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O primeiro trabalho de Nabuco sobre o escravismo foi o texto A escravidão, escrito em 1870124, quando ainda era estudante de Direito no Recife. Nessa obra Nabuco utiliza indistintamente os termos abolição, com suas variantes, e emancipação, contudo nunca explicita claramente o que entende por ambos: “[...] neste ensaio só pretendemos contribuir para consolidar a emancipação na razão de nosso esforço e trabalho”125, ou então ao comentar a Representação de José Bonifácio: “O projeto, hoje,

que a questão chegou ao seu prazo fatal de resolução não é adequado a imperiosas necessidades da emancipação: nele mesmo não se trata desse intento. É antes uma lei regulamentar dos direitos do senhor sobre o escravo que uma lei abolicionista”126. Em suma, é impossível diferenciar emancipação e abolição em A escravidão, assim como avaliar a forma que ele entendia adequada para o encaminhamento de qualquer uma delas, até porque a parte do livro em que seria esperado que ele tratasse mais pormenorizadamente deste assunto, ao que se sabe, nunca foi escrita.

Entretanto, pode-se supor que naquela época Nabuco não se alinhava com a idéia de abolição imediata, incondicional e sem indenização127; era provável que ele pensasse numa emancipação com prazo determinado e com indenização aos

124 O texto A Escravidão foi projetado em três partes: “O crime”, “A história do crime” e “A reparação do

crime”, mas apenas as duas primeiras foram escritas. É importante frisar que esse texto foi publicado somente após a morte de Nabuco. Numa de suas cartas a Sancho de Barros Pimentel, em 1883, há uma passagem interessante, em que chega a sugerir que seu próximo livro, O Abolicionismo, era uma espécie de continuação de sua obra de juventude: “Estou trabalhando num livro sobre a escravidão. Ainda como me vias na Rua Nova! [quando moraram juntos no Recife] Foi morando com o Santos Melo, lembras-te, e contigo que comecei essa tarefa que não acaba nunca, de tornar a escravidão odiosa perante os próprios senhores”. NABUCO, Joaquim. Cartas a amigos, v. 1, p. 100.

125 NABUCO, Joaquim. A escravidão, p. 51. 126 Idem, p. 106.

127 Aqui não se está exigindo uma defesa de Nabuco a favor da abolição imediata, incondicional e sem

indenização. O que se pretende é distinguir o seu posicionamento sobre essa questão nos anos que antecederam o 13 de maio e mostrar como ele variou muito e somente assumiu o formato “radical” em meados dos anos 1880.

senhores, nada muito mais audacioso que isto, pois esse será seu posicionamento no início dos anos 1880128.

Já em sua autobiografia, publicada em 1900, ele faz menção àquilo que considera seus escritos abolicionistas da época em que era estudante: “Os meus [escritos abolicionistas] datavam da academia”129. Mas, infelizmente, essas breves passagens não permitem que se conheça nem que se avalie o teor de suas concepções antiescravistas na época de sua juventude. Provavelmente, quando era estudante, Nabuco escrevera outros tantos textos contrários à escravidão, como sugerem algumas de suas cartas. Tais textos deviam fazer parte de atividades de imprensa nos grêmios e associações estudantis; todavia, eles não são conhecidos130.

Afora o contato acadêmico com os argumentos contrários ao escravismo, Nabuco traduzia para seu pai, o senador José Thomaz Nabuco de Araújo, “documentos do Anti-Slavery Reporter”, que era o periódico oficial da British and Foreign Anti-Slavery Society131. A proximidade com este periódico, naquele momento possivelmente a fonte mais confiável de informações antiescravistas do mundo, com certeza lhe garantiu um contato maior com os procedimentos utilizados pelos britânicos mundo afora no

128 Sobre a questão da indenização, Nabuco é evasivo em seu texto: em certo momento ele chega a

afirmar que “sua liberdade [a dos escravos], no dia em que for reconhecida como um direito imprescritível, não poderá servir de caução aos proprietários da indenização”, mas logo a seguir, acrescenta: “esta [a indenização] é outra questão, como dissemos. O Estado pagará ou não, não discutimos agora esta tese”. In NABUCO, Joaquim. A escravidão, p. 49.

