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Um dos eixos de discussão que podem estar refletidos nas apropriações que servem de base para configurar os elementos das representações sociais da EAD pode, portanto, ser o das características de esta modalidade ser um estilo de ensino-aprendizagem vinculado ao uso de meios técnicos de comunicação de massa. E, como exposto, ao se verificar o uso destes meios técnicos de comunicação enquanto um requisito, enquanto uma constante nas definições da educação a distância, pode-se, portanto, vincular a modalidade como uma emergência da era moderna.

Quando, ao final da Idade Média o viver dos humanos no Ocidente passou a orientar o foco para a razão, estabelecendo a dúvida como premissa para a investigação, o método como procedimento para se buscar uma possível confirmação, e, entendida esta confirmação vigente apenas enquanto temporal e passível de superação por um novo ciclo virtuoso como o que a originou, teve também início o processo moderno de criação dos meios técnicos de comunicação de massa contidos nos enunciados legais da educação a distância no Brasil e nas diversas definições apresentadas.

Ao invés de se fixar em um marco único para o estabelecimento da Era Moderna, é possível relacionar descobertas científicas, inovações tecnológicas, novas correntes da filosofia política ou religiosa que compõem, no conjunto, as múltiplas faces que separa a Idade Média da Era Moderna. É possível construir estes liames com uma sucessão de datas com eventos e personagens a eles associados nos séculos XV, XVI, e XVII.

• 1.451 com a prensa de Gutenberg (1400-1468) já em funcionamento, e com a primeira edição da Bíblia em 1.454;

• 1.492 com a chegada de Cristóvão Colombo à América (1451-1506);

• 1.498 com a descoberta do caminho para as Índias pelo navegador português Vasco da Gama (1.469 – 1.524);

• 1.517 com as 95 teses de Martinho Lutero (1483-1546) a propor uma nova interpretação da Bíblia e em dissidência ao catolicismo por não concordar com a salvação da alma pela compra de indulgências vendidas pela Igreja Católica;

• 1.530, com Nicolau Copérnico (1473-1543) formulando a hipótese e cálculos apresentados em 1540 que retiravam o planeta Terra da condição de centro do universo, e o colocando a girar ao redor do Sol;

• 1.573 com a publicação de De Nova et Nullius Aevi Memoria Prius Visa Stella (Sobre a Nova e Previamente Nunca Vista Estrela), por Tycho Brahe (1546-1601), comprovando a imprecisão do modelo ptolomaico acerca das calotas celestiais. Em 1588 Brahe publica Mundi Aetherei Recentioribus Phaenomenis (Sobre o Novo Fenômeno no Mundo Etéreo), avançando em relação documento anterior e demonstrando que as calotas celestiais (esferas cristalinas) não existiam;

• 1.600, com o filósofo Giordano Bruno (1.548 – 1.600) sendo queimado vivo pela fogueira da Inquisição da Igreja Católica. Bruno percorreu a Europa ao final do século XV apregoando por um Estado laico, pelo fim das guerras religiosas entre católicos, protestantes e islamitas, pela liberdade de pesquisa científica e defendendo a tese copernicana de que a Terra é que girava ao redor do Sol, e, ainda, de que a natureza primava por uma unicidade entre os componentes da matéria e a energia que animava a vida. Preso, julgado e condenado como herege pelos tribunais da Santa Inquisição, foi queimado vivo na Praça Campo de Fiori, em 17 de fevereiro de 1.600;

• 1.604 com os cálculos acerca da mecânica celestial feitos por Johannes Keppler (1571- 1630), que colocou em fórmulas matemáticas a hipótese heliocêntrica de Copérnico e fez os cálculos que explicavam as posições dos astros anotadas por Brahe. Keppler publica os resultados desta descoberta em 1609. Até 1.619 publica obras em série definindo as órbitas dos planetas ao redor do Sol. A Igreja Católica coloca livros de Keppler no index das obras proibidas em 1.617;

