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Outra linha interpretativa do pensamento de Joaquim Nabuco é mais recente e integra um conjunto de trabalhos cuja preocupação central parece consistir numa melhor definição do papel histórico desempenhado pelas classes subalternas nas lutas por seus próprios interesses. Além disso, essa corrente historiográfica efetua uma releitura do processo que culminou na abolição e procede a uma avaliação do papel desempenhado por alguns dos nomes mais ilustres que participaram deste certame.

Não compartilhando da visão historiográfica apresentada anteriormente, por acreditar que ela teria atribuído um poder heurístico muito grande ao desenvolvimento das forças produtivas e ao poder econômico, desprezando o caráter histórico das lutas populares, do papel do escravo no decorrer do movimento abolicionista e da importância das teorias racialistas na configuração ideológica do final do Império, essa nova série de trabalhos procura revelar as várias formas de resistência empregadas pelas camadas populares, no caso, escravos e homens livres pobres, tanto para se opor à violência de que eram vítimas e burlá-la, quanto para buscar espaços de

sociabilidade e de disputa de poder. Mas, acima de tudo, procura reavaliar as interpretações que apresentaram a abolição como passo decisivo para a modernização do país, como se ela tivesse se tratado simplesmente de mais um movimento no tabuleiro do desenvolvimento capitalista. Enfim, pode-se dizer que essa nova corrente interpretativa, que ainda carece de uma síntese consistente, teve o mérito de valorizar alguns elementos considerados até então como secundários para o entendimento do período. Ao fazê-lo, ela está mostrando que o critério que preside a escolha do que deve e do que não deve ser considerado como relevante muitas vezes está mais relacionado ao referencial teórico utilizado na análise que propriamente aos fatos históricos do período estudado. Por último, essa nova linha interpretativa tem o mérito de destacar situações que as grandes sínteses econômicas, principalmente as de filiação marxista, não deram conta de explicar.

Nessa nova perspectiva, Nabuco não é mais visto tão somente como o grande intérprete da escravidão no Brasil ou como quem soube analisar os avanços do liberalismo e percebeu os desafios que eram lançados ao país no que dizia respeito à necessidade de modernização das formas de produção e das relações sociais. Além de ser visto como um dos grandes responsáveis pela feição que a abolição assumiu no Brasil, ele surge como um abolicionista que, embora buscasse efetivamente a libertação dos escravos, procurava, em primeiro lugar, preservar o status quo dominante, não colocando verdadeiramente em questão a destruição da estrutura social hierarquizada e espoliadora, montada pelo regime escravista. Outro ponto caro a essa nova linha interpretativa, e que sempre foi mitigado ou considerado como irrelevante pelas vertentes anteriores, é o racialismo de Nabuco75. As suas afirmações sobre raça deixaram de ser entendidas como irrelevantes para a compreensão de sua obra, como se fossem meros deslizes ou próprias ao contexto histórico e até mesmo ao jargão

75 Ao se falar de racismo no século XIX corre-se sempre o risco de anacronismo ou de grandes

confusões, pois muitas foram as variantes da concepção racial. No início daquele século, a primeira acepção do verbete raça é casta, conforme se pode ler em SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da

Lingua Portugueza. Lisboa: Typographia Lacérdina, 1813. Por volta de meados do século a concepção de raça biológica passa a prevalecer, embora também convivesse com uma outra, que via na raça mais um fator histórico ou até mesmo político, que propriamente biológico ou social. Daí alguns autores preferirem a expressão racialista à racista para descrever principalmente a filiação de indivíduos a concepções científicas que defendiam uma hierarquia racial. Esse assunto será melhor detalhado mais à frente.

terminológico da época; ao contrário, elas passaram a figurar como um dos elementos mais relevantes para a compreensão de suas propostas antiescravistas.