129 NABUCO, Joaquim. Minha formação, p. 197.

130 O que se sabe é que durante a juventude, fosse na Faculdade de Direito de São Paulo ou na do

Recife, onde completou o seu curso, Nabuco participou ativamente de órgãos e publicações estudantis, nos quais tratava especialmente de temas políticos, entre eles a escravidão. Esses centros foram importantes na difusão da ideologia liberal de matriz européia, principalmente francesa, através da disciplina de Economia Política, cuja cadeira fora implantada nas academias de Direito por intermédio do Visconde da Cachoeira. Ver a respeito EIRIZIRIK, Nelson Laks. “O liberalismo econômico e a criação das disciplinas de Direito Comercial e Economia Política”. In BASTOS, Aurélio Wander. Os cursos

jurídicos e as elites políticas brasileiras. Ensaios sobre a criação dos cursos jurídicos. Brasília: Câmara dos Deputados, 1978, p. 103-5. Ademais, a formação dos bacharéis brasileiros daquela época muito devia aos círculos de amizade, aos órgãos de imprensa estudantil, aos grupos políticos que giravam ao redor das academias. Tais núcleos favoreciam a circulação de idéias novas além de propiciar ambientes favoráveis à criação literária e ao pensamento político. Alguns estudantes souberam aproveitar tais oportunidades para compensar a precariedade da estrutura formal de ensino. Ver ADORNO, Sergio. Os

aprendizes do poder. O bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, especialmente as págs. 181-2 e 235-6. Ver também NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. 5ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, especialmente o Capítulo I, do 1º vol; NABUCO, Carolina. A vida de

Joaquim Nabuco. 4ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958, p. 23-4.

combate à escravidão, além de lhe colocar a par das discussões européias sobre essa questão, assim como das eventuais campanhas em andamento. Não se pode duvidar que Joaquim Nabuco conhecia e tinha acesso aos principais textos de crítica ao sistema escravista, assim como estava em plena sintonia com as formas de luta utilizadas na campanha contra a escravidão, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Uma boa prova dessa sintonia são as inúmeras referências de A escravidão sobre o andamento da questão no âmbito internacional, obra na qual Nabuco demonstra uma notável desenvoltura sobre o tema, mormente tratando-se de um jovem na casa dos vinte anos.

Outro episódio relevante dessa época foi a defesa que, em Recife, Nabuco fez de um “escravo” chamado Tomás, sobre o qual recaía a acusação de duplo homicídio. O julgamento chamou muito a atenção da imprensa e da população pelas circunstâncias do caso, pois estava em questão o interesse dos senhores, mas também o da justiça, uma vez que o negro era acusado da morte de um policial e de uma outra autoridade. Tomás já havia sido condenado à morte uma vez, antes de fazer sua segunda vítima. O promotor pedira então novamente a pena de morte para alguém que já havia sido condenado à mesma pena. Nabuco aceitou assumir o caso e, segundo sua principal biógrafa, sua oratória impediu a condenação máxima e permitiu que o réu fosse condenado a galés perpétuas. Esse episódio, ao mesmo tempo que angariou muitas simpatias a Nabuco, trouxe-lhe enormes desavenças132.

Mas esses fatos ainda não esclarecem nem fornecem revelações suficientes a respeito do teor do antiescravismo de Nabuco durante sua juventude. Há, entretanto, uma carta sua de 1870 na qual, entusiasmado, ele se dirige ao pai em termos pouco formais, donde se pode ver sua euforia para com a idéia de extinção da escravidão:

Meu querido pai,

Escrevo esta a Vm.cê para comunicar-lhe que gozo de saúde, que estudo muito,

e que vou bem, salvo o habitual spleen.

132 NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco, p. 34. Há também um breve relato do caso, feito pelo

Por aqui recebeu-se o Programa que promoveu geral entusiasmo, bem assim a carta de Vm.cê sobre a emancipação.

Há uma glória única que eu sonho para Vm.cê neste país. Quero que seu nome

esteja abaixo do decreto que acabar com a escravidão. Se Vm.cê for chamado ao

ministério aceite-o por dous dias para ditatorialmente extingui-la.

... Eu não sonho para Vm.cê outra glória senão a de Abraão Lincoln!!!

