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CAPÍTULO 1 – A GÉNESE DA AFECTIVIDADE

2. A Vinculação

2.2 A etologia e o seu contributo na génese da vinculação

Etólogos como Lorenz (1935) e Harlow (1958) estudaram a génese das ligações infantis em algumas espécies animais, partindo do pressuposto de que as experiências no início da ontogénese influenciam, decisivamente, as fases ulteriores do desenvolvimento e que a relação mãe-filho organiza a própria ontogénese (Sá, 1996).

A metodologia utilizada pelos etólogos no estudo dos comportamentos das espécies animais, fundamentalmente de ligação, como seja: A observação directa dos seus comportamentos, no contexto da sua vida natural e habitual, vieram influenciar, tornando-se importante no estudo das relações pais-filhos na espécie humana.

Para Sá “…alguns conceitos da etologia, que dizem respeito às relações entre o inato e o adquirido, às competências genéticas do recém-nascido, aos organizadores e indutores de comportamento de ligação, aos períodos críticos para o estabelecimento da ligação/vinculação, explicam actualmente, no seu conjunto, e de forma mais aprofundada e desenvolvida, a epigénese interaccional, como um processo no qual, mais do que um genoma, fará sentido considerar um fenótipo comportamental” (1996:62).

Assim, os estudos realizados pelos etólogos, quer nos Estados Unidos, quer em Inglaterra, vieram demonstrar que a perda da mãe provocava perturbações que, em certas condições, podiam ser irreversíveis.

De facto, a ruptura dos laços, devido à carência dos cuidados maternos, provocavam no animal, perturbações semelhantes às que se conhecem no bebé humano.

Perante os estudos realizados e as conclusões sobre as semelhanças das reacções, Zazzo considera que “certos modelos de comportamento animal são válidos para a primeira infância, embora isso não signifique uma redução do homem ao animal.” (1974:25). Em 1959, Harlow, especialista no estudo do bebé rhesus, em “The Nature of Love” demonstra a dominância do contacto (pêlo e calor) sobre a procura do alimento; observa os efeitos da perda da mãe pelo lactente; descreve não só a interferência dos dois primeiros sistemas de “amor” o do filho pela mãe e o da mãe pelo filho, como também observa como o “amor do filho” pode curar a indiferença da mãe, isto é, constata no estudo de uma fêmea Rhesus, que nunca conheceu o amor maternal, nem outra espécie de afecto, ao tornar-se mãe, ignorou o filho, chegando a maltratá-lo.

Contudo, o bebé macaco não se deixa rejeitar, pelo contrário, tenta estabelecer contacto físico e ao fim do quarto mês a vinculação está estabelecida.

Sobre esta mudança, Zazzo considera que a “a mãe seduzida pelo filho, é curada da sua psicose” (1974:31).

No que se refere à “mãe órfã” aquele psicólogo entende que a vinculação é essencial ao equilíbrio sexual e à adaptação social.

Harlow (1958) verificou que as mães rhesus que tinham sido separadas dos seus filhos adoptavam outros pequenos macacos como se dos filhos tratassem e por outro lado, verificou que retirando o recém-nascido à mãe rhesus, ela foi capaz de adoptar outro animal substituto – o gato (Montagner, 1993).

Estes estudos apontam para a existência de um período crítico, após o parto, sendo específico em cada espécie, durante o qual as fêmeas adoptam filhos mesmo pertencendo a outra espécie animal.

Sobre as afectividades múltiplas, Harlow, considera que o mais importante “é que a transição de um sistema afectivo para outro não é só caracterizada por um enfraquecimento de um e a maturação de outro, mas também pelo aparecimento de comportamentos específicos que modificam ou suprimem os comportamentos do primeiro sistema” (1974:55).

Este conceito vem ao encontro da observação, em meio natural, dos macacos filhos que deixavam a mãe durante períodos cada vez mais longos para tocar, explorar, sugar e manipular todos os objectos interessantes que o meio lhes podia oferecer.

Por outro lado, o bebé macaco separado da mãe e colocado com companheiros da mesma idade, os efeitos da separação são completa e rapidamente anulados.

Contudo, a mãe é um factor essencial na socialização do seu filho. Quando ao nascer, o filho é tirado à mãe e criado isoladamente até aos 12 meses (período em que formam relações afectivas intensas com os semelhantes) e a seguir é colocado junto dos seus companheiros, as interacções são quase inexistentes e o seu comportamento social não evolui.

Para o sistema afectivo heterossexual muito contribuem os outros sistemas afectivos (o afecto maternal, o afecto do bebé pela mãe e entre companheiros), sem estarem directamente implicados no contacto sexual activo, o que vem contrariar a prioridade dada por Freud à sexualidade. De facto, o contacto corporal é essencial ao desenvolvimento do sistema de afectividade heterossexual, começando com o bem-estar sentido junto da mãe e depois com os contactos corporais e relacionais entre companheiros.

Também para Chauvin, (1974), o contacto entre mãe e filho é o factor essencial do desenvolvimento posterior. Para este etólogo, a privação da mãe ou dos companheiros, nos jovens macacos, provoca perturbações que podem tornar-se irreversíveis, podendo desencadear crises de violência. Chauvin está de acordo com Harlow, quando diz que os distúrbios do comportamento podem ser evitados, se o bebé macaco privado da mãe estiver em contacto com outros macacos em circunstâncias iguais.

