• Nenhum resultado encontrado

Caracterização e definição de conceitos da criança em situação de risco

CAPITULO 3 – A FAMÍLIA

3. A C RIANÇA EM R ISCO

3.1 Caracterização e definição de conceitos da criança em situação de risco

“A violência nos menores não é independente do uso do poder que uma determinada comunidade faz, o qual tem a ver, com a sua ideologia e estrutura social”

Torres, (1987:9) Há três décadas atrás, médicos, psicólogos e sociólogos debruçavam-se sobre os problemas de maus-tratos nas crianças, tendo em consideração a sua tipologia e frequência, bem como outras variáveis associadas, como sejam as características dos pais e seus comportamentos.

Esta problemática sendo assumida, actualmente, numa perspectiva interdisciplinar, tem por objectivo a prevenção e o estudo dos maus-tratos na infância, tendo em consideração não só as características psicológicas e sociológicas dos indivíduos, como também os factores sociais ou de comunidade que conduzem a tal comportamento. Reconhecemos a criança como ser autónomo e interactivo, desde que nasce e também a importância da vinculação mãe-filho e do meio – ambiente quer no seu crescimento, quer no seu desenvolvimento global.

A partir de um referencial que são os pais ou substitutos, o bebé vai construindo relações de qualidade com a realidade e com os outros.

Segundo Seabra Diniz, (1997:22) “…aquilo que cada um de nós é como pessoa depende do que foram os adultos que povoaram a nossa infância.”

Sabemos, no entanto, que as crianças são, por natureza, seres indefesos e frágeis, o que as torna vulneráveis às situações mais adversas.

E é precisamente na Infância que os factores de risco têm um papel preponderante no desenvolvimento das crianças.

Por vezes, as condições a que estão sujeitas são tão adversas que se tornam irreversíveis, como nos refere Calheiros, “Expostas a múltiplas e contínuas vicissitudes, poucas crianças conseguem adaptar-se...apresentando problemas de desenvolvimento social e intelectual graves” (1997:13).

A criança em situação de vulnerabilidade e risco social, psicológico, pouco suporte afectivo, meios educacionais pobres e meio familiar pouco compensatório, decerto que o seu desenvolvimento sócio-emocional e cognitivo serão afectados.

Contudo, factores de risco que se verificam nos períodos pré e perinatais, que à partida poderiam bloquear os processos de desenvolvimento, podem não ter qualquer influência no mesmo, desde que haja um acompanhamento e suporte à criança.

O grande incremento e valorização dada ao desenvolvimento da criança, tem contribuído não só para a prevenção dos maus-tratos, como também o reconhecimento dos direitos da criança, no que concerne à sua protecção e educação.

Embora tenham sido operadas modificações profundas, no campo cultural, social, e das sensibilidades, os maus-tratos infligidos à criança persistem em pleno séc.XXI.

De facto, quando é posto em causa o desenvolvimento harmonioso da criança, há a necessidade de se entender as características dos pais, dentro de um contexto sociocultural, para que a prevenção desse problema possa incidir e eliminar condições culturais e estruturais que conduzem aos maus-tratos.

Podemos considerar a definição destes conceitos amplos, vagos, mas ao mesmo tempo essenciais, para uma melhor caracterização, intervenção e prevenção das situações que se apresentem nefastas para o desenvolvimento da criança.

Os maus-tratos, realizados pelos pais ou por outros, assumem formas específicas, colocando a criança numa situação de perigo, deliberadamente ou por inacção.

Normalmente o abuso refere-se à acção e consiste em infligir dor, enquanto que a negligência se refere à inacção, ou seja à incapacidade de responder às necessidades básicas da criança, tais como alimentação, cuidados físicos necessários, cuidados médicos, protecção e supervisão (negligência física).

Enquanto que o abuso emocional traduz uma acção verbal ou qualquer outra não física e que pode prejudicar o funcionamento comportamental, cognitivo, emocional ou físico da criança, a negligência emocional ou psicológica é a incapacidade de fornecer apoio emocional, amor e afecto.