Será o maior dia de minha vida esse em que seu nome estiver debaixo de uma outra proclamação de 2 de janeiro.

Queira Vm.cê abençoar-me, e pedir à minha mãe que me abençoe também.133

Esta carta é um tanto enigmática, pois à primeira vista ela sugere o anseio de Nabuco em ver extinta imediatamente a escravidão por intermédio da ação de seu pai. José Thomaz Nabuco de Araújo seria, portanto, o Lincoln brasileiro. Mas sendo fiel ao texto, a rigor, não se pode afirmar isto. O desejo de ver seu pai como o responsável pela extinção da escravidão pode muito bem significar um sonho de vê-lo como o responsável por uma lei de emancipação para daí a alguns anos134. Infelizmente o documento não permite ir mais além nesse assunto, já que dele não consta nenhuma menção sobre possíveis indenizações aos proprietários ou referências precisas a algum caráter particular que uma lei dessa envergadura devesse abarcar.

133 NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco, p. 31. A carta de Joaquim Nabuco a seu pai precisa

ser entendida no contexto da época. Naquele momento, terminada a Guerra do Paraguai, e instigado por instituições antiescravistas estrangeiras, o Governo brasileiro se propõe a discutir a reforma do “elemento servil” – reforma esta que originaria a Lei do Ventre Livre, de 1871. Nabuco de Araújo, encabeçando o Centro Liberal, que fora a primeira agremiação política a incluir o tema da emancipação em seu programa, era um dos cotados em 1870 para assumir o 24º Gabinete Ministerial. Provavelmente Nabuco se referia a essa oportunidade, que, no fundo, não se concretizara, pois o Gabinete coube ao Visconde de São Vicente. Mais tarde, em Um estadista do Império, Nabuco afirmará que seu pai “estava impossibilitado de aceitar o poder, porque se achava em condições precárias de fortuna, obrigado a trabalhar para saldar os compromissos contraídos na política”. Cf. NABUCO, Joaquim. Um estadista do

Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, v. 2, p. 820. Ver também Organizações e programas

ministeriais. Regime parlamentar no Império. 2ª ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1962, p. 157.

134 Mesmo a comparação entre seu pai e Abraham Lincoln não permite uma afirmação categórica de que

Joaquim Nabuco desejava uma abolição imediata, incondicional e sem indenização. Até porque essa comparação, se tomada ao pé da letra, sugere inúmeras dúvidas, dadas as reticências e os propósitos de Lincoln no encaminhamento da emancipação dos escravos nos estados e localidades rebelados nos Estados Unidos e seu acentuado escravismo, asseverado durante a maior parte de sua vida. Para uma apreciação dos impasses de Lincoln a respeito da proclamação da emancipação e dos seus posicionamentos pró-escravistas, ver FRANKLIN, John Hope; MOSS JR., Alfred A. Da escravidão à

Mas, após o período de estudos acadêmicos, uma vez que Nabuco não ingressara imediatamente na política, como soía acontecer com muitos dos jovens advogados, ele se dedicara então ao jornalismo, à literatura e, principalmente, às viagens. Em agosto de 1873 ele partiu para a Europa, de lá só regressando em setembro de 1874. Nesse período procurou travar contato com intelectuais, escritores e políticos famosos, cujas portas lhe foram abertas graças aos contatos advindos do círculo familiar. Ele próprio reconheceu posteriormente que “em 1873 [...] minha ambição de conhecer homens célebres de toda ordem era sem limites”135. De volta ao

Brasil dedicou-se aos assuntos políticos, mas, sobretudo, aos literários, angariando a amizade de Machado de Assis, um nome já consagrado. É dessa época a querela entre Joaquim Nabuco e José de Alencar. Aliás, o nome querela parece definir muito bem a disputa provinciana, pois os dois se engalfinharam na imprensa para avaliar até quem sabia mais francês.

Nos finais de 1876, ele partiu para sua segunda viagem e perambulou novamente pela Europa antes de ir assumir o posto de adido de legação em Washington, nos Estados Unidos, conquistado mediante o prestígio de seu pai. Mas em outubro de 1877, enfastiado com a vida que levava naquele país, obteve – graças novamente à intervenção paterna – uma remoção para a Inglaterra. Partiu então imediatamente para a Europa, a fim de servir em Londres junto ao Barão de Penedo – que se tornou um dos seus maiores amigos e confidentes, apesar da diferença de idade entre ambos. Em abril de 1878 retornou às pressas ao Brasil em decorrência do falecimento de seu pai.