• 1.610 com Galileu Galilei (1564-1642), que reuniu as contribuições de Copérnico, Brahe, Keppler e a pregação de Bruno e, no início do século XVII, aperfeiçoou o telescópio e provou por observação as evoluções das órbitas das luas de Júpiter a quebrar as calotas de cristal que até então sustentavam a ordem ptolomaica. Galileu reúne e divulga evidências de confirmação da teoria heliocêntrica da Copérnico, e recebe censura da Igreja Católica em 1.616. Em 1.632 a Igreja autoriza Galileu a publicar Dialogo di Galileo Galilei Linceo, dove ne i congressi di quattro giornate si discorre sopra i due massimi sistemi del mondo, tolemaico e copernicano (Diálogo dos Dois Mundos), que deveria ser apenas um estudo filosófico acerca dos dois modelos astronômicos então discutidos. Mas a obra de Galileu reúne, na verdade, a

comprovação do movimento da Terra ao redor do Sol. Galileu é mais uma vez censurado pela Igreja. É preso e obrigado a abjurar as suas idéias.13

• 1.620, na Inglaterra, com a publicação da obra Novum Organum (Novo Método), e em 1.623 da obra De dignitate et augumentis scientiarum (Sobre a dignificação e os progressos da ciência), por Francis Bacon, que propõe uma filosofia aplicada para as ciências a partir de uma metodologia indutiva e com critérios de observação e de experimentação;

• 1.656, com a publicação da obra Didática Magna, por Jan Amos Komensky (1.592 – 1.670), em que se apresentaram as primeiras sistematizações por um sistema educacional que atendesse desde a criança e até à vida adulta, com fases específicas de formação. Komensky, natural da Moravia, teve o sobrenome latinizado para Comênius, e defendia a emancipação do homem diante da política e da religião através da educação, e defendia que o importante é ensinar a aprender;

• 1.690, com a publicação na Inglaterra de Ensaio Sobre o Conhecimento Humano, por John Locke (1.632 – 1.704), defendendo o empiricismo, com o conhecimento a partir da aprendizagem e da experiência, em oposição a teorias acerca de idéias inatas;

A estes eventos e personagens dos séculos XV, XVI e XVII, um século e meio adiante se consolidava na Europa e na América a ordem laica para a gestão do Estado e por determinação dos cidadãos na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Na França, já no século XIX, os miasmas da Peste foram banidos não pela magia, mas pela microbiologia de Pasteur (1822-1895). Ao longo deste percurso as explicações então pétreas dos textos sagrados para os fenômenos da natureza foram encontrando cada vez mais contraposições com as explicações técnicas decorrentes da produção científica e da propagação destas pelos meios de comunicação, a partir dos quais as populações puderam ao seu modo apropriar-se recriando em suas representações sociais o conhecimento científico.

13 Galileu Galilei consolida a trajetória desencadeada por Nicolau Copérnico com uma série de experiências de observação

celestial com uso de telescópios que ele mesmo aperfeiçoou, a partir de modelos que chegaram à Itália vindos da Holanda, concebidos inicialmente para uso como apoio à navegação. Entre 1610 e 1632 Galilei realiza experiências e produz compêndios sobre ótica, mecânica e astronomia, convergindo para a explicação do movimento da Terra ao redor do Sol. Sofre censura pela Igreja Católica, que o submete a processos inquisitórios e a um voto de silêncio sobre suas descobertas em troca de não ser queimado vivo como herege. Em sua penúltima obra, “Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo: ptolomaico e copernicano”, deixa subentendida a supremacia da teoria heliocêntrica, sobre a qual estava impedido de se manifestar. A sua última frase no leito de morte foi Eppur si muove, reafirmando de que apesar da censura da Igreja, a Terra é que se movia ao redor do Sol. Galileu Galilei foi reabilitado pela Igreja Católica somente ao final do século XX, pelo Papa João Paulo II.

