4 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL
4.2 A EAD no ensino superior
A educação a distância no ensino superior brasileiro, enquanto fato contemporâneo e em emergência provocou a discussão acadêmica em torno da construção de marcos regulatórios que resultaram em instrumentos legais normativos, provocou a discussão de múltiplas abordagens teórico-metodológicas e sobre o uso de diferentes tecnologias de comunicação e de informação. Este conjunto de referentes teóricos e as pesquisas realizadas em caráter experimental ou com o acompanhamento de projetos de educação superior a distância implementados a partir da década de 1990, constituíram, portanto, o objeto para a análise exploratória de estudos pioneiros de representações sociais em EAD no Brasil. Produzir a contextualização da EAD no cenário da educação brasileira, em especial no ensino superior, é um requisito essencial.
O primeiro lustro da educação superior a distância no Brasil, compreendido até 2005, estabelece-se, portanto, como período para a análise de documentação e bibliografia com os marcos legais, conceituais e as abordagens metodológicas e tecnológicas descritas em projetos apresentados para o credenciamento de instituições interessadas na modalidade junto ao Ministério da Educação. As primeiras oito décadas do século XX no país trazem para a educação a distância a história da implantação de modelos não universitários, que podem ser decompostos em ciclos de características distintas. As diferentes caracterizações abrem a possibilidade de se buscar também a identificação de representações sociais da educação a distância referente a estes períodos.
Os primeiros cem anos da educação a distância no Brasil, de 1904 e até esta data, podem, também, ser classificados de acordo com as tecnologias utilizadas, pelos modelos pedagógicos adotados, pelo tipo dos cursos desenvolvidos e ofertados, ou, ainda, pela natureza das instituições que implementaram os programas. Em relação à natureza das instituições, as universidades brasileiras somente passam a atuar no ensino superior a distância na segunda metade da década de 1990, enquanto que na Europa e nos Estados Unidos o fenômeno tem origem no século XIX, como registra o quadro 3.
Instituição País superior a distânciaInício do ensino
University of London Inglaterra 1858
University of Queensland Austrália 1891
Pennsilvania State College Estados Unidos 1892
Instituto Federal de Capacitación del Magisterio México 1945
University of South África África do Sul 1946
Wisconsin University Estados Unidos 1958
UK Open University Inglaterra 1969
Athabasca University Canadá 1970
Univ. Nacional de Educación a Distancia Espanha 1972
FernUniversität Alemanha 1974
Universidade Particular Tecnológica de Loja Equador 1976
UMA Venezuela 1977
Universidad Estatal de Educación a Distancia Costa Rica 1978
TV e Rádio Universidades China 1979
FED de la Univ. de La Habana Cuba 1980
Universidad Abierta y a Distancia Colômbia 1982
Netherlands Open University Holanda 1984
Indira Gandhi OU Índia 1987
University of Phoenix Estados Unidos 1989
Universidade Federal do Mato Grosso Brasil 1994
Universidade Federal de Santa Catarina Brasil 1996
Quadro 3 - Cronologia internacional de implantação da EAD no ensino superior3
Os primeiros registros internacionais da criação da educação superior a distância datam, como apresentado no quadro 3, de 1858, mas o crescimento e a consolidação da EAD no ensino superior ocorre a partir de 1969 e de 1972 com a criação da Open University, na Inglaterra, em 1969, e da Universidade Nacional de Educação a Distância, na Espanha. A modalidade da educação a distância estava já presente nos Estados Unidos desde o século XIX, mas ganha escala e porte na segunda metade do século XX com a expansão da atuação
3 Compilação de datas realizada pelo autor, a partir de pesquisas nos sites das instituições e de indicativos em Vianney,
da Universidade Estadual da Pensilvânia, e, ao final do século, tem na Universidade de Phoenix a maior ação por educação a distância.
O fato de os primeiros cursos superiores por EAD ocorrerem no Brasil com 136 anos de defasagem em relação à Inglaterra, de 93 anos em relação à Austrália, de 90 anos em relação aos Estados Unidos, e de cinco décadas em relação ao México pode ser compreendido à luz de um cenário amplo da história da implantação da educação universitária no Brasil, e em comparação com outros países do continente americano.
Os estudos da história da educação presencial no Brasil convergem para uma periodização que tem marcos definidos com a chegada dos padres jesuítas e a criação das primeiras escolas católicas em 1549, dedicadas à catequização, à alfabetização, à instrução elementar e à preparação para o sacerdócio. Este cenário perdurou por dois séculos e encerrou-se com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759, pondo fim a 210 anos de hegemonia católica na educação. (PILETTI, 1996). Um novo ciclo, laico, com uma sucessão de políticas oficiais sem implementação efetiva gera um hiato de 177 anos sem uma definição clara de modelos para a expansão da educação no país, até que em 1930, no início da era Vargas, o poder público cria novos marcos regulatórios, estruturas de governo, sistemas de educação articulando República e unidades da federação, e instituições e ensino e que conformam a educação contemporânea no Brasil. (ROMANELLI, 1993).
