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4. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.3. PRINCIPAIS TEORIAS DESENVOLVIDAS SOBRE O TEMA

4.3.2. Teoria da eficácia mediata ou indireta

209 cidade privada – tradução livre.

210 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.

211 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 179.

212 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1ª ed. (2ª tir.). São Paulo: Malheiros, 2008. p. 99.

A teoria da eficácia horizontal mediata/indireta dos direitos fundamentais214 predomina no ordenamento jurídico germânico. De origem alemã e elaborada pelo jurista Günter Dürig (1956), essa foi a teoria adotada pelo Tribunal Constitucional Federal e é considerada um ponto médio entre a negativa da vinculação dos particulares à constituição (incluindo a doutrina do state action) e a teoria da eficácia horizontal direta (sem necessidade de intermédio estatal).215

Esta teoria não reconhece a natureza jurídica de direito subjetivo quando o direito fundamental encontra-se no âmbito privado das relações. Günter Dürig, a princípio, alerta para a possibilidade de renúncia aos direitos individuais na esfera particular e não identifica esta viabilidade quando a relação dá-se com o Estado.216

Seguindo a teoria da eficácia horizontal mediata, a invocação dos direitos constitucionais deve passar pelo que Dürig chama de “ponte” entre direito privado e Constituição. Tal ligação ocorreria, de início, através da estipulação, pelo Legislador, de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados e, em sequência, com a interpretação judicial atribuindo significados a eles em conformidade com os valores intrínsecos aos direitos fundamentais, em especial, ao princípio da dignidade da pessoa humana.217

Para os defensores dessa teoria, a incidência direta dos direitos fundamentais nas relações privadas anularia totalmente a autonomia privada e o direito privado, já que este viraria um mero reflexo do já existente direito constitucional. Ademais, tendo em vista o enorme grau de abstração das normas que tratam dos direitos fundamentais, a possibilidade de aplicá-los diretamente significaria uma ampla e desmedida concessão de poder ao Judiciário, sendo assim, a liberdade individual (que deveria ser protegida indiscriminadamente) ficaria a cargo da discricionariedade judicial.218

Desta forma, assim como a doutrina do state action, não há o que se falar em direitos subjetivos constitucionais a serem opostos em face do particular. De fato, a teoria da eficácia horizontal indireta defende que os direitos individuais só podem ser considerados direitos subjetivos quando opostos ao Estado, no caso das relações 214 Em alemão, Mittelbare Drittwirkung.

215 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

216 Ibidem. 217 Ibidem. 218 Ibidem.

privadas, eles seriam consequência da sua dimensão objetiva que irradia e atinge os particulares de forma reflexa.219

O já citado caso Lüth, paradigma alemão sobre o tema, adotou a Teoria mediata da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme depreende-se do trecho da decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão:

“o juiz tem de verificar se, em virtude de imposição constitucional, as normas materiais de direito civil por ele utilizadas devem ser influenciadas pelos direitos fundamentais. Se for esse o caso, ele terá que ter em consideração a modificação daí resultante para o direito privado, na interpretação e aplicação desses preceitos. (…) Essa influência na ordem objetiva de valores faz-se sobretudo valer através das cláusulas gerais de direito privado, como é o caso do parágrafo 826º do Bürgerliches

Gesetzbuch (BGB). (...) Apesar disso, o conteúdo normativo dos direitos

fundamentais enquanto norma objectiva desenvolve-se, no direito privado, através dos preceitos desse ramo do direito. A contenda mantém-se, material e processualmente, uma contenda de direito civil. É o direito civil que é aplicado e interpretado, ainda que essa interpretação deva obedecer ao direito público, à Constituição.” (grifou-se) 220

Konrad Hesse sustenta a teoria mediata alertando para o perigo da adoção da eficácia direta dos direitos fundamentais para o direito privado, a autonomia individual e a possibilidade de renúncia desses direitos, complementa ainda sobre o assunto221:

(...)mediante el recurso inmediato a los derechos fundamentales amenaza com perdesse la identidad del Derecho Privado, acuñada por la larga historia sobre la que descansa, en perjuicio de la adecuación a su propria materia de la regulación y su desarrolho ulterior, para lo cual depende de especiales circunstâncias materiales que no cabe procesar sin mas com criterios de derecho fundamentales.222

Daniel Sarmento observa que os argumentos empregados pelos defensores da teoria da eficácia horizontal mediata dos direitos fundamentais assemelham-se àqueles utilizados pelos que negam qualquer vinculação dos direitos individuais às relações privadas. Diferenciam-se, apenas, que aqueles reconhecem a constituição 219 Ibidem.

220 MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. p. 27.

221 A eficácia imediata dos direitos fundamentais ameaça a perda de identidade do Direito Privado, acuado pela longa história que repousa, em prejuízo da adequação da matéria regulada e seu desenvolvimento, para o qual depende de circunstâncias especiais para que seja processado como direitos fundamentais. - tradução livre.

222 HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Trad. de Ignácio Gutiérrez. Madrid: Cuadernos Civitas, 1995. p. 61

como uma ordem de valores capaz de refleti-los para os diversos ramos do direito.223 Portanto, o próprio direito privado seria o responsável por criar mecanismos hábeis à penetração dos direitos fundamentais em seus institutos jurídicos, por isso, fala-se em eficácia mediata, uma vez que a previsão e a determinação da extensão dessa aplicação se daria através da atuação do legislador ordinário.224

Desta forma, para a teoria da eficácia mediata, ao Poder Legislativo caberia atuar para possibilitar a eficácia dos direitos fundamentais no cerne do direito privado, estabelecendo, assim, um regramento em harmonia com os valores constitucionais: protegendo os direitos individuais sem deixar de tutelar também a autonomia da vontade. Assim, caberia à lei prever o grau de cedência recíproca para compatibilizar os princípios constitucionais em choque.225

Já o Poder Judiciário, seria responsável por preencher as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados previstos pelo legislador, preocupando-se, sempre, em seguir e aplicar os valores constitucionais, afastando do ordenamento àquelas interpretações que não se coadunem com os ditames postos na constituição.226

Em resumo, diversas são as críticas lançadas contra essa teoria: reclamam da falta de segurança jurídica e ofensa ao princípio da legalidade no direito privado; bem como, em sentido oposto, alegam que não há uma proteção integral aos direitos fundamentais e há uma dependência interpretativa judicial. Outrossim, há quem a considere uma construção jurídica sem utilidade e dispensável, uma vez que não apresenta novidade, apenas solidifica e remete à interpretação conforme.227