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A educação e comunicação intercultural – preconceito, exclusão social e pobreza

CAPÍTULO 5 – SOCIEDADE E CULTURAS

2. A S R ELAÇÕES I NTERCULTURAIS

2.1 A educação e comunicação intercultural – preconceito, exclusão social e pobreza

Actualmente, os fluxos migratórios inscrevem-se numa dinâmica populacional não só da Europa, como de todo o Mundo, sendo um reflexo da interdependência de relações políticas, económicas, sociais e culturais que se estabelecem entre as várias nações. Decorrente dos fluxos migratórios, surge o encontro de culturas e independentemente do tipo de migrações, as sociedades actuais acolhem grupos populacionais etnicamente diferentes, que emergem da sua culturalidade, da sua língua, aparência física, estilos de vida, hábitos, regras e normas de convivência

Quer a convivência entre os indivíduos seja breve ou prolongada, ela é feita de diálogo entre as culturas em presença, expressa na herança das suas tradições, na língua em que se exprimem e comunicam e nos valores e crenças que norteiam os comportamentos dos indivíduos.

A emergência de sociedades pluriculturais resultantes da globalização, em que o espaço e o tempo se reduziram, devido ao avanço das ciências e das novas tecnologias, veio permitir contactos e interacções culturais que se inscrevem no quotidiano das sociedades actuais, na medida em que estas relações interculturais fazendo parte intrínseca da “aldeia global” em que vivemos e estão presentes em todo o contexto social – económico, político, escolar, prisional, religioso, etc.

Assim, numa sociedade multicultural, onde coabitam várias culturas, surgem problemas que advêm da falta de diálogo, da compreensão e da abertura ao “outro” e à sua cultura. Se a pluralidade cultural não é um facto novo, o que é novo, é a forma de analisar e interpretar o relacionamento entre as culturas, na medida em que a sociedade intercultural insiste no respeito pelas identidades culturais e percepciona a diversidade como fonte de enriquecimento.

Para Ramos, “As problemáticas do domínio intercultural implicam o desenvolvimento, não só de competências individuais “do homem” que permitem interacções sociais harmoniosas entre os indivíduos e as culturas, mas igualmente o desenvolvimento de competências de cidadania, “de cidadão”, que tornam possível o funcionamento democrático das sociedades” (2001:156).

Para Abdallah – Pretceille (1999) as culturas são dinâmicas, isto é, susceptíveis de adaptação e de evolução, em função dos períodos, dos indivíduos e dos grupos. Para esta autora, as culturas desenvolvem-se a partir de fenómenos psicológicos, sociológicos, linguísticos e comunicacionais.

No entanto, o que verificamos é uma distância entre os modelos que explicam as culturas e as práticas do quotidiano. A multiplicação dos contactos e a rapidez das mudanças, sentidas no quotidiano têm ampliado e minimizado o processo de aculturação. É neste quadro que se situam as actuais formações culturais, as mestiçagens, etc.

Para Berry, (1980) cit. por Neto (1993) e Ramos (1993), há quatro possíveis modos de aculturação: Assimilação, Integração, Separação e Marginalização.

Segundo Neto, “Os contactos culturais directos originaram a aculturação como forma de mudança cultural suscitada pelo contacto com outras culturas” (1993:41).

Sendo um processo complexo, a aculturação varia de acordo com as conjunturas políticas, históricas, com os grupos em presença e também de acordo com os elementos que são portadores: a língua, as ideias, etc., podendo engendrar conflitos.

Por outro lado, a aculturação transforma as sociedades fechadas em sociedades abertas – o reencontro de civilizações, as mestiçagens e os cruzamentos são factores de progresso (Abou, 1981).

Nas sociedades, as mudanças culturais são particularmente notórias entre migrantes e grupos étnicos minoritários, que se adaptam, ou se “aculturam” à cultura maioritária, enquanto preservam ou modificam alguns aspectos da sua própria cultura.

Contudo, com a crescente diversidade cultural de grupos étnicos provenientes de vários pontos do globo, os países receptores têm assistido a uma transformação da composição social das sociedades da Europa Comunitária e originado problemas sociais diversos: preconceitos, atitudes discriminatórias e prossecutórias, situações de desfavorecimento económico, precariedade de emprego e social, marginalidade e fenómenos de xenofobia.

Os principais factores que podem dificultar o convívio intercultural são: o etnocentrismo e o relativismo cultural.

Segundo Cardoso, o etnocentrismo “é caracterizado pela tendência para julgar ou apreciar valores, atitudes, comportamentos e características dos outros grupos étnicos e tendo como referência características e pontos de vista da cultura do observador” (1996:15).

O etnocentrismo pode tomar diversas formas: etnocentrismo activo – que conduz a posições extremas, originando intolerância, xenofobia e racismo e o etnocentrismo passivo – limitando-se à interiorização das expressões mais simplificadas e mais elementares da representação social, que são os estereótipos e os preconceitos.