De acordo com Nabuco, seu desejo naquele momento era de continuar integrando o corpo diplomático brasileiro na Inglaterra, contudo em virtude da ambição de seu pai e agora principalmente da de sua mãe, que queriam vê-lo um dia senador, compondo assim a quarta geração da família a ter representante naquela casa, aceitou participar da eleição de 1878, concorrendo a uma cadeira na Câmara dos Deputados136.

135 NABUCO, Joaquim. Minha formação, p. 37.

136 “Infelizmente quando pensava em partir para aí tenho que escrever-lhe para dar-lhe a notícia de que

tão cedo não o verei. Aqui vim tratar da minha candidatura, e apesar da muita traição, ingratidão e resistência que encontrei, eis-me afinal eleito deputado. Ao entrar na vida política sinto-me antes triste e desanimado do que alegre e cheio de esperança. Preferia achar-me descansando em Half-Moon Street, perto de Grosvenor Gardens [sede da Embaixada Brasileira em Londres], gozando da excelente

Tal empreendimento não lhe custara praticamente nada, uma vez que seu pai havia concertado previamente com o barão de Vila Bela, chefe liberal de Pernambuco, a sua candidatura. Vila Bela, após a morte do amigo, não se esqueceu da promessa, ao contrário, mobilizou todas as suas influências e enfrentou inúmeras oposições internas de seu partido no sentido de eleger o filho de Nabuco de Araújo137.

Apesar de toda a campanha ter sido realizada pelo Partido Liberal, Nabuco, numa sessão acadêmica no teatro Santa Isabel, no Recife, ainda sem muita experiência nos meandros políticos, expressou a preocupação que norteou toda sua carreira política: “a grande questão para a democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão”138. Com tal frase conseguiu atrair a raiva dos pró-escravistas de

Pernambuco e, concomitantemente, de boa parte dos integrantes de seu partido e de seus prováveis eleitores. Teve poucos votos, mas ainda assim entrou para a Câmara dos Deputados em último lugar.

Esse episódio, que pode ser alinhado à inexperiência do jovem político, talvez tenha outra explicação, que se acopla melhor à sede de nomeada que desde muito moço Nabuco nunca conseguiu disfarçar. Ele próprio mais tarde reconheceu que o período de seus arroubos juvenis, seus flertes com a poesia e com personalidades do mundo literário e político representaram uma fase de “lazaronismo intelectual”139. Ao que tudo indica, no momento em que ele entrou para a política, ainda estava bem presente em seu espírito o desejo de se destacar de algum modo – talvez uma necessidade de afastar a pesada herança da sombra paterna – pois, ao mesmo tempo que reconhecia seu diletantismo, afirmava que sentia necessidade de abraçar uma

companhia de sua casa”. Carta de Nabuco ao barão de Penedo, de 12 de setembro de 1878. In NABUCO, Joaquim. Cartas a amigos. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949, v. 1, p. 29. É óbvio que não se deve considerar literalmente as palavras de Nabuco, pois elas procuram dissimular sua ambição e transmitir um certo ar de desprendimento. De todo modo, naquele momento, parece ser certo que a morte de seu pai o afastava de uma vida mais desprendida, à qual ele tanto prezava. Os demais episódios aqui narrados da vida de Joaquim Nabuco foram extraídos de NABUCO, Joaquim. Minha

formação; NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco; VIANA FILHO, Luiz. A vida de Joaquim

Nabuco.

137 Cf. NABUCO, Joaquim. Minha formação, p. 174-5. 138 Idem, p. 176.

grande causa, que expressasse a paixão humana e se voltasse para o destino dos infelizes.