Na história restrita ao ensino superior igualmente é possível verificar uma periodização que tem início em 1808, com a chegada de D. João VI e da família real ao Brasil, quando então são criadas as primeiras faculdades no território brasileiro, dedicadas a estudos de marinha para navegação e de medicina. A expansão efetiva do ensino superior ocorre somente 122 anos após a vinda da família real portuguesa para o Brasil, quando, no
período da Segunda República (1930-1936), ocorrem a criação e a instauração das primeiras universidades no país. Antes do movimento que gerou a criação de universidades foram implantadas faculdades isoladas de direito e de medicina no país já no final do século XIX. O quadro 4 mostra uma periodização que ilustra a evolução da educação no Brasil.
Data Período
histórico Característica
1549 - 1759 Período Jesuítico
Escolas jesuítas dedicadas à catequização, alfabetização de indígenas e imigrantes, instrução elementar e preparação para o sacerdócio. Os jesuítas foram expulsos do país pelo Marquês de Pombal em 1759.
1760 - 1807 Período Pombalino
O modelo jesuítico foi descontinuado em busca de uma educação voltada aos interesses do Estado, e não da Igreja Católica. As propostas apresentadas não redundaram efetivas. O período é conhecido como “trevas” na educação brasileira.
1808 - 1821 Período Joanino
Com a vinda da família imperial de Portugal para Brasil são criados os primeiros cursos superiores, a primeira biblioteca, a academia militar e escolas de artes e ofícios.
1822 - 1888 Período Imperial
Surge a primeira Constituição do país em 1824, estabelecendo no Artigo 179 instrução primária e gratuita para todos os cidadãos. A educação é diferenciada em quatro níveis de ensino, e a escolarização primária é delegada às províncias. Os resultados não surgem, e à época da proclamação da república a avaliação geral era a de estagnação da educação no país.
1889 - 1929 Primeira República
Surgem políticas orientando a educação com princípios próximos ao positivismo, estimulando a criação de escolas laicas e de formação profissional científica. A instabilidade política nacional não permite a consolidação deste modelo, ao qual é contraposto um modelo baseado em formação cívica. No estado da Bahia o educador Anísio Teixeira promove uma reforma que polariza as atenções pela proposta de modernização administrativa e pedagógica.
1930 - 1936 Segunda República
Nos primeiros anos da era Vargas a educação é novamente normatizada no ensino secundário e surge um estatuto para a criação de universidades. Cria- se o Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1932 surge o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, propondo repensar o ensino no país. Em 1934 é criada a Universidade de São Paulo (USP), e, em 1935 a Universidade do Distrito Federal (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro).
1937 - 1945 Estado Novo A educação básica é sistematizada no modelo “cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico”, deixando de ser este último ciclo uma preparação para o ensino universitário. O governo estimula a formação técnica e profissional para estimular a indústria o comércio e a agricultura.
1946 - 1963 Nova República
Período de expansão do ensino primário e secundário no âmbito das unidades da federação, em projetos liderados por Paulo Freire, Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima e Fernando Azevedo, entre outros. Ocorre a flexibilização por parte do estado para que a iniciativa privada e as ordens confessionais atuem em todos os níveis de ensino. São criadas universidades federais, centros de pesquisa mantidos pelo governo e universidades católicas nos principais estados brasileiros.
1964 - 1985 Regime Militar
Período marcado pela expansão do modelo universitário construído durante a Nova República, por tentativas de se criar etapas de profissionalização ao longo do ensino médio, e de se buscar movimentos de alfabetização. O expurgo de lideranças científicas do ciclo anterior marcou também os primeiros dez anos deste período.
Desde 1986 Abertura Política
Estabilidade normativa em relação à educação, com a consolidação da competência federativa para a gestão do ensino básico e da União para o ensino superior. Criação de sistemas de avaliação e acompanhamento estatístico da educação básica e do ensino superior. Expansão do ensino universitário privado e expansão do ensino básico público.
Quadro 4 – Periodização da história da educação brasileira4
Se, por exemplo, os países americanos de colonização hispânica tiveram já no século XVI a criação de suas primeiras universidades, criadas a partir do projeto espanhol que
associava a alta escolarização à expansão do catolicismo para as regiões em processo de colonização, no Brasil o período era apenas o da educação jesuítica apenas de caráter inicial, como já referenciado, para a catequese e a alfabetização. Enquanto a colonização espanhola incentivou a implantação do ensino superior em suas colônias desde 1538, a educação superior no Brasil de então estava atrelada a Portugal, principalmente à Universidade de Coimbra. Em 1808, com a chegada da família imperial de Portugal ao Brasil é que surge o ensino superior, ainda na forma de instituto para formação isolada. (BELLO, 2005).