Com efeito, estes reflectem sobretudo as relações que se instauram entre os vários grupos sócio-culturais e são em grande parte induzidas pelas características dessas relações, servindo desta forma, os estereótipos, para justificar as relações existentes. Os estereótipos, ou seja o conjunto de crenças que se associam a grupos sociais são muitas vezes generalizadas de modo excessivo e frequentemente erradas.

Estas generalizações referem-se sobretudo a grupos étnicos e que são muitas vezes alimentados pela comunicação social, como nos refere Neto: “Por exemplo, no caso de um imigrante cabo-verdiano matar alguém, muito provavelmente menciona-se muitas vezes a sua nacionalidade. No caso de ser português que mate alguém, é um acontecimento menos particular, de modo que muito provavelmente raramente se evocará a sua nacionalidade” (s/d:32).

Para este autor, o recurso ao sensacional pode levar à forte correlação entre a nacionalidade do indivíduo e as tendências à violência e marginalidade

Numa perspectiva idêntica, Ramos refere que “Os estereótipos e os preconceitos podem constituir obstáculos à comunicação intercultural, quando escondem a realidade, as características dos indivíduos ou dos grupos de outras culturas ou subculturas através de generalizações abusivas, porque impedem as mensagens de serem bem recebidas ou emitidas e podem influenciar as percepções” (2001:168,169).

A uma entrevista à Magazine Domingo, do Jornal Correio da Manhã, Carlos Miguel, advogado e de etnia cigana, referiu que: “Aos olhos da lei um cigano não é tratado da mesma forma que um não cigano. Um cigano é tratado com indiferença e preconceito…Já assisti, ao nível dos magistrados, a preconceitos em relação a pessoas de etnia cigana…Vi nos tribunais Procuradores da República a alegarem, simplesmente pelo facto de um arguido ser cigano, que certamente ele cometera o crime, independentemente de se provar ou não o contrário. Isso é grave” (2003:42- 43).

Também o estudo realizado por Seabra e Santos, (2005) revela-nos que, apesar do acesso rápido e eficaz aos meios de comunicação, à cultura e educação, assiste-se, actualmente, a uma crescente associação entre imigração e criminalidade. Para estes investigadores, este preconceito é “injusto e falso”, como o demonstram na sua investigação.

Segundo os autores, não é coincidente o conceito de estrangeiro e de imigrante, na medida em que, no número de condenados estrangeiros há uma presença significativa de estrangeiros não imigrantes, nomeadamente de “correios de droga”, ou seja, pessoas sem residência ou profissão em Portugal que procuram introduzir droga no nosso país, normalmente numa viagem de curta duração.

Assim, com o recurso a metodologias de controlo da influência de diferentes variáveis que concorrem para explicar o fenómeno da criminalidade - tal como o sexo, a idade e a condição perante o trabalho – os autores calcularam um índice comparado de criminalidade e constataram que, em condições equivalentes de masculinidade, juventude e desemprego, a taxa bruta de criminalidade entre nacionais e estrangeiros tende a tornar-se equivalente.

Também os resultados deste estudo mostram como a população estrangeira é objecto de tratamento desfavorável em toda a fase do processo penal, desde a constituição de arguido, à pena de prisão efectiva e sua condenação. Para explicar este fenómeno, os autores apontam uma combinação dos seguintes factores: a indicação expressa do Código do Processo Penal para a manutenção em prisão preventiva de qualquer suspeito de nacionalidade estrangeira que se encontre em situação irregular em Portugal, pelo maior risco de fuga; crimes com molduras penais superiores a três anos (crimes relativos à droga); a situação de julgamento em que existe potencialmente um menor conhecimento do contexto cultural em presença; o recurso a defesas oficiosas; e possivelmente, a existência de alguma “discricionaridade” no sistema judicial.

Para além dos preconceitos e estereótipos, o relativismo cultural, contrapondo-se à atitude etnocêntrica, sugere que as características de uma cultura devem ser julgadas e apreciadas de acordo com pontos de vista e critérios inerentes à própria cultura e não com base em critérios valorativos estranhos e respeitantes a outras culturas.

As perspectivas relativistas podem conduzir à separação e à discriminação das minorias, com o argumento que elas são diferentes, têm a sua cultura e por conseguinte devem viver separadas.

Contudo, com o crescente processo de globalização, as sociedades são cada vez mais heterogéneas culturalmente, o que faz com que as identidades culturais não sejam “blocos homogéneos”, mas fenómenos dinâmicos atravessados por forças de assimilação e diferenciação, devido à mobilidade e à mistura de grupos sociais.

Assim, podemos dizer que a universalidade e o relativismo cultural constituem dois aspectos complementares de uma mesma problemática e traduzem simultaneamente a profunda unidade da espécie humana e a riqueza da sua diversidade.