Segundo Giovannoni, (1989), para a definição de maus-tratos e negligência concorrem razões que induzem a esse tipo de atitudes, a intenção dos perpetradores, e variam consoante a idade, o nível de desenvolvimento da criança, a época histórica e a diversas culturas (Calheiros, 1997).

Amaro, (1988:15), considera o mau trato, um conceito abrangente, pois “compreende as acções dos pais e outros adultos, que possam causar danos físicos ou psíquicos, ou que de alguma forma firam os direitos e as necessidades da criança, no que respeita ao seu desenvolvimento psicomotor, intelectual, moral e afectivo”.

O mesmo autor define a negligência como “um conjunto de omissões de natureza material ou afectiva que ferem igualmente os direitos e as necessidades psicológicas, físicas e afectiva da criança”.

Para Canha, (1998:33) a negligência consiste “na incapacidade de proporcionar à criança a satisfação das suas necessidades de cuidados básicos e de higiene, alimentação, afecto e saúde, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento normais”, sendo o mau trato psicológico, para esta pediatra, “ a incapacidade em proporcionar à criança um ambiente de tranquilidade, bem-estar emocional e afectivo para o seu desenvolvimento.

Embora os cuidados prestados à criança variem com a época histórica e com os países, os conceitos culturais e religiosos, só serão considerados válidos e aceites se não se verificarem danos na criança.

Este conceito levou Meadow, em 1989 a considerar uma criança maltratada quando o seu tratamento pelo adulto era considerado inaceitável, para uma determinada cultura, numa determinada época (Canha, 1998).

Quando nos referimos à criança em situação de risco, temos de definir o que se entende por “riscos” para a criança. Assim, consideramos três tipos de riscos: os inerentes à própria criança, com os problemas físicos e mentais com que algumas delas nascem; os riscos inerentes aos pais, de que são exemplos os casos de pais e mães vítimas de alcoolismo e toxicodependência, factores que se tornam determinantes no acompanhamento que fazem do crescimento dos filhos e na forma como eles se relacionam; os riscos inerentes à própria família, que passam muitas vezes por relações instáveis, problemas financeiros e outras disfuncionalidades que são, também elas determinantes. Por último, o mal-estar social, traduzido nas situações de miséria, discriminação, exclusão, prostituição e outros que, efectivamente, afectam a criança. A abordagem dos maus-tratos e negligência tem conduzido a vários modelos conceptuais, contribuindo para o estudo da criança em risco.

O modelo ecológico de Belsky (1980), apresentado no Quadro nº1, não só dá a conhecer os vários trajectos pelos quais o risco pode ser explicado, como refere as variáveis que interagem e afectam a probabilidade de abuso ou negligência. Neste modelo é feita a distinção entre factores de risco, que predispõem a criança ao abuso e negligência e factores compensatórios que protegem a família duma eventual ligação ao mau trato (Calheiros, 1997:26).

Quadro nº 1 - Determinantes do abuso: factores de risco e compensatórios Factores de risco Factores compensatórios Nível ontogénico História de abuso, baixa-auto-

estima, baixo Q.I., poucas competências interpessoais, baixo nível de desenvolvimento parental.

Bom Q.I., história positiva de relação com os pais, competências, boa aparência física, competências interpessoais

Micro-sistema Problemas conjugais, problemas comportamentais, saúde, prematuridade da criança. Monoparentais, pobreza.

Criança saudável, suporte conjugal, segurança económica.

Exo-sistema Desemprego, isolamento, poucos suportes sociais poucas relações com pares.

Bom suporte social, poucos acontecimentos de stresse, religiosidade, experiências positivas na escola com colegas. Macro-sistema Aceitação cultural da punição

física, criança como propriedade, depressão

económica, violência.

Cultura promove a partilha, sentido de responsabilidade comunitária, não valorização da violência, prosperidade económica.