolvimento de arquivistas, no sentido da introdução de novas possibilidades discursivas sobre os arquivos pessoais (Carter et al., 2013, 1).

No mesmo ano, na revista Archivaria foi publicado um conjunto de artigos numa secção dedicada aos arquivos pessoais, onde se distingue o contributo de Hobbs com um estudo

sobre as características e o valor destes arquivos (Hobbs, 2001).99 A autora reivindicou a idiossincrasia e especificidade dos arquivos pessoais, e o seu caráter fundamentalmente pertencente ao âmbito do íntimo e do psicológico, por oposição aos documentos dos arquivos de instituições administrativas, produzidos em função de mandatos legais, contrariando, assim, as teses da australiana Sue Mckemmish, apresentadas em 1996 na revista Archives and

Manuscripts, quanto ao papel de evidência e testemunho dos registos individuais,

relativamente a ações e atividades no campo da memória social e coletiva, ao mesmo nível dos documentos das instituições.

Sob este impulso, ao longo dos anos seguintes, multiplicou-se o número de investigadores canadianos que passaram a debruçar-se sobre matérias especificamente relacionadas com os arquivos pessoais, destacando-se, além de sucessivos contributos aduzidos por Hobbs (2006;

2010), diversos outros autores.100 De destacar, por exemplo, a tese de doutoramento de

Jennifer Douglas (2013a), com uma ênfase na problemática da aplicação dos princípios arquivísticos da proveniência e da ordem original aos arquivos pessoais de escritores. Esta autora tem igualmente vindo a publicar vários artigos, na sequência da sua investigação neste domínio, chamando a atenção para a necessidade de se atender, no quadro conceptual relativo aos arquivos pessoais e na sua descrição, ao facto de os mesmos refletirem um processo complexo de construção, ao longo do tempo, onde intervêm diferentes agentes, havendo necessidade de se reequacionar o conceito de fundo, a ideia da proveniência única e de um produtor único, para se atender aos múltiplos contextos inerentes à formação dos arquivos (veja-se ainda Douglas, 2013b; 2017).

Como um dos exemplos das investigações que têm vindo a ser realizadas refira-se ainda a publicação, em 2013, de um número especial da Archivaria (n.º 76), especificamente dedicado ao tema dos arquivos pessoais, que contou com a colaboração de especialistas de outros

países, abrangendo várias linhas de abordagem,101 seguido ainda de outros artigos publicados

99 Na Archivaria n.º 52 (2001), destacam-se ainda os artigos de Barbara Craig e de Myron Momryk sobre

a evolução das estratégias de aquisição, com incidência no exemplo do Canadá, e de Riva A. Pollard sobre a avaliação dos arquivos pessoais, que enfatizou a escassez de estudos sobre este tema na literatura arquivística.

100 Refiram-se, nomeadamente, os trabalhos de: Karyn Taylor (2002), que alertou para a importância de

os arquivistas contemporâneos darem atenção, no cumprimento das políticas de aquisição integradas no âmbito dos “Arquivos totais”, aos documentos produzidos pelos indivíduos com a utilização das novas tecnologias de comunicação no universo digital; Jennifer Douglas e Heather Macneil (2009) debruçaram- se sobre os arquivos de três escritoras canadianas e identificaram a intervenção de múltiplas pessoas no seu processo de formação, convidando a uma reflexão sobre o conceito de proveniência, de um ponto de vista mais amplo; Rob Fisher (2009) procurando estabelecer uma teorização acerca dos arquivos privados; Jennifer Meehan (2010), sobre a aplicação do princípio da ordem original aos arquivos pessoais; e Jordan Bass (2013), sobre a avaliação e gestão dos documentos pessoais digitais.

101 O n.º 76 da Archivaria inicia com um texto de abertura dos seus editores (Carter et al.), introduzindo o

tema com uma síntese do panorama geral da literatura sobre arquivos pessoais. De autores canadianos