A primeira universidade teve sua instalação no Brasil somente no início do século XX, já na fase republicana. Porém, é importante destacar, enquanto as universidades católicas na América Espanhola cumpriam um ritual de atuar pela contra-reforma, combatendo as idéias de Lutero e de Calvino, e também o racionalismo científico e as idéias de Erasmo (1446- 1536), que em 1529 propugnava por uma educação laica e libertadora ao dizer que Es muy fácil mandar sobre asnos o bueyes. Lo difícil y excelso es formar seres libres em libertad, a universidade brasileira que surge no início do século XX é de escopo humboldtiano, de uma universidade científica e em superação à universidade teológica. (RAMA, 2006). Cronologicamente, portanto, são 270 anos de entrecorte no quesito ensino superior entre o Brasil de 1.808, com as primeiras faculdades, e a América Hispânica, com a primeira universidade em 1.538. Na categoria ‘universidade’ a distância a separar Brasil e América Hispânica a distância é de exatos 396 anos até o ano de 1934, com a criação da Universidade de São Paulo, quando se implanta no país a primeira estrutura reconhecida como a criação, de fato, de uma instituição universitária.
A Universidade do Rio de Janeiro teve o seu ato formal de criação baixado em 1920, caracterizado pela junção de faculdades isoladas e motivado por uma necessidade diplomática do governo do presidente Epitácio Pessoa em ofertar diploma de doutor Honoris Causa ao Rei Alberto I da Bélgica, então em visita ao país. (LOPES, 1987). Somente em 1937 é que a então Universidade do Rio de Janeiro passa por uma transformação institucional em direção à estruturação universitária, com a denominação de Universidade do Brasil até 1965, quando é renomeada como Universidade Federal do Rio de Janeiro. (BELLO, 2005). Em relação à América Anglófona, que em 1636 criou a sua primeira universidade, igualmente o caráter tardio do ensino superior no Brasil se registra, como mostra o quadro 5.
Instituição Colonização - país ano
Universidade Autônoma de Santo Domingo Hispânica – São Domingos 1538
Univ. Michoacana de São Nicolau de Hidalgo Hispânica - México 1540
Univ. Nacional Autônoma do México Hispânica - México 1551
Univ. Nacional Mayor de São Marcos Hispânica – Peru 1551
Pontifícia Universidade Javierana Hispânica - Colômbia 1622
Universidade Autónoma de Queretáro Hispânica - México 1625
Universidade de Harvard Anglófona – Estados Unidos 1636
Universidade Nossa Senhora do Rosário Hispânica – Colômbia 1653
Universidade Mayor de São Francisco Xavier Hispânica – Bolívia 1664
Universidade de São Carlos Hispânica - Guatemala 1676
Universidade de Yale Anglófona – Estados Unidos 1701
Universidade de Columbia Anglófona – Estados Unidos 1754
Cursos de Medicina e de Marinha (Bahia e Rio de Janeiro) Portuguesa - Brasil 1808
Faculdades de Direito (Olinda e São Paulo) Portuguesa - Brasil 1827
Universidade do Rio de Janeiro (atual UFRJ) Portuguesa - Brasil 1920
Universidade de São Paulo Portuguesa - Brasil 1934
Quadro 5 – Implantação do ensino superior nas Américas Anglófona, Hispânica e Portuguesa.5
Em que pesem as datas de início das colonizações hispânica e portuguesa nas Américas serem comuns aos séculos XVI e XVII, a colonização portuguesa e a forma progressiva e pacífica de como ocorreu a longa transição de quatro séculos entre a característica de colônia e até à República desatrelada do jugo português apresentaram diferenciações no sentido de o Brasil ser entendido como uma Nação tardia no continente. Enquanto a independência do país em relação a Portugal declarada em 1822 indicava uma soberania territorial, e a proclamação da República em 1889 consagrava a institucionalização de um Estado moderno, e, de fato, independente de Portugal, somente na chamada Segunda República, partir de 1930 é que surgem no Brasil efetivamente as características de Nação (GUIBERNAU, 1996), como identidade cultural, uma dimensão psicológica de comunidade, uma dimensão histórica, um projeto de futuro e procedimentos de autodeterminação que se apresentam por sobre todo o território nacional. (BRESSER-PEREIRA, 2004).
O que se pode observar é que no âmbito da implantação da educação superior a distância, o hiato do Brasil na implantação desta modalidade em relação aos demais países americanos, de um século em relação à América Anglófona, e de 50 anos em relação à América Hispânica, pode ser mesmo considerado como reduzido quando se cotejam os longos séculos de defasagem na criação das primeiras universidades no país.