Nesse sentido, foi sendo construída outra interpretação sobre os motivos que, de fato, concorreram para a elaboração tanto de suas propostas para acabar com a escravidão quanto sobre a forma de se encaminhar a luta pela abolição. A partir desse novo ponto-de-vista, começou-se a sustentar que suas propostas decorreriam, por assim dizer, mais de uma necessidade premente em resolver questões que estavam pondo em risco a sobrevivência econômica e política dos grandes proprietários de terras e de escravos – ou dos donos da riqueza acumulada, para usar uma expressão própria de Nabuco – que a real preocupação com a liberdade e o futuro dos escravos. Diferentemente da interpretação originada nos anos 60 na USP, fruto de um grupo muito coeso, essa releitura de Nabuco foi sendo elaborada por pesquisadores de várias universidades. Entre eles, pode-se destacar Celia Maria Marinho de Azevedo, Maria Alice Rezende de Carvalho, Maria Helena Machado, Izabel Andrade Marson e Antonio Penalves Rocha.

Celia M. M. de Azevedo, em um artigo chamado “Quem precisa de São Nabuco?” afirma que poucos personagens da história brasileira, “definidos como heróis, conseguiram resistir à ação corrosiva e maléfica do tempo”, tal como fora formulada inicialmente. Um desses personagens seria Joaquim Nabuco76. Ao propor uma revisão de sua figura, Celia Azevedo adverte que não se trata de desconstruir a imagem de um homem público e íntegro, mas de reavaliar seu papel na história. Nesse sentido, a autora defende que é necessário “descanonizar” as imagens produzidas pela historiografia tradicional a respeito de Joaquim Nabuco, imagens estas que ainda hoje permanecem presentes nas leituras que se fazem da obra do abolicionista77. Nesse sentido, Celia afirma que é preciso considerar os documentos históricos – no caso, os textos de Nabuco – de modo dessacralizado, ou seja, faz-se necessário investigar as asserções sobre raça, tão comuns em seus textos, e não apenas escamoteá-las ou

76 AZEVEDO, Celia M. M. de. Quem precisa de São Nabuco?, p. 87.

77 Do artigo de Azevedo é impossível aferir se o epíteto de santo que ela aplicou a Nabuco tenha alguma

relação com o dos abolicionistas religiosos ingleses da primeira metade do século XIX, pois, como nos informa Eric Williams, estes foram jocosamente apelidados de “os Santos”, em virtude do caráter quase religioso a que elevaram o sentimento antiescravista na Inglaterra. Ver Capitalismo e escravidão. Rio de Janeiro: Americana, 1975, especialmente o capítulo 11, “Os ‘santos’ e a escravidão”.

tomá-las como produto de deslizes conceituais; do mesmo modo, seria conveniente retraçar as imagens que Nabuco construiu do escravo e da “superioridade” da raça branca ou caucasiana em relação à africana. Segundo a autora, cujo texto pode ser considerado como um programa de pesquisa, Nabuco, em sua atuação antiescravista, nunca perdera de vista os interesses da “nossa raça”, ou seja, daquela à qual ele supunha pertencer. Esses interesses merecem, portanto, ser investigados, assim como merece um olhar mais atento dos pesquisadores a provável divergência entre os interesses da “raça africana”, ao ser emancipada, e os interesses senhoriais. No fundo, como resume Celia Azevedo, sua intenção é incentivar uma leitura de Nabuco, sem saudades de Nabuco.

A mesma autora, numa outra obra, Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada, embora admita que André Rebouças e Joaquim Nabuco “chegaram a propostas mais radicais, defendendo uma reforma agrária de modo a garantir o direito de propriedade para as pessoas sem terra”, reconhece que

“Diferentemente dos abolicionistas americanos dos anos 1860 que perceberam que a integração dos ex-escravos na sociedade americana dependia da conquista de direitos políticos e civis, os abolicionistas brasileiros dos anos 1880 não iriam além da bandeira de se alcançar nada a não ser a liberdade para os escravos libertados. [...] Devido às circunstâncias criadas pelos próprios escravos, a transição deixou de ser uma palavra chave para os abolicionistas. Assim, o abolicionismo simplesmente se extinguiu em meio às muitas comemorações de rua, festas públicas e banquetes que se seguiram à assinatura da lei no Parlamento”78.

