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A fundamentação do posicionamento de Joaquim Nabuco contra a escravidão se estruturou primordialmente através de argumentos tomados à Economia Política Clássica. Embora ele demonstrasse ter conhecimento de alguns economistas ingleses e escoceses200, foi junto aos franceses que buscou os principais argumentos de natureza moral e econômica para fazer a crítica à escravidão brasileira. Nunca é demais lembrar, para o pensamento econômico clássico, a moral era um elemento intrínseco ao sistema econômico e refletia diretamente seus acertos e seus erros.

O motivo da filiação de Nabuco à vertente econômica francesa está relacionado diretamente ao modo como os economistas deste país formulavam suas teorias econômicas. Se do lado inglês, o pensamento econômico, a partir dos anos 1870, mais precisamente com Marshall, passou por significativas mudanças conceituais e até mesmo epistemológicas, do lado francês, em linhas gerais ele permaneceu praticamente o mesmo até o início do século XX. É certo que Nabuco, nos anos 1880, também poderia chamar em seu socorro os economistas clássicos ingleses, como, aliás, o fez com Cairnes, citado em uma epígrafe de O Abolicionismo. Mas, provavelmente, sua preferência pelos franceses pode ser explicada pela maior proximidade destes com o tema da escravidão, ou melhor, com a crítica constante à escravidão, e até mesmo pela militância que eles desenvolveram nesse assunto201.

A fim de entender as mudanças que afastaram os pensadores ingleses do tema da escravidão é preciso considerar que a Political Economy dos ingleses transformou- se em Economics, numa clara alusão ao sufixo que precedia o nome da ciência natural que lhes serviu de modelo, a Física (Physics). A mudança aqui não era apenas de

200 Na obra de Nabuco até o período da abolição é possível encontrar referências a Thomas Malthus,

Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Richard Cobden e John Elliott Cairnes – este provavelmente o último dos economistas políticos ingleses. Em Minha formação Nabuco conta que, quando jovem, estudara Adam Smith por intermédio de seu professor Tautphoeus. Para uma apreciação das fontes mais utilizadas por Nabuco, ver ROCHA, Antonio Penalves. Abolicionistas brasileiros e ingleses, p. 72.

201 Quero agradecer ao Prof. Antonio Penalves Rocha por ter me chamado a atenção para a proximidade

nomenclatura, mas expressava uma preocupação epistemológica. Ao se eliminar a “Política” da expressão e dos propósitos da Economia, desejava-se afirmar que esta se consolidava como uma ciência, e se afastava das indeterminações e das inconstâncias daquela. Além disso, desejava-se que a Economia se aproximasse ainda mais da matemática, notadamente com o intuito de chancelar a idéia de precisão e de autenticidade. É significativo, anota um comentador, que a partir de Marshall o termo “Economia Política” desaparece das grandes obras de Economia202.

Para os propósitos deste trabalho o que importa assinalar, entretanto, é que a passagem da economia clássica para a neoclássica se fundamentou sobre um novo paradigma analítico. Se o que comandava as análises clássicas era a formação do valor, ou melhor, o processo produtivo que criava valor, a partir da formulação da teoria da utilidade marginal o princípio da formação dos preços no mercado será aquele para o qual estarão voltadas as atenções dos economistas. A Economia, portanto, deixa de ser a ciência das leis sociais de produção e distribuição e passa a ser a ciência da alocação dos recursos raros e do seu nível global de utilização203.

Essa mudança de paradigma afetou a forma de a Economia entender o trabalho. Enquanto a Economia Clássica considerava o trabalho como fundamental para a formação do valor e a base para a sua análise econômica, a Neoclássica focava-se na utilidade e na raridade do produto como ponto central para a formação do preço e, conseqüentemente, para o funcionamento de todo sistema econômico.

A alteração operada pela Economia Neoclássica, ao desprezar o trabalho como o elemento basilar do sistema econômico, implicava a necessidade de considerar o bem-estar, isto é, o prazer como o princípio normativo último da Economia. Em outras palavras, mais prazer era ética e economicamente melhor do que menos prazer. É preciso apontar, entretanto, que a escolha do que geraria prazer e em que quantidade ficava exclusivamente a cargo do indivíduo:

202 FERNANDEZ, Alexandre. Des classiques aux néoclassiques. La naissance de l’économie politique.

Paris: Ellipses, 1997, p. 148.

