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2. A PROPOSTA CURRICULAR DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DE SÃO PAULO E A

2.1. A dualidade geografia física x geografia humana

A problemát ica do ensino da Geograf ia no Brasil é um ret rat o das discussões met odológicas dent ro da própria ciência geográf ica. A dualidade “ Geograf ia Humana e Geograf ia Física” , desde a origem do pensament o geográf ico, apresent a t raços t eórico- met odológicos dist int os. Essa dualidade est eve post a co mo desaf io ao ensino de Geograf ia.

Quando do início da Geograf ia como ciência no século XIX, est a nasceu influenciada pela visão cart esiana, na separação ent re sujeit o-objet o. Essa herança cart esiana, perpet uada por Copérnico, Galileu, New t on, muda no século XVIII na int erpret ação da nat ureza. A ciência f oi reduzida ao nível do inorgânico e das relações mat emát icas, surgindo uma concepção de nat ureza-sem-o-orgânico-e-sem-o-homem, derivando a dualidade sociedade – nat ureza (MOREIRA, 2011, p.13).

Ruy M oreira, em sua obra em t rês volumes sobre o pensament o geográf ico brasileiro, auxilia na compreensão da origem da dualidade ent re a nat ureza e o humano. No volume 1 “ As mat rizes clássicas originárias” , M oreira f az um resgat e epist emológico dest a problemát ica e most ra como a Geograf ia f oi inf luenciada pelos paradigmas cient íf icos e f ilosóf icos.

No século XVIII, o f ilósof o iluminist a Kant f az a crít ica às dualidades ent re Sociedade e Nat ureza, part indo da ideia de se procurar um pont o em co mum para pensar a nat ureza e o homem, t ant o no plano empírico, como no plano abst rat o. Rit t er e Humboldt , influenciados por est a linha de pensament o, t rouxeram aspect os para o est udo da Geograf ia: Rit t er com sua Geograf ia Comparada: organização de espaço na superf ície do globo e sua f unção no desenvolviment o hist órico; Humbolt e sua Paisagem

Bot ânica, na perspect iva da visão holíst ica da Terra. Darw in, no século XIX, vem quest ionar o paradigma da nat ureza sem o orgânico e sem o homem. Em fins dest e século, quando a ciência geográf ica se origina como conheciment o sist emát ico, ret orna- se à visão da mat erialidade t écnica, volt ando a ciência para a f ragment ação do conheciment o. O sist ema posit ivist a surge como paradigma cient íf ico: separa o inorgânico, o orgânico, o humano. Nesse cont ext o, é o paradigma inorgânico da Física a ref erência, at relado às ciências, como a Biologia, a Química; a Sociologia era vist a como uma Física Social (M OREIRA, 2011, p. 15-16).

Os neokant ianos t rouxeram a origem das Ciências Nat urais e Ciências Humanas: daí surge a macro-divisão em nossa ciência: a Geograf ia Física e a Geograf ia Humana. M oreira (2011, p. 19) apont a:

Est a dualidade f ísica-humana que se desloca da t eoria neokant iana para o plano int erno da Geograf ia t raz, ent ret ant o, uma solução capenga para o problema da modelização. O modelit o mat emát ico da Física clássica par a se encaixar sob medida nas ações das geograf ias f ísicas set oriais, mas o modelit o inst it ucional da Sociologia-Ant ropologia não enco nt ra um mesmo sucesso de aplicação nas geograf ias humanas set oriais. Daí a sensação de que a Geograf ia Física é uma part e da Geograf ia mais bem resolvida que a Geograf ia Humana.

A Geograf ia Clássica, com o advent o da Geograf ia Francesa e Alemã, most ra a mat erialização dessa dualidade; Suert egaray (2001) coloca: “ Os geógraf os crít icos dest e período observam que a mesma t endeu, no seu início, a nat uralizar o homem vendo-o como mais um const it uint e do espaço geográf ico [ ...] int eressando à Geograf ia a obra mat erializada e não as relações sociais” . Sobre uma visão mais cont emporânea, a aut ora conclui:

Est a visão modif ica-se com o t empo, em part e devido a aproximação d a Geograf ia com a Sociologia, a exemplo de Pierre George, e da Geograf ia com a Economia e a Ciência Polít ica, a part ir do mat erialismo hist órico. Nest e moment o, part e da Geograf ia passa a preocupar-se com o espaço geográf ico, ent endendo-o como result ado das f ormas como os homens organizam sua vida e suas f ormas de produção. Nest a perspect iva, a Geograf ia concebe a relação nat ureza-sociedade sob a ót ica da apropriação, concebendo a nat ureza como recurso à produção. Est e

debat e, por vezes embat e e co mbat e, ampliou a visão social e econômica da const it uição do espaço geográf ico, mas limit ou a possibilidade analít ica da nat ureza em si, no seu corpo ref erencial. M ilt on Sant os f oi um expoent e das t eorias crít icas na Geograf ia. (SUERTEGARAY, 2001).