Complementando essa análise, Azevedo lembra que o próprio Nabuco reconhecera em Minha formação que o abolicionismo brasileiro morrera com a Lei Áurea, talvez porque o ataque do movimento tenha recaído sobre o privilégio e a injustiça, mas não trazia consigo a “profundidade moral” do abolicionismo inglês nem

78 AZEVEDO, Celia M. M. de. Abolicionismo. Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século

cuidava de inserir em suas campanhas medidas sociais que beneficiassem os libertos79.

Outro trabalho que pode ser inserido nessa mesma perspectiva historiográfica, que revê a imagem construída pelo próprio Nabuco (e acampada por boa parte da historiografia) a respeito da escravidão e do abolicionismo é O império da “conciliação”, de Izabel Andrade Marson80. Segundo esta autora, Nabuco, em sua atuação

abolicionista, soubera apropriar-se das principais teses e reivindicações tanto de seus adversários políticos quanto de movimentos sociais anteriores, como foi o caso da Revolução Praieira. Entretanto, fizera questão de construir a imagem de que somente o abolicionismo representava de fato a verdadeira revolução, embora desprezasse qualquer ação que trouxesse a lembrança de uma “vertigem” revolucionária81. Tal tática lhe permitira assim um domínio sobre a memória e a história, pois selecionava aquilo apenas que lhe importava e ainda ensinava como deveria ser lido.

“Ali [na política pernambucana dos anos 1840-50] estavam já sistematizadas idéias que se tornariam recorrentes no debate político: a “política da conciliação”, a proposta de supremacia da Câmara sobre o Senado, o sufrágio universal, a crítica à centralização e ao monopólio da aristocracia/oligarquia sobre o Estado, o princípio do federalismo e a proposta de “completar” a independência brasileira; o empenho em divulgar o verdadeiro liberalismo, o laissez-faire, a crítica aos correspondentes, a lei agrária, o imposto territorial, a formação da classe média, a reeducação política das elites e dos proletários, a idéia de construir um partido que, superior aos existentes, estivesse preocupado tão somente com a nação e o bem comum. Ainda, o tema mais contundente – a proposta de uma reforma/revolução – era, em 1840, disputado tanto pelos liberais/praieiros, quanto pelos conservadores. [...] Todavia, Nabuco incluiu neste tema uma proposição específica de seu presente, não tocada na década de 1840 – a abolição do cativeiro o mais imediato possível e sem indenização, proposta que

79 Cf. Idem, p. 202.

80 Originalmente esta obra foi uma Tese de Livre-Docência, defendida na Universidade Estadual de

Campinas, cujo título completo é: O império da “conciliação”. Política e método em Joaquim Nabuco – a tessitura da revolução e da escravidão. Campinas, 1999, 2 vols. Posteriormente, com algumas alterações, veio a ser publicado com o título: Política, história e método em Joaquim Nabuco. Tessituras da revolução e da escravidão. Uberlândia: EDUFU, 2008.

imaginou ‘conciliar’ adeptos de todos os partidos. Para isso, ele transformou a abolição da escravidão no ‘verdadeiro’ sentido da reforma/revolução social, minimizando outras significações estabelecidas e conquistadas no passado instrumentalizado...”82.

Só que, como alerta a autora, todas essas propostas, que Joaquim Nabuco encampou durante a campanha pelo fim da escravidão, nunca eram apresentadas em conjunto, ou melhor, nunca apareciam sistematizadas harmonicamente, seja em seus discursos ou escritos. Elas sempre eram lançadas de modo fragmentário, quase sempre ao sabor das circunstâncias e das ocasiões. Esse fato, por si só, já deveria lançar dúvidas sobre a viabilidade e a possibilidade da real efetivação de tais propostas, além de sugerir que o seu poder de convencimento derivava da forma fragmentária de como eram apresentadas.

Além de chamar a atenção sobre a inconsistência das idéias e propostas de Nabuco, provavelmente Izabel Marson tenha sido a primeira intérprete a colocar em suspeição o caráter de veracidade de tais propostas. A autora nos lembra que elas geralmente foram apresentadas em campanhas eleitorais, por exemplo, quando ele concorria ao cargo de deputado por Pernambuco. Entre a maioria dos estudiosos de Nabuco praticamente inexistem ressalvas ou dúvidas a respeito do caráter autêntico ou não das propostas que integram seu projeto antiescravista, propostas essas lançadas quase sempre em comícios, encontros e disputas eleitorais.