203 Idem, p. 149-5; ver ainda HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 13ª ed. São Paulo:

“[...] o indivíduo isolado, atomizado, é o único juiz com capacidade para avaliar o prazer, a utilidade ou a preferência de um objeto, porque se presume que estes níveis de bem-estar dependam somente da relação entre o indivíduo e o objeto de consumo. Os desejos individuais, ponderados pelo poder aquisitivo do mercado, são os critérios últimos dos valores sociais”.204

Deste modo, desconsidera-se que os desejos individuais são, na realidade, produtos de um processo social e estão relacionados diretamente ao lugar que o indivíduo ocupa neste processo. Caso os economistas neoclássicos levassem em consideração esse fato, teriam necessariamente de reconhecer a existência de avaliações normativas de sistemas sociais e econômicos totalmente diferentes entre si e passíveis, portanto, de colocar em questão o princípio da utilidade marginal205.

Mas, ainda que a Economia Neoclássica tivesse praticamente invertido a forma de se analisar o funcionamento econômico, ela não pôde abrir mão do pressuposto da harmonia social, pressuposto indispensável tanto ao pensamento clássico quanto ao neoclássico. O equilíbrio social, que na Economia Clássica era obtido através do equilíbrio de classes, em que a mão invisível smithiana (ou a mão do soberano segundo os Fisiocratas) garantia a harmonia, passava a ser entendido, na Economia Neoclássica, como a soma dos equilíbrios individuais do consumo.

Todas essas alterações significaram um enfraquecimento da crítica dos economistas à escravidão. Uma vez que o trabalho deixou de estar no centro da teoria econômica, sua relevância para as análises diminuiu, decrescendo igualmente a preocupação com as formas de trabalho primitivas, especialmente a escravidão. Não era mais necessário, como fizeram Smith, os Fisiocratas e boa parte dos seus seguidores do século XIX, condenar o trabalho escravo como menos produtivo que o trabalho livre, já que a ênfase econômica se deslocara da produção para a demanda ou, em última análise, o consumo. Também não cabia mais a crítica à escravidão alegando que ela se apresentava como uma excrescência perante os direitos

204 HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Campus,

1982, p. 412.

naturais206. Para esta nova economia, não há mais necessidade de se preocupar com a

liberdade do indivíduo, entendida esta como um princípio, chancelado e requerido para a harmonia social, uma vez que fundado na ordem natural ou nas liberdades naturais207. Um exemplo claro dos novos procedimentos analíticos é dado por Schumpeter quando, ao comentar a questão do individualismo sociológico, bem ao seu modo irônico, mostra que as novas teorias emergiram apenas como um instrumento analítico: “o comportamento de uma dona de casa no mercado pode ser analisado sem que se entre nos fatores que o formaram”208.

Mas se Nabuco preferiu a Economia Política francesa à inglesa, o mesmo não pode ser dito quanto aos modos de ação de sua propaganda abolicionista209. A forma

como ele organizou meetings, comícios, jantares e debates foi muito similar à da campanha abolicionista dos ingleses, desencadeando no país uma modalidade de disputa política e ideológica até então pouco utilizada210.

206 Não se deve esquecer ainda que ao redor de 1870, quando nasce a Economia Neoclássica, a

escravidão já estava praticamente extinta no “mundo civilizado” e não se constituía mais num problema que merecesse uma atenção séria. De certo modo, o “trabalho livre” já fora difundido para quase todo o mundo ocidental, com exceção de Cuba e Brasil.

