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CAPITULO 3 – A FAMÍLIA

3. A C RIANÇA EM R ISCO

3.4 Factores contribuintes para os maus-tratos na criança e seus efeitos

De acordo com a perspectiva ecológica de Bronfenbrenner, (1979) a qual considera a criança na família, na comunidade e na sociedade mais ampla, podemos abordar o fenómeno dos maus-tratos no que concerne aos factores e efeitos do mesmo na criança. As pessoas com maior probabilidade de abusar ou negligenciar uma criança são os seus pais naturais.

Os maus-tratos efectuados pelos pais são um sintoma de extrema perturbação na educação da criança. Estes acontecem no contexto de outros problemas familiares tais como: a pobreza, o stress, o comportamento anti-social, o alcoolismo, a toxicodependência

As crianças oriundas de famílias, pobres ou monoparentais, têm maior probabilidade de sofrerem maus-tratos, pelo facto destas estarem sob stress e de terem dificuldades em satisfazerem as necessidades das crianças.

Muitos dos pais negligentes tendem a ser incompetentes e irresponsáveis, visto terem dificuldade em planear as suas próprias vidas.

Embora a maioria destes pais não tenham personalidades criminosas, revelam-se infelizes, solitários, deprimidos e por vezes agressivos. Têm frequentemente problemas de saúde ou de abuso de substâncias, como o álcool e drogas, que prejudicam a sua capacidade para educar crianças e tendem a ter uma baixa auto-estima e um fraco controlo de impulsos.

Segundo Wolfe, (1985) (cit. in Papalia et al., 2001) cerca de um terço dos pais abusadores foram eles próprios abusados enquanto crianças.

De facto, a probabilidade do abuso aumenta quando os pais têm uma má imagem de si e quando eles próprios tiveram infâncias complicadas.

Estes pais, privados de uma boa educação parental, têm dificuldade em ler os sinais emocionais dos bebés. Revelando ignorância quanto ao desenvolvimento normal da

criança ficam alterados pelo seu comportamento, que muitos pais aceitam nos seus filhos, como situações normais.

Por outro lado, a criança com uma saúde fraca, personalidade difícil ou problemas físicos colocam necessidades e exigências particulares que os pais têm dificuldade em dar as respostas necessárias e convenientes, o que também poderá agravar a própria situação da criança, tornando-a mais exigente, agressiva e provocadora, gerando assim um ciclo de abuso.

Também o mundo exterior, a comunidade pode criar um clima propício à violência familiar. O desemprego, a pobreza, o isolamento e a exclusão social estão altamente correlacionados com o abuso e os maus-tratos infantil.

De acordo com um estudo efectuado por Garbarino et Kostelny, (1993) a duas comunidades, no interior de Chicago, com baixo rendimento económico, estes investigadores verificaram que numa destas comunidades os abusos à criança eram cerca de duas vezes superior à outra.

Através da entrevista efectuada aos líderes das duas comunidades verificaram que uma das comunidades era deprimida, a actividade criminosa intensa e com programas comunitários deficitários, enquanto que a outra comunidade, embora pobre, revelava um baixo nível de abuso. Contudo, esta comunidade era apoiada por serviços comunitários sólidos e havia uma liderança política forte, o que marcava a diferença (Papalia et al., 2001).

A violência social e a punição física de crianças são factores normalmente associados a factores culturais.

De acordo com Celis (1990), países como o Japão, China e Taiti, onde o crime é pouco frequente, o abuso infantil também é raro, o que não se verifica nos Estados Unidos, onde é comum o homicídio, o rapto e o espancamento de mulheres, o abuso infantil é mais frequente (Papalia et al., 2001).

Para a pediatra Canha, (1998:35) “na fisiopatologia da criança maltratada é considerada uma tríade de factores de risco – factores inerentes aos pais, à criança e associados a uma situação de crise”.

Assim, os principais factores de risco nos pais são: antecedentes de maus-tratos na sua própria infância; idade inferior a vinte anos; maior vulnerabilidade ao stress, hábitos de alcoolismo e toxicodependência, e outros.

São consideradas crianças de risco: as que nascem de mães muito jovens, solteiras ou sós, de gravidez não desejada ou gemelar; as que tenham sofrido separação da mãe no período neonatal, etc.

As situações de crise apontadas por Canha, (1998) entre outras, são: a perda do emprego, depressão da mãe ou qualquer outro acontecimento que perturbe o já instável equilíbrio familiar.