A Era Moderna, tem, para muitos, a sua demarcação não com a sistematização metodológica e a produção de descobertas decorrentes do cientificismo, mas produção científica a partir do ritual de formulação de hipóteses, de verificação por demonstrações matemáticas e evidências observáveis experimentalmente e passíveis de refutação a posteriori por novas descobertas. Mas, que, por outra vertente, a era moderna instaura-se com a filosofia política do iluminismo no século XVIII (WOOD, 1997), tendo como locus a França; como moto a produção intelectual dos enciclopedistas enquanto formuladores; como fato as ações daqueles atores que desencadearam a Revolução Francesa; como bordão o trinômio igualdade, liberdade e fraternidade, como documento símbolo a declaração dos direitos do homem; e, como seminal histórico a precedência para a criação dos Estados Nação que se consolidariam no século XIX, consagrando assim o secularismo, com a separação efetiva entre Igreja e Estado. Com esta matriz francesa, portando, estaria demarcada a era moderna.

No mesmo termo histórico, importa registrar a independência da América do Norte como elemento de destaque funcional, não ideológico, por ter consolidado já em 1776, treze anos antes da Revolução Francesa, o secularismo, a democracia, a não-etnicidade, os direitos e liberdades individuais e a razão como elementos fundantes no panfleto “Senso Comum”, escrito por Thomas Paine. Já, para outros, a instauração da era moderna ocorre de maneira antecipada no século XVII, na Inglaterra, com “o desenvolvimento da propriedade, a ética – e, verdadeiramente, a ciência” (WOOD, 1998, p. 13), com as contribuições científicas e metodológicas de Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e de Isaac Newton (1643-1727). E, na mesma Inglaterra, com um século de antecedência, lançadas já as sementes com reformas do Estado iniciadas no século XVI com uma progressiva laicização do governo e controle parlamentar por sobre a monarquia, tornando esta nobiliárquica. (BURKE, 1982).

No entanto, para Max Weber (1967), é ainda mais cedo, no mesmo século XVI, em 1517 com o início do movimento que levaria à Reforma Protestante, a partir de Martinho Lutero com a proposição da leitura direta da Bíblia ao invés da mediação pelos sacerdotes para que cada cristão encontrasse o seu caminho de salvação, é que se lançam os fundamentos motores para a grande transformação liberal no ocidente em um longo processo de racionalização conduzindo a formas organizacionais modernas, libertando a humanidade de coerções tradicionais, mas, em contrapartida, instaurando uma nova burocracia se traduz em diferente forma de opressão. (WEBER, 1967).

Para Joseph Campbell (1997) a instauração da era Moderna é ainda anterior, e tem como data de emergência o final do século XV. Em 1451 Johan Gutenberg traz à cena a tecnologia que permite a impressão em sistema de prelo, com a composição por tipos. A Europa, em reação à tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, consegue em 1492 circunavegar a África para chegar por mar às mercadorias da Índia, no mesmo ano em que Cristóvão Colombo chega à América. As cartas de navegação constatavam a forma esférica do planeta. Segundo Campbell, o ano de 1492 marca

[...] o começo do fim da autoridade dos velhos sistemas mitológicos pelos quais a vida dos homens tinha sido sustentada e inspirada desde tempos imemoriais. Logo após a memorável viagem de Colombo, Magalhães circunavegou o globo. Pouco antes, Vasco da Gama navegara ao redor da África até à Índia. A Terra estava começando a ser sistematicamente explorada e as velhas geografias, simbólicas e mitológicas, desacreditadas. [...] Cinqüenta anos depois da primeira viagem, Copérnico publicou o seu trabalho sobre o universo heliocêntrico (1543); e cerca de sessenta anos depois, o pequeno telescópio de Galileu trouxe uma confirmação palpável a esta visão de Copérnico. (CAMPBELL, 1997, p.13).