207 Aqui é necessário fazer uma observação importante. Embora seja perfeitamente possível conceber a

existência da noção de “ordem natural” no pensamento de Adam Smith, como, aliás, faz Guillaume Hasbach, é preciso apontar uma diferença essencial em relação à “ordem natural” dos fisiocratas. Smith, apesar de mencionar uma ou outra vez a idéia de “ordem natural” em sua obra A riqueza das nações (ver, por exemplo, v. 1, p. 324), no livro quarto desta mesma obra ele fala em “sistema de liberdade natural”. Aqui não se trata apenas de preciosismo terminológico, pois ao formular a expressão “sistema de liberdade natural” Smith procura fugir à noção de “ordem natural” dos fisiocratas, que comportava a presença do déspota. Aqui, neste trabalho, será sempre usada a noção de ordem natural. Cf. HASBACH, Guillaume. Les fondements philosophiques de l’économie politique de Quesnay et de Smith.

Revue d’Économie Politique, t. 7, 1893; SMITH, Adam. A riqueza das nações. Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 2 vols.

208 SCHUMPETER, Joseph A. História da análise econômica. v. 3. São Paulo: Fundo de Cultura, 1964,

p. 171-2.

209 Richard Graham salienta, apesar de não especificar nomes, a influência francesa que recaiu sobre o

pensamento de Nabuco: “seus pontos de vista sobre a escravatura têm suas raízes na orientação liberal de sua educação francesa e na crescente influência européia que permeava as cidades nas quais Nabuco viveu”. In GRAHAM, Richard. Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 151. Em passagem posterior Graham admite que os modos de ação que Nabuco imprimira ao movimento abolicionista brasileiro foram tomados aos ingleses, mas a referência teórica do seu abolicionismo foi herança francesa. Cf. Idem, p. 159. Ver ainda ROCHA, Antonio Penalves.

Abolicionistas ingleses e brasileiros, p. 89.

210 Antonio Candido aponta que foi somente durante a década de 60 do século XIX que oradores como

Teófilo Otoni, Saldanha Marinho e Pedro Luís foram “mais vezes à sacada, à praça, comunicar diretamente ao povo um teor bem mais elevado de forma e pensamento”. CANDIDO, Antonio.

Vale ressaltar, porém, que esses eventos não tinham como objetivo atingir as camadas populares, por assim dizer. Eles representavam uma forma de divulgação do movimento abolicionista, ou melhor, do modo de pensamento de um grupo abolicionista, do qual se destacava Joaquim Nabuco, em decorrência especialmente da visibilidade que sua atividade parlamentar ou política lhe facultava. Salvo raras exceções, representadas por comícios em bairros pobres do Recife durante a campanha eleitoral de 1884, Nabuco jamais se dirigiu ao populacho para difundir suas idéias ou angariar adeptos à sua causa. Ao contrário, ele sempre repeliu a intervenção da população naquilo que entendia como sua luta pelo fim da escravidão.

Sua maneira de atuar contra a ordem escravista era cautelosa e conservadora. Isso pode ser percebido em suas atitudes e estratégias, pois ele recusava terminantemente a trazer para a campanha abolicionista as pessoas livres pobres e, sobretudo, os ex-escravos e escravos. Por outro lado, tal recusa também refletia a falta de consenso e incapacidade das camadas dominantes de absorverem em seus projetos de nação o trabalhador nacional, especialmente o ex-escravo211, além, é claro, de ser

uma tentativa de controlar a evasão (fugas) dos escravos e de criar mecanismos que de algum modo direcionassem os egressos da escravidão para outras modalidades de trabalho212.

1. Por outro lado, Izabel Marson afirma que na década de 1840 o Recife já presenciara cenas de mobilização popular em meetings por ocasião da atuação praieira. Cf. MARSON, Izabel A. O império da

“conciliação”, p. 323, v. 2. Sobre os debates políticos que ganharam as ruas nos dois reinados, ver o artigo de José Murilo de Carvalho sobre os vários episódios que espocaram no Rio de Janeiro “As conferências radicais do Rio de Janeiro: novo espaço de debate”. In CARVALHO, José Murilo de (Org.).

Nação e cidadania no Império. Novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. Contudo, é inegável que a amplitude das intervenções de Nabuco alcançaram um público muito maior em relação aos eventos anteriores e o caráter assumido por essas manifestações excederam os limites dos interesses e das disputas regionais.