Vários estudos têm demonstrado que os maus-tratos nas crianças podem produzir consequências graves, não só físicas como também cognitivas e psicossociais.

De acordo com Coster et al (1980), as crianças abusadas mostram frequentemente atrasos na fala, revelando muitas vezes vinculações desorganizadas aos seus pais, ou quase nulas, auto-conceito negativos, tendem a ser agressivas e não cooperantes o que as impedirá de desenvolverem competências sociais e obviamente a serem menos apreciadas do quem as outras crianças.

Os maus-tratos psicológicos, mais subtis, podem ser mais difíceis de identificar. Contudo, têm sido associados à baixa auto-estima, à má adaptação social, e à dependência dos pais a substâncias como o álcool e drogas.

Os traumas emocionais tornam-se mais graves quando a própria família ignora ou não acredita na afirmação da criança de que está a ser abusada por outros e portanto não a protege dos maus-tratos que se poderão repetir (Papalia et al., 2001).

Contudo, muitas crianças revelam uma resiliência notável, principalmente se tiverem sido capazes de estabelecer uma relação de vinculação com uma pessoa apoiante.

O fenómeno da variabilidade da incidência dos factores de risco, têm levado investigadores a estudarem não só esses factores, como também as resiliências ou seja as resistências oferecidas pelas crianças, a factores e situações adversas (Rutter, 2002). Para este pedopsiquiatra, a resiliência significa “uma resistência relativa às experiências ambientais de risco” e a promoção daquela, intensifica a resistência ao stresse, faz reduzir o impacto da adversidade, reduz as reacções negativas e sucessivas e intensifica a possibilidade de novas reacções positivas.

O facto da criança ser abusada em criança não a torna um adulto abusador. Vários estudos têm demonstrado que apenas um terço das crianças abusadas, tornam-se pais abusadores. De acordo com o estudo de Zigler, (1989), as crianças que sofreram maus- tratos na infância e que tiveram possibilidades de recorrer à ajuda de outras pessoas e ao apoio psicoterapeutico, revelaram-se adultos capazes de relacionamentos afectuosos (Calheiros, 1997).

A situação das crianças abusadas e negligenciadas requer soluções por parte da sociedade a fim de minimizar danos que à partida podem ser irreversíveis.

Sendo a fase etária do 0 aos 3 anos importante na superação das situações de risco e no futuro desenvolvimento da criança, é necessário prestar cada vez mais atenção a esta etapa da vida da criança, a fim de lhe serem garantidos apoios e também aos seus cuidadores.

Sendo muito comum encontrarmos os maus-tratos (abuso e negligência) entre os pais jovens, pobres e com baixo nível educacional, há a necessidade de prepará-los antes de serem pais.

A educação parental desajustada pode reflectir, por parte dos pais, fraca sensibilidade aos sinais do bebé e da criança, sendo os pais incapazes de diferenciar necessidades nas diferentes fases do desenvolvimento infantil.

Por outro lado, a organização de programas específicos de prevenção do abuso, ajudam os pais nas competências parentais: cuidados básicos e desenvolvimento das competências linguísticas e socioafectivas.

Também os programas das creches podem ajudar não só as crianças, como também as mães/pais a evitar e a superar casos de maus-tratos.

A implementação de programas que envolvam diferentes agentes de intervenção social e educativa podem ajudar a família na sua tarefa parental, isto é as competências necessárias para providenciarem aos filhos meios para o seu desenvolvimento.

Fantuzzo et al., (1988) referem um programa pré-escolar para crianças maltratadas entre os 3 e 5 anos e que apresentavam um forte isolamento. Crianças da mesma idade foram treinadas para encorajar as crianças mal tratadas a brincar com elas. A avaliação deste programa revelou que aquelas crianças foram mais capazes de motivar as crianças maltratadas do que os adultos treinados para o efeito (Papalia et al., 2001).

Assim, para ajudar a criança em risco requer por parte dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, psicólogos, de educação – educadores e professores e de assistência social, formação e treino para não só identificar o abuso, como também procurar referenciar e ajudar as famílias, através de instituições de assistência à família e de protecção à infância, tendo a Creche um papel fulcral a desempenhar no desenvolvimento da criança e também de apoio à sua família.

A prioridade dada ao desenvolvimento de políticas integradas na infância é sem dúvida essencial para o bem-estar social das crianças e das suas famílias.

CAPÍTULO 4 – A CRECHE - CONTEXTO EDUCATIVO E DE