Izabel Marson, após destacar o caráter fragmentário e colocar em suspeição a veracidade de suas propostas, procura então compreender a lógica que rege o funcionamento desse expediente:

“[...] as soluções concretas que compõem o programa abolicionista não aparecem juntas, expostas com objetividade, nem num mesmo texto, nem numa mesma circunstância da campanha eleitoral abolicionista de 1884: no livro, na conferência ou no

meeting. Pelo contrário, ou são tratadas genericamente, ou vão sendo desdobradas, gradativa e separadamente, dependendo do interlocutor imediato, primeiro no livro e depois a cada um dos pronunciamentos diante dos eleitores do Recife. Tal evidência

sugere que estas soluções resguardavam problemas e que seu poder de convencimento provinha, justamente, de sua fragmentação”83.

O procedimento de expor as idéias ou propostas de forma fragmentária e de acordo com as circunstâncias é mais uma vez confirmado, segundo Izabel Marson, na Circular aos eleitores, publicada no Jornal do Recife a 26 de maio de 1885. Tendo sido impedido de assumir seu cargo de deputado, em decorrência de um incidente durante a apuração, quando da disputa de 1884, Nabuco novamente se submete ao eleitorado, num novo escrutínio em 1885, mas o faz por um outro distrito eleitoral, reduto de senhores de engenho e de proprietários rurais. Por essa ocasião, o candidato não renunciou a seus propósitos abolicionistas, mas também não sustentou temas polêmicos que fizeram parte da campanha de 188484. Enfim, ele se comportou

pragmaticamente como um político em busca de votos, provavelmente como também procedera em toda a campanha eleitoral de 1884.

A seguir, Izabel Marson destaca a contradição/inviabilidade presente no projeto abolicionista de Nabuco. Um dos casos, por exemplo, referia-se à dificuldade de concretização da pequena propriedade, fato que denunciava um traço estrito de programa eleitoral, uma vez que os pequenos proprietários rurais não teriam como arcar com seus custos, nem com os trabalhadores livres, nem com a própria terra85. Em

outro caso, a autora alerta para as contradições até mesmo teóricas que envolviam as propostas de Nabuco:

“A dificuldade de associação das propostas pode ser testemunhada nas contradições existentes nas suas determinações específicas. A primeira, referendando o mais genuíno dos fundamentos liberais, visava suprimir os privilégios de um monopólio sobre o trabalho e a terra e estimular a livre concorrência e, somada ao cancelamento do sistema de apólices, restringir a presença do Estado na economia. Mas, ao recusar a indenização, implementava um confisco da propriedade privada, procedimento inédito na resolução da questão servil, pois a Inglaterra, a França e mesmo Cuba haviam

83 Idem, v. 1, p. 167. 84 Cf. Idem, v. 2, p. 328-330. 85 Cf. Idem, v. 1, p. 170.

encontrado formas de ressarcir os proprietários. Apenas nos Estados Unidos, em virtude da guerra civil, não fora providenciado nenhum expediente para cobrir os custos da emancipação. Já a lei agrária tinha um sentido também inaceitável para os princípios liberais. Ao impor um tributo sobre a propriedade da terra, para impelir seus legítimos proprietários a negociá-las, franqueava a interferência do Estado no direito de usufruto da propriedade. Portanto, tais medidas dificilmente poderiam convencer, especialmente aos proprietários, publico preferencial do Abolicionismo”86.

Essa estratégia de fragmentação impedia que se formasse um panorama integrado de todas as medidas e se avaliasse o seu alcance, assim como suas possíveis contradições. Deste modo, Nabuco procurava agradar a todos, ou melhor, esforçava-se por não indispor um grupo contra o outro e convencê-los a aderir às idéias abolicionistas. Lançando inúmeras propostas, mesmo que sem coerência entre elas, como era o caso de sua defesa da propriedade privada ao mesmo tempo em que lutava pela abolição sem indenização, ele se esforçava por conciliar as opiniões mais divergentes. Hoje, talvez se possa afirmar que este foi um dos seus objetivos mais perseguidos e conscientemente executados.