Para este especialista, a vinculação à mãe é muito anterior a qualquer manifestação sexual da parte do jovem macaco, no entanto “ela desenvolve-se progressivamente através dos jogos acompanhados de manipulação do corpo do parceiro” (Zazzo et al., 1974:62).

A abordagem da teoria de vinculação de Bowlby está associada à impregnação, termo proposto, em 1910, pelo alemão Heinroth, para designar o fenómeno pelo qual uma ave nidífuga (ave que não fica confinada ao ninho), recém-nascida, se impregna das características da mãe e simultaneamente da espécie (Zazzo et al, 1974:62).

Lorenz, (1935-37), discípulo de Heinroth, analisou com profundidade este fenómeno, demonstrando a impregnação nomeadamente no pato e no pinto, fazendo ao mesmo tempo ressaltar a existência da impregnação noutros animais, inclusivamente nos mamíferos. Observou o pinto e o pato recém-nascido a seguirem a “mãe substituta” e

das suas demonstrações públicas é conhecida a imagem dos patos impregnados da sua figura a rodearem a sua cabeça à superfície da água, visto ter substituído o lugar da mãe pata, quando da eclosão dos ovos. A partir de então, seguiam-no para todo o lado (Montagner, 1993).

Esta “impregnação filial”, segundo Lorenz, (1937) determinaria posteriormente a orientação dos comportamentos sexuais específicos de cada espécie.

Também Lorenz e outros etólogos definiram “o período crítico” como sendo o momento pós-natal, em que estes animais aprendem as características particulares e próprias do indivíduo. Estes “períodos críticos” foram objecto de estudo de vários etólogos em numerosas espécies de mamíferos, ao longo das semanas, após o nascimento.

A partir destes estudos, os etólogos demonstraram que o registo de impressão da mãe ou “mãe substituta” pela jovem cria, durante o “período crítico”, proporciona aquisições e preferências que não serão modificadas posteriormente, quando em contacto com outros indivíduos diferentes e em situações também diferentes.

Sendo assim, o primeiro vínculo afectivo é determinante para outros vínculos que se venham a estabelecer, com outros indivíduos da mesma espécie. Contudo, se o primeiro vínculo for frágil, todos os outros o serão.

Para Montagner (1993), o facto de uma criança não ter tido ocasião de se vincular a uma pessoa no decorrer de um período crítico do seu desenvolvimento (os primeiros três anos), poderá originar uma incapacidade para estabelecer relações afectivas com os outros.

Para este autor, o desenvolvimento da ansiedade da criança seria inevitável, se ao longo do “período crítico” se se verificasse a perda da pessoa de vinculação, por considerar este período propício ao desenvolvimento das interacções entre a criança e os pais. A partir da observação de que os macacos Rhesus, separados das mães, após o nascimento conservavam um estreito contacto corporal com uma cama de algodão, colocada no chão da jaula, Harlow vai proceder a inúmeras experiências, permitindo-lhe demonstrar, que nos primatas, um contacto corporal de um determinado tipo podia desempenhar um papel fundamental na vinculação do jovem à mãe ou “mãe substituta”, como também veio a demonstrar que a vinculação não dependia apenas da saciação da fome ou de sede, através da mamada (Montagner, 1993).

A partir destas experiências, Bowlby considera que os comportamentos de vinculação da criança são essencialmente a procura e a satisfação de contactos corporais com a mãe e que a segurança e a redução quer do medo, quer da ansiedade são fruto desses contactos corporais com a mãe.

O fenómeno da impregnação demonstrado por vários etólogos influenciaram grandemente numerosas investigações sobre o desenvolvimento humano e embora estes estudos tenham sido elucidativos na compreensão da vinculação e impregnação, no estudo dos seres humanos, Montagner, (1993) considera-os pertinentes quando se trata de definir os fenómenos complexos da evolução da espécie, mas chama a atenção para dois princípios fundamentais, um de natureza ética, na medida em que estes estudos são limitativos e não se podem generalizar e outro de natureza humana – os humanos são possuidores de um cérebro que lhes permite não só desenvolver informações, mas também de fazer projectos.

De facto, as sensações, processos e situações que precedem o nascimento de uma criança fazem parte da sua vida, isto é, quando o bebé nasce já é protagonista de uma história, feita de projectos, de afectos, aceitação ou recusa. Podemos dizer que o desenvolvimento do ser humano está muitas vezes condicionado, mesmo antes do nascimento, por aquilo que os pais esperam dele.

Também Zazzo (1974) chama a atenção para o perigo de reduzir o comportamento humano a “modelos animais”, aos mais simples destes modelos e a considerar como semelhante o que poderá ser mera analogia.

Para este autor “a comparação exige tanto a investigação das diferenças como das identidades…e a utilização cega dos conceitos da etologia conduziria a um novo delírio da ciência” (1974:40).

Nesta perspectiva, também Sá refere que “embora os conhecimentos da etologia animal não nos permita fazer transposições lineares e directas, para o mesmo tipo de estudos, no homem, possibilita-nos fazer algumas transposições quanto às metodologias de investigação, e estudar a etologia humana sob uma nova perspectiva” (1996:63).