As t eorizações de espaço geográf ico desenvolvidas por M ilt on Sant os, ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990, t ransf ormaram as bases do conheciment o geográf ico e sua const rução cient íf ica no Brasil, desde as primeiras t eorizações, " o espaço é acumulação desigual de t empos" (1982), at é a visão desenvolvida em sua obra “ A nat ureza do espaço” (1997), colocando que o espaço “ é formado por um conjunt o indissociável de sist emas de objet os e sist emas de ações” (SANTOS, 1997, p. 21). Essas proposições de espaço não superaram a dualidade ent re nat ureza e sociedade.

Cit amos o t ext o de Suert egaray (2001), que t raz a concepção do espaço como uno e múlt iplo. Para a aut ora: “ Podemos pensar o espaço geográf ico como um t odo uno e múlt iplo abert o a múlt iplas conexões que se expressam at ravés dos dif erent es conceit os” . A proposição da aut ora é pensar o espaço at ravés dos conceit os de t errit ório, paisagem, lugar e ambient e; e conclui:

Assim, t emos nest a represent ação a expressão da possibilidade de dif erent es leit uras. Não obst ant e, o espaço geográf ico é dinâmico. Sua dinâmica é represent ada pelo moviment o, o girar do círculo. Est e giro expressa a ideia: um t odo uno, múlt iplo e complexo. Est a represent ação é elaborada no sent ido de expressar a concepção de que: o espaço geográf ico pode ser lido at ravés do conceit o de paisagem e ou t errit ório, e ou lugar, e ou ambient e; sem desconhecermos que cada uma dessas dimensões est á cont ida em t odas as demais. Paisagens co nt êm t errit órios que cont êm lugares que cont êm ambient es valendo, para cad a um, t odas as conexões possíveis (SUERTEGARAY, 2001).

Chamamos a at enção para est a nova proposição conceit ual t razida pela aut ora: o ambient e co mo cat egoria de est udo. Essa cat egoria implicaria em privilegiar o homem como sujeit o de t ransf ormação. Apesar das dif erent es abordagens realizadas pelos geógraf os da at ualidade, a Geograf ia vem pensando o ambient e de f orma dist int a de out ras ciências da nat ureza, nest a perspect iva “ [ ...] o homem se inclui não como ser

nat uralizado, mas como um ser social produt o e produt or de várias t ensões ambient ais” . (SUERTEGARAY, 2001). Nesse sent ido, podemos pensar numa direção para a int egração da Geograf ia Humana e a Geograf ia Física, abrindo a análise numa perspect iva de um diálogo mais ef et ivo, at ravés da denominação Geograf ia Ambient al.

Considerando o rit mo das ações humanas sobre a nat ureza, seus feit os e consequências, muit o se t em abordado sobre as t ransf ormações no planet a. Um exemplo que se coloca hoje é a quest ão das mudanças climát icas, que t êm sido f oco de discussões nos últ imos t empos, porém, muit as vezes, sensacionalist as e sem um aport e cient íf ico sério, est ando apenas no plano do senso comum e do apelo cat ast róf ico. Os sist emas nat urais seguem seu curso, claro que em muit os casos t omam proporções maiores, pelas mudanças climát icas que t êm ocorrido de f orma cíclica. M uit os são os t ópicos a discut ir e a visão global sobre a dinâmica t errest re é uma opção escalar para que se compreenda o t odo, ou seja, o processo e não apenas part es do f enômeno, o que acarret aria apenas a análise de dados esparsos, sem signif icado e aplicação.

A ciência geográf ica permit e out ros níveis de análise, a part ir das cat egorias de análise paisagem, t errit ório, lugar, região, ambient e, associadas a uma escala de abordagem, delimit a os f enômenos, proporcionando uma visão mais aprof undada, o que possibilit a o levant ament o dos limit es espaciais e a possibilidade de int ervenção. Seja por indução ou dedução, o int uit o da análise geográf ica é desvendar a dinâmica do espaço em suas várias nuances. Dent re essas nuances, as que epist emologicament e ganham corpo dent ro da Geograf ia Ambient al são os conceit os de paisagem, t errit ório e ambient e e, apesar de ut ilizar-se, sobremodo, de t eorias e conceit os f ísicos, se propõe a discut ir a relação sociedade-nat ureza, buscando a t ot alidade na análise espacial. Cabe ressalt ar que as cat egorias de análise (f ilosóf ica, cient íf ica) espaço, t empo, sociedade, nat ureza est ão imbricadas no discurso geográf ico, ou seja, é a essência na produção desse conheciment o cient íf ico.