“[Eu tinha necessidade de] aproveitar a minha vida em qualquer obra de misericórdia nacional; ajudar o meu país, prestar os ombros à minha época, para algum nobre empreendimento. Nenhuma causa política, dados os elementos que descrevi, poderia causar-me esse entusiasmo, inspirar-me esses arroubos; a política seria sempre a emoção partidária, incerta, negativa, o temor de edificar desconfiado da solidez dos materiais e do terreno. Era preciso que o interesse fosse humano, universal; que a obra tivesse o caráter da finalidade, a certeza, a inerrância do absoluto, do divino como têm as grandes redenções, as revoluções da caridade ou da justiça, as auroras da verdade e da consciência sobre o mundo. No Brasil, havia ainda no ano em que comecei minha vida pública um interesse daquela ordem, com todo esse poder de fascinação sobre o sentimento e o dever, igualmente impulsivo e ilimitado, capaz do fiat, quer se tratasse da sorte de criaturas isoladas, quer do caráter da nação... Tal interesse só podia ser o da emancipação, e por felicidade da minha hora, eu trazia da infância e da adolescência o interesse, a compaixão, o sentimento pelo escravo – bolbo que devia dar a única flor da minha carreira...”140.

O ter abraçado a causa dos escravos, de acordo com suas próprias palavras, escritas quando fazia o balanço de sua vida, decorreu de um desejo de ser reconhecido como alguém que participou de uma obra grandiosa, de caráter universal, cuja envergadura da empreitada era capaz de marcar época e assim deixar registrado na história os nomes daqueles que concorreram para tal serviço. A sua entrada para a Câmara dos Deputados lhe proporcionou os meios de atingir seu sonho de glória ao lhe permitir a defesa da causa antiescravista.

Mas é fácil perceber que o novato deputado que, diga-se de passagem, ainda era uma pessoa bem jovem, pois contava tão-somente trinta anos, não dispunha de um projeto minimamente ordenado de intervenção política para afetar o sistema escravista. Embora houvesse se manifestado contrário à escravidão já durante a campanha eleitoral, contrariamente ao que disse em Minha formação, a adesão à causa

antiescravista não foi por ele planejada e se o fora, ainda carecia de meios e oportunidades para abraçá-la. Na verdade, a tal obra de “interesse humano e universal”, à qual dedicaria sua vida política caiu quase que gratuitamente em seu colo.

Excetuando-se o tempo em que ficou doente em decorrência de uma febre tifóide, enfermidade que lhe afastou por vários meses das sessões parlamentares, Nabuco demorou aproximadamente outros sete meses para proferir um discurso sobre o tema da escravidão. Embora já houvesse mencionado na sessão legislativa de 29 de abril de 1879, semelhantemente ao que fizera durante sua curta campanha eleitoral no Recife, que “o primeiro problema deste país é a emancipação dos escravos”141, sua primeira intervenção para tratar diretamente do tema da escravidão ocorreu apenas em 26 de agosto de 1879, numa denúncia da escravização ilegal a que estavam submetidos centenas de trabalhadores por parte de uma companhia de mineração, chamada São João d’El Rei, do Morro Velho142.

A rigor, até essa ocasião, ele ainda não havia tratado especificamente do tema da emancipação ou da abolição da escravidão na Câmara dos Deputados. Com essa denúncia, o deputado apenas exigia que se restituíssem à liberdade os negros da Companhia de Morro Velho, mantidos ilegalmente como escravos. Seus discursos imediatamente posteriores pouco ou quase nada contemplavam a questão da abolição. Em alguns deles limitava-se a mencionar aqui e ali algum aspecto que considerava

141 NABUCO, Joaquim. Discursos parlamentares. (Introd. de Gilberto Freyre). Brasília: Câmara dos

Deputados, 1983. (Perfis Parlamentares, 26), p. 89.

142 A denúncia apresentada por Nabuco contra a companhia de mineração se baseava num contrato feito

em 27 de junho de 1845, pela ocasião da aquisição de engenhos e terras de outra companhia, a extinta Cata Branca. Como o contrato foi celebrado em Londres, a lei inglesa de 1843, Anti-Slaveholding Act, não permitia a aquisição de escravos na Inglaterra, nem em outros países por súditos ingleses. Desse modo, o artifício utilizado foi a nova companhia adquirir por compra o direito que a extinta companhia tinha do aluguel dos serviços de seus escravos. Segundo o contrato, a aquisição do trabalho desses escravos se daria por um prazo de 14 anos, após o que seriam emancipados. Tal prazo se extinguira em