Para Ladmiral o “movimento de descentração é reconhecer o outro como diferente e relativizar o seu próprio sistema de valores” (1989:142).

De facto, a tomada de consciência da sua própria identidade cultural, conduzirá à compreensão do outro e dos sistemas de valores e de normas dos outros indivíduos e grupos, através de uma pedagogia de relação intercultural. Correspondendo a uma verdadeira mudança ideológica, sociológica e educativa, a educação intercultural deverá ser “uma resposta metodológica e estratégica ao pluralismo cultural” (Abdallah- Pretceille, 1986:168).

Considerando a diversidade cultural um factor de enriquecimento e reciprocidade na convivência social, no campo específico das relações sociais em educação, esta diversidade cultural implicará a adopção de estratégias educativas, geradoras de processos de integração das minorias que compôem a sua população estudantil e de uma boa comunicação entre as famílias e a escola. As dificuldades que muitas crianças e jovens das minorias sentem no seu processo social escolar conduzem, ao seu insucesso e abandono escolar precoce.

Sobre o insucesso escolar nas crianças e jovens migrantes, Ramos (1993-a.558-589), refere: “(…) Este não pode reduzir-se ao problema linguístico e à qualidade de estrangeiro, mas depende também da pertença às categorias sócio-profissionais e económicas mais desfavorecidas. Com efeito, as crianças pertencentes a certas categorias desfavorecidas, sejam elas migrantes ou nacionais, são de algum modo “estrangeiras” ao meio escolar e estes factores têm, sem dúvida, consequências nos resultados e futuro escolar destas crianças” e aponta como causas do insucesso e desigualdades a “própria herança individual, cultural e social dos alunos, mas também ao próprio sistema organizacional e curricular, à formação, expectativas dos professores e à cultura dominante na escola” (2005:257).

As investigações conduzidas por Ramos, (1990, 1993 a e b) quer em creches, quer em jardins de infância, em Portugal e no estrangeiro demonstram como a escola pode ser um laboratório por excelência de inclusão de culturas, de aprendizagens e de partilha de saberes, integrando a diversidade, a especificidade e a uniformidade de culturas. Os filmes realizados por esta investigadora revelam-nos a importância da educação intercultural no seio das famílias e nas idades mais precoces. Desde muito cedo, a escola é apresentada como um espaço de culturas e de aprendizagens, possibilitando o emergir e a partilha de saberes, num crescendo enriquecedor de reconhecimento, de aceitação e de integração das diversidades culturais existentes.

As crianças e jovens que são normalmente oriundas de famílias destruturadas, numerosas e que sofrem de pobreza e exclusão social, não tendo o apoio psico-afectivo adequado no seio familiar e também escolar, sentem-se frustradas e marginalizadas o que vai originar um percurso de vida desorganizado, sem perspectivas de futuro, com

contactos sociais deficitários e conducentes ao mundo da droga, como demonstrou a nossa investigação.

Para compreensão e análise da realidade social e as prováveis interferências na relação de pobreza e exclusão social, B. da Costa (1998) refere que a noção de “pobreza” está contida na noção de exclusão social, que “consiste numa situação dinâmica de privação, por falta de recursos”. Assim sendo, o indivíduo desprotegido, pobre, não terá condições para “ganhar a vida através de um dos meios de vida correntes na sociedade a que pertence” (B. da Costa,1998:19).

Os factores de pobreza estão relacionados com a sociedade envolvente: falta de recursos económicos, discriminação, desemprego, baixa taxa de alfabetização, más condições habitacionais e aglomerados; com a caracterização da família são apontados factores ligados à falta de protecção e ausência de infância, abandonos, famílias monoparentais e também os aspectos relativos ao próprio indivíduo, como a sensação de dependência, inferioridade, de privação materna, baixo nível de aspirações e presença constante de violência (Carmo e Ferreira, 1998).

No que se refere à exclusão social, para B. da Costa (1998) os indivíduos ficam limitados aos vários “sistemas sociais básicos” como sejam os amigos, vizinhos, o trabalho e que conduzem à socialização e integração social do indivíduo. No aspecto económico, são apontados os “mecanismos geradores de recursos (no mercado de trabalho, os salários e na segurança social, as pensões); o mercado de bens e serviços (financeiro e créditos) e o sistema de poupanças” (B. da Costa, 1998:22).

Este autor também refere a exclusão social no domínio territorial e as perdas dos indivíduos excluídos “perda de identidade social, de auto-estima, de auto-confiança, de perspectivas de futuro, de capacidade de iniciativa, de motivações, do sentimento de pertença à sociedade” e como estes factores poderão conduzir a situações de alcoolismo, de mendicidade e de toxicodependência, reflectindo-se nos filhos a situação de pobreza, ou seja a uma situação de risco.