211 Cf. MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico, p. 52-4.

212 Yann Moulier Boutang sustenta que a gênese do trabalho formalmente livre e a sua preferência em

relação às diversas formas de trabalho compulsório deveu-se à tentativa de controle das fugas dos trabalhadores dependentes. Saliente-se que isto não ocorreu apenas na passagem da escravidão para outras formas de trabalho. A tentativa de controle das fugas se apresenta em todas as modalidades de trabalho, sejam elas escravistas, de servidão, de colonato, de assalariamento: “[...] o controle da fuga dos trabalhadores dependentes representa o elemento maior que presidiu o nascimento, a utilização e a substituição das diversas formas de trabalho não livre e está na gênese da proteção social e do estatuto do assalariado livre e protegido, tal como ele foi edificado no código do trabalho. [...] Toda a história da construção jurídica do contrato de trabalho pode ser relida como a difícil busca de garantias contra a ruptura do compromisso de trabalho da parte do dependente [...]”. Ver a respeito BOUTANG, Yann

No fundo, o que estava em questão nos anos 1880, segundo Maria Helena Machado, era a tentativa de um grupo de senhores e autoridades em se manter à frente de um projeto pacífico de extinção da escravidão, em que ao cabo os libertos tornar-se- iam ao mesmo tempo os receptores e os devedores das benemerências senhoriais, possibilitando a continuidade da exploração de uma mão-de-obra tutelada213.

Essa parece ser a mesma perspectiva adotada por Florestan Fernandes ao analisar a integração do negro à sociedade brasileira. Enquanto o escravo estava submetido aos poderes dos senhores, havia uma nítida preocupação em controlar o seu destino, uma vez que o futuro da lavoura e, conseqüentemente, o poderio senhorial estava diretamente relacionado ao domínio exercido sobre o trabalho escravo. Contudo, realizada a abolição, e o ex-escravo não integrando mais o horizonte de preocupações do senhor, ele é deixado à própria sorte, sem nenhum amparo legal.

“A preocupação pelo destino do escravo mantivera-se em foco enquanto se ligou a ele o futuro da lavoura. Ela aparece nos vários projetos que visaram regular, legalmente, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, desde 1823 até a assinatura da Lei Áurea, em 13 de Maio de 1888. [...] Com a Abolição pura e simples, porém, a atenção dos senhores volta-se especialmente para seus próprios interesses. Os problemas políticos que os absorviam diziam respeito a indenizações e aos auxílios para amparar a ‘crise da lavoura’. A posição do negro no sistema de trabalho e sua integração à ordem social deixam de ser matéria política. Era fatal que isso sucedesse”214.

Pode-se afirmar que, para Florestan, o estado de total dependência em que o negro vivia durante a escravidão foi reproduzido no período subseqüente à abolição, embora por outras vias. Se, como escravo, o negro estava subordinado diretamente ao senhor, após conquistar a sua liberdade, ele tornou-se verdadeiramente dependente de um sistema de interesses do qual não fazia parte.

Moulier. De l’esclavage au salariat. Économie historique du salariat bridé. Paris: PUF, 1998, p. 16 e segs.

213 Cf. MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico, p. 82.

214 FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São Paulo: Faculdade de

“O negro, como escravo, liberto ou homem livre e semilivre, esteve excluído, na qualidade de agente histórico, do desencadeamento da revolução burguesa; o mesmo não acontecia com a escravidão, que foi um dos eixos em torno do qual se processou a acumulação do capital mercantil. Por isso, a protagonização histórica do processo ficou nas mãos do fazendeiro e do imigrante”215.

Em outras palavras, aquilo que estava especificamente em disputa no Brasil era a forma de circunscrever as reivindicações das camadas livre e pobres da população, principalmente a dos ex-escravos, ou de impedir que eles tomassem parte no movimento abolicionista e, por conseguinte, na modelação da nova ordem. Como muito bem apontou Maurice Dobb a propósito dos elementos contraditórios presentes nas revoluções burguesas:

“embora essa revolução requeira o ímpeto de seus elementos mais radicais para executar sua missão emancipadora até o fim, o movimento se destina a perder grandes parcelas da burguesia assim que surgem tais elementos radicais, precisamente porque os últimos representam o homem pequeno e despojado, cujas próprias reivindicações põem em questão os direitos da propriedade em grande escala216.