Uma possibilidade de mét odo para o est udo da Geograf ia Ambient al no Brasil vem de t eorizações que se ut ilizam do mat erialismo hist órico para análise dos f enômenos nat urais. Essa análise não se limit a a uma abordagem de descrições de element os nat urais, ou seja, o conceit o pelo conceit o. A abordagem, num viés marxist a, pressupõe demonst rar as cont radições econô mico-sociais da at ualidade e sua relação com o ambient e. Quais t ransf ormações vêm ocorrendo? Qual a ação da sociedade nessas

t ransf ormações? Essa compreensão t em t razido aos geógraf os uma ref lexão maior sobre processos morf odinâmicos (dinâmica da nat ureza num t empo mais curt o).

Para Suert egaray (2002, p. 48), na sociedade at ual:

Vivemos um moment o da hist ória dos homens em sociedade em que t udo t ornou-se ambient al, inclusive o mercado impulsionador do processo de globalização. Não só a sociedade na perspect iva econômica mundializa-se, t ot aliza-se t ambém a nat ureza. A Terra passa a ser ent endida como um planet a vivo, a hipót ese Gaia é const ant ement e ref erida. Os sat élit es nos permit em a visualização da Terra em int ervalos de t empo curt o. Os processos f ísicos não são locais, a Terra como um sist ema sof re impact os globais. A sociedade do período t écnico-cient íf ico t em responsabilidade sobre isso. O planet a degrada-se.

Nunes e Suert egaray (2001, p. 17), considerando o est udo do relevo, apont am a velocidade de criação dos equipament os t ecnológicos que int erferem na nat ureza. Nessa lógica, a nat ureza é considerada mercadoria. As t ransf ormações mais evident es vêm ocorrendo em áreas mais urbanizadas, onde o capit al encont ra maiores condições de perpet uação.

Assim, os homens são agent es geológicos/ geomorf ológicos. O homem t ransf orma o est rat o geográf ico. A part ir dessa consideração, hoje os conceit os de quinário e t ecnógeno ident if icam o período at ual (SUERTEGARAY, 2002, p. 48). Para Rodhe apud Suert egaray (2002, p. 49) “ o quinário é uma rupt ura com o quat ernário clássico e para a ent rada de uma nova Era e um novo período geológico” . Logo, o período do Quinário seria a sobreposição do homem sobre a nat ureza.

Como exemplo, uma abordagem nos est udos geomorf ológicos, que considera a perspect iva do mat erialismo hist órico, é a conceit uação de depósit os t ecnogênicos. Os depósit os t ecnogênicos (OLIVEIRA e QUEIROZ NETO, 1993 apud SUERTEGARAY, 2002, p. 49) são result ant es da ação humana; o conceit o abrange t ant o os depósit os const ruídos, como at erros de diversas espécies, quant o os depósit os induzidos, como os corpos aluvionares result ant es de processos erosivos, desencadeados pelo uso do solo.

Assim, nessa perspect iva, nos est udos da nat ureza consideram-se dois t empos: o t empo da est rut uração da nat ureza ao longo das eras geológicas (o t empo que escoa) em

cont rapart ida ao t empo da ação humana (t empo que f az). Sobre isso, Nunes e Suert egaray (2001, p.19) argument am que:

[ ...] est udos morf ogenét icos caract eríst icos de um moment o analít ico da Geomorf ologia parecem est ar sendo suplant ados por uma out r a perspect iva. Em out ras palavras, est a perspect iva analít ica co ncebida f ilosof icament e como a compreensão do t empo que escoa vem sendo gradat ivament e subst it uída pela Geomorf ologia que se preocupa com o t empo que f az. O t empo que f az não é mais o t empo das regularidades, da unif ormidade dos processos. O t empo que f az é o t empo das irregularidades, dos episódios cat ast róf icos, dos event os esporádicos, dos rit mos e das variabilidades. É t ambém um t empo que int roduz no que f azer da nat ureza a dimensão ant ropogênica, não levada em cont a quando nos det emos a ref let ir na ót ica do t empo que escoa.

Para Suert egaray (1987, p. 31), o enf oque dialét ico “ Implica, pois, em considerar a sociedade e nat ureza uma t ot alidade. [ ...] A t ot alidade dialét ica é conceit ualment e dist int a, não é um conjunt o de part es (como na abordagem sist êmica)” .