Armstrong (2005) identifica que foi no século XVI “que os povos da Europa e mais tarde do que se tornariam os dos Estados Unidos da América começaram a criar uma civilização sem precedentes na história mundial”, e que, estruturada a partir do logos, do pensamento científico, se espalharia por todo o globo nos séculos XIX e XX. Esta modernidade, para Armstrong, teve como um dos resultados mais significativos “a morte da mitologia.” (ARMSTRONG, 2005, p. 101). Segundo ela “Um otimismo renovado impregnava o Ocidente. As pessoas sentiam que controlavam mais o ambiente. Não havia mais leis sagradas imutáveis. Graças às descobertas científicas era possível manipular a natureza e melhorar a vida.” (ARMSTRONG, 2005, p. 103). “As pessoas precisavam escolher entre a mitologia e a ciência racional, sem que pudesse haver meio-termo.” (ARMSTRONG, 2005, p. 111). A origem da era moderna não estaria nas tecnologias de Gutenberg que viabilizaram a comunicação de massa no século XV, ou no pensamento científico dos séculos XVI e seguintes, mas, sim, na ruptura original proposta por Martinho Lutero, que em

[...] sua reforma do cristianismo mostrava quanto o espírito moderno em ascensão se antagonizava com a consciência mítica. Na religião pré-moderna a semelhança era vivenciada como identidade, de forma que o símbolo se unia à realidade representada. [...] A leitura silenciosa e solitária [da Bíblia] substituiu a recitação litúrgica. As pessoas agora podiam conhecer a Bíblia em detalhe e formar sua própria opinião, mas agora ela já não era mais lida num contexto ritual, o que facilitava uma abordagem secular que privilegiava a informação factual, como em qualquer outro texto moderno. (ARMSTRONG, 2005, p. 104-105).

Importa destacar para a compreensão da educação a distância enquanto fenômeno moderno e vinculado à comunicação que, no intercurso do final do século XV revoluciona-se a comunicação humana com o surgimento da imprensa de Gutenberg, a primeira mídia de características modernas: massificável pela reprodutibilidade; de alta usabilidade pela portabilidade intrínseca ao livro; de grande penetração pelo baixo custo permitido pela produção em escala; e com alto poder de difusão pela perenidade do seu produto, permitindo assim o compartilhar de um mesmo exemplar por um sem número de indivíduos ao longo do tempo. Pelo fato de o livro se tornado prático, portável, durável e barato a partir de 1451, Bertold Brecht louvou a Gutenberg como aquele que tornou possível de se escrever e publicar na língua dos peixeiros, a que todos compreendiam, considerando uma revolução a comunicação de massa para além dos idiomas das cortes e dos mosteiros, fazendo do livro um poderoso instrumento de mediação. (BRECHT, 1986).

Ao se ter a EAD como um fato moderno, ligado à ciência, à técnica, aos movimentos de emancipação nos processos de aprendizagem, por característica ser um processo de comunicação aplicado à educação, e de apresentar enquanto uma alternativa, uma opção, a mesma se constitui enquanto objeto pertinente para se proceder ao estudo das representações sociais que sobre ela se formam em determinados grupos sociais. É ainda possível acoplar uma outra característica ‘moderna’ à educação a distância. Esta modalidade da educação não se estruturou a partir de aulas dadas em classes presenciais, com a co-presença de alunos e de professores, com estes últimos a exercer a exposição dos conteúdos e a proceder à mediação dos mesmos para a aprendizagem pelos alunos. Ao contrário, um fundamento característico à educação a distância em sua origem é o contato direto e próprio do aluno com os conteúdos de referência e com as atividades de aprendizagem que pode desenvolver para se chegar à apropriação do conhecimento pretendido. É possível, portanto, alinhavar uma similaridade entre a metodologia da apropriação direta do aluno a partir dos conteúdos e atividades de aprendizagem com as propostas de autonomia e de aprendizagem pelo uso de métodos educacionais, como se percebe na longa trajetória da Era Moderna, como no percurso de fé apregoado por Lutero no século XV, pelo incentivo à observação e à descoberta como proposto por John Locke, Giordano Bruno e Galileu Galilei; e, principalmente pela importância de aprender a aprender, destacada por Comênius no século XVI como um requisito para uma educação emancipadora.

7 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A CIBERCULTURA : UMA