Em resumo, o panorama da atuação de Nabuco era delimitado pelos seguintes elementos: em primeiro lugar, pelos argumentos econômicos, políticos e morais da Economia Política, que eram utilizados para sustentar a crítica à escravidão; em segundo lugar, pelas estratégias de convencimento e de publicização da questão, que fora tomada aos abolicionistas ingleses; e, por último, por um projeto político delineado em linhas gerais segundo os interesses da classe dominante brasileira, projeto este que se preocupava em garantir, ainda que sob a forma do trabalho livre, o poder econômico e decisório que esta classe obtivera durante o regime escravista.

215 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado. Quatro ensaios sobre o “poder institucional”. 2ª ed. São

Paulo: Hucitec, 1977, p. 30. Para uma descrição pormenorizada dessa interpretação, ver FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, especialmente o capítulo 3.

O texto A escravidão, escrito por Nabuco em 1870, ainda que não tivesse sido publicado durante a vida do autor nem contribuído diretamente na luta ideológica contra o escravismo é um ótimo exemplo da utilização dos argumentos da Economia Política para criticar a escravidão. Nessa obra, o autor cita o Journal des Économistes, que naquela época foi um órgão importante de difusão do pensamento liberal e da Economia Política na França217. Nabuco cita também Gustave Molinari (1819-1912), um

economista belga radicado e formado em Paris, que em várias de suas publicações teceu severas críticas contra a escravidão. A citação – na verdade, uma tabela sobre o tráfico – refere-se ao verbete esclavage, escrito por Molinari, para o Dictionnaire d’Économie Polítique, de 1852-3218. Tais menções por si só já demonstram uma proximidade do jovem Nabuco com a ideologia liberal e com os preceitos da Economia Política, pois tanto o jornal quanto o dicionário cumpriam a tarefa de difundir e vulgarizar os princípios mais importantes dessa ciência. E Nabuco cita essas obras numa nítida referência à autoridade do autor e da publicação.

Obviamente, ele não se limita a tais referências. Tratando-se da Economia Política, o principal argumento contra a escravidão, apresentado por Nabuco no texto A escravidão, é o do direito natural. Segundo o autor, todo homem é portador de direitos, que são primeiramente originados da natureza e não da lei (positiva) e mesmo que o homem entre para uma sociedade qualquer, ele “não perde certos direitos naturais, primordiais”. O principal desses direitos é a liberdade e ele deve ser preservado em qualquer circunstância219.

Com essa argumentação Nabuco desejava desconstruir a noção até então muito corrente de que a escravidão era uma questão particular entre senhor e escravo, alheia à legislação do país220. Ao asseverar que o escravo também possuía direitos, ele

217 NABUCO, Joaquim. A escravidão, p. 74. A menção de Nabuco ao Journal des Économistes refere-

se ao depoimento do Dr. Cliffe, que descreveu as agruras do tráfico negreiro. Os economistas políticos utilizaram-se de todos os mecanismos disponíveis para a difusão da ideologia liberal de condenação do trabalho escravo. Em praticamente todas as publicações a que tinham acesso ou comandavam sempre havia uma crítica, até mesmo em formato de literatura ou poesia, à escravidão. Um bom exemplo disso estão nos periódicos com os quais procuravam vulgarizar a nova ciência da sociedade.

218 Cf. NABUCO, Joaquim. A escravidão, p. 68-9. 219 Cf. Idem, p. 47.

220 Vale lembrar aqui que a Constituição do Império de 1824 não reconhecia a existência de escravos.

enfraquecia a idéia de que a escravidão era simplesmente uma relação entre senhor e escravo, na qual o primeiro justificava seu poder através de princípios ou direitos. Com o argumento do direito natural, Nabuco buscava impugnar também vários argumentos utilizados secularmente para fundamentar a escravidão, como, por exemplo, o da guerra justa ou da escravização com propósitos “civilizacionais”, uma vez que assegurava para qualquer época ou local a imprescritibilidade e a inviolabilidade de um direito natural do homem e que, em hipótese alguma, lhe podia ser negado ou