Vê-se, portanto, que a leitura detida das propostas abolicionistas de Nabuco gera, no mínimo, fortes dúvidas sobre a plausibilidade de seu projeto de nação, assim como sobre as suas medidas para diminuir os efeitos da escravidão. Tomá-las ao pé da letra, como tem acontecido com boa parte da historiografia brasileira até agora, pode representar uma armadilha, pois escamoteia inconsistências teóricas e práticas, além de dificultar o entendimento sobre os reais objetivos visados com a abolição.

Outra atitude de Nabuco, passível de discussão, e que está sendo revisitada por essa nova vertente historiográfica, é a sua recusa de contar com a participação popular na campanha pelo fim da escravidão. Até recentemente, conforme apresentado mais acima, parte da historiografia a entendia como uma medida prudente e teoricamente coerente, pois a ignorância política das camadas populares acabava por impedir qualquer organização e participação política eficaz; essa recusa também se justificaria

no caso da exclusão dos escravos, uma vez que estes não conseguiam pensar nada além do que a mera liberdade.

Entretanto, como bem notou Maria Helena Machado em seu livro O plano e o pânico, o movimento abolicionista formado por pessoas de extração social mais baixa, representado por figuras distantes da disputa parlamentar, longe do círculo das elites, mas próximas das camadas mais pobres da população e das senzalas, traduzia uma realidade política nova. Essas figuras abolicionistas, quase sem rostos e muitas vezes à margem da história rompiam os “códigos de comportamento político, que desde sempre haviam restringido as disputas e diferenças sobre os destinos do país aos estritos círculos das elites”87.

A partir dessas considerações de Maria H. Machado, torna-se mais fácil compreender a constante preocupação de Nabuco em não incluir na campanha abolicionista nem os escravos nem a população pobre; torna-se compreensível também a distância que ele insiste em manter em relação aos grupos abolicionistas mais exaltados, que lançavam mão de expedientes condenáveis aos olhos da elite política e econômica, como passou a existir em meados dos anos 1880 pelo interior das Províncias.

Essa obstinada recusa, da parte de Nabuco e de alguns de seus companheiros, entre eles o próprio André Rebouças, em não envolver os escravos diretamente na campanha abolicionista e em não opor uns aos outros os diversos grupos divergentes, interessados na manutenção ou destruição do sistema escravista, repousa certamente numa repulsa a qualquer possibilidade de convulsão social, ou, noutras palavras, de revolução e rompimento de uma tradição. Ou seja, ao mesmo tempo em que Nabuco é apontado como um dos principais propugnadores daquela que foi responsável por uma viravolta social no Brasil – a abolição –, ele também é visto como um defensor ferrenho da continuidade da tradição reformista do Império.

Maria Alice Rezende de Carvalho, ao comentar a autobiografia de Nabuco, aponta precisamente para a preocupação reformista do abolicionista:

87 MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da abolição. Rio de

“[...] o programa político implícito em Minha formação consiste na defesa do tema da continuidade, no elogio à tradição reformista do Império, em visível oposição à revolução republicana, cuja perspectiva era a do rompimento com o nosso passado, visando a invenção de um outro Brasil”88.

Segundo a autora, diferentemente do que alguns críticos afirmam, o programa político de Nabuco, que se encontra expresso em Minha formação, é passível de ser discernido já durante a campanha abolicionista. Não é sem outro motivo que ele se opõe a qualquer perspectiva revolucionária e a qualquer possibilidade de ordenação social do país que não passasse pelo modelo da civilização ocidental. A missão dos abolicionistas responsáveis era, na perspectiva de Nabuco,

“[...] a de conciliar a obra popular, isto é, tudo o que havia sido construído no Brasil, o grande legado da raça negra, com o movimento universal da razão que animava a cultura letrada e, desse modo, promover o desenvolvimento nacional em sintonia com os países centrais, economizando uma revolução”89.

Nessa perspectiva, tem-se em Nabuco um pensador conservador, que se negava a admitir a participação popular não por que o povo se mostrava incapaz de