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5 EDUCAÇÃO FINANCEIRA

5.4 A EDUCAÇÃO FINANCEIRA E O ENSINO DA MATEMÁTICA

Para Domingos (2013) a Matemática é uma ciência exata “utilizada no processo de educação da sociedade” e a Educação Financeira “é do ramo das ciências humanas, que lidam diretamente com o comportamento e costumes, gerando o hábito correto de como administrar o dinheiro”. Considerando que para administrar um recurso financeiro, como o é o dinheiro, ou de outra natureza, são necessárias habilidades de cálculos e operações numéricas, deduzimos, por esse espectro, que o ensino da Matemática é primordial na Educação Financeira sendo relevante tratá-la atendendo as peculiaridades de cada grupo (etos).

Vale enfatizarmos que esse não é nosso entendimento de Matemática; porém, isso não invalida a ideia supracitada. Segundo nosso referencial,

a Matemática deve ser entendida como um discurso, um conjunto de frases, e não como conhecimento; é importante também observar que um tal entendimento de Matemática e de conhecimento matemático oferece uma base sólida para os estudos da Etnomatemática, que fica caracterizada então como um estudo do conhecimento matemático de diferentes etnias, ao mesmo tempo que membros de diferentes etnias1 possam falar Matemática uns com os outros apesar de estarem referindo-se a conhecimentos matemáticos eventualmente distintos. O exemplo exemplar que utilizei deve ter deixado clara a importância da possibilidade de comunicação” entre conhecimentos matemáticos distintos. (LINS, 1993, p.

87, grifos do texto).

Senna (2015) observa que Educação e métodos vêm sofrendo transformações significativas no Brasil com vistas a modernizar a forma de produção do conhecimento com consequente transformação na aprendizagem. Esse texto enfatiza que as famílias, primeiros agentes no processo educativo, “percebem que a educação é totalmente conectada com tudo o que a criança vive na escola, em casa, com amigos” e que, portanto, escola e família devem atuar harmonicamente na produção do conhecimento.

1 O termo “etnia” deve ser compreendido em seu sentido mais próprio, de grupo com um etos definido, e não como grupo racialmente definido. É tão próprio pensar em um aluno como pertencendo a uma etnia como o é quando pensamos em um índio Xavante. (LINS, 1993, p. 87).

A globalização, a seu turno, trazendo em seu bojo aspectos culturais e comportamentais de outros grupos (etnias), bem como nosso entendimento de Matemática, apresentado por Lins (1993), exige dos educadores, tanto na escola quanto na família, muita habilidade, segurança e práticas pedagógicas inovadoras e consistentes, argumenta Senna (2015). A sociedade contemporânea valoriza a produção do conhecimento por meio da realização de projetos e práticas que desenvolvam, estimulem a autonomia e o gosto pelo saber e que “utilizem as novas tecnologias e as informações e conhecimentos prévios que os alunos possuem”

continua Senna (2015). Nesse contexto a Educação Financeira pode ser inserida no ensino da Matemática, conforme se observa no enunciado dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997, p. 24):

A Matemática comporta um amplo campo de relações, regularidades e coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar, projetar, prever e abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o desenvolvimento do raciocínio lógico. Faz parte da vida de todas as pessoas nas experiências mais simples como contar, comparar e operar sobre quantidades. Nos cálculos relativos a salários, pagamentos e consumo, na organização de atividades como agricultura e pesca, a Matemática se apresenta como um conhecimento de muita aplicabilidade.

Essa potencialidade do conhecimento matemático deve ser explorada, da forma mais ampla possível. Para tanto é importante que a Matemática desempenhe, equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilidade do raciocínio dedutivo, na sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas curriculares” (BRASIL, 1997, p. 24).

De fato, tal como apresentamos, segundo o entendimento de Lins (1993), bem como apresentado nos PCNs, a Matemática permeia a vida cotidiana e, além de estar diretamente relacionada à estruturação do pensamento e à agilidade do raciocínio dedutivo, ela se inter-relaciona com outras disciplinas curriculares e áreas do conhecimento. Assim, cabe a nós professores, adaptarmos o ensino da Matemática às situações do dia a dia, dentro do contexto de vida dos educandos. No entanto, não é possível mantermos uma visão rasa e, ao mesmo tempo dicotômica a respeito daquilo que Lins e Giménez (1997) classificam como Matemática escolar e Matemática da rua, pois

É preciso insistir que, embora os significados matemáticos sejam relevantes como parte do repertório das pessoas comuns, o que se constata é que mesmo especialistas da matemática ou da física, por exemplo, usam em

seu cotidiano da rua métodos que não são os da matemática escolar. (LINS;

GIMÉNEZ, 1997, p. 16).

Desse posicionamento então, assumimos que nossa visão em educar pela Matemática, alinha-se com a proposta do Modelo dos Campos Semânticos (MCS), desenvolvida pelo educador matemático Romulo Campos Lins, que chama atenção para o fato de que

o problema do educador matemático não pode ser simplesmente o de fazer com que as pessoas tenham sucesso nesse mundo – a matemática escolar – que não sobrevive a dez minutos sozinho na rua, mas essa situação tem raízes profundas, e até no discurso que supostamente a discute ela se mostra dominante: quantas vezes – e com veemência! – são pronunciadas as palavras mágicas “é preciso trazer a realidade para as salas de aula”.

Mas essa frase não parte exatamente do pressuposto de que a escola não é realidade? O problema com esse pressuposto ignorado é que a idéia [sic]

de trazer a rua para a escola transforma-se na idéia [sic] simplista de usar as coisas da rua para ajudar a fazer com que os alunos aprendam a matemática da escola, isto é, os significados não-matemáticos são vistos como degraus na escada que “sobe” em direção aos significados matemáticos. (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 18 – ipsis litteris, grifos do texto).

Por esse prisma então, evidenciamos que, à luz do MCS, uma Educação Matemática que vislumbramos, possui como tripé:

1 explicitar, na escola, os modos de produção de significados da rua;

2 produzir legitimidade, dentro da escola, para os modos da produção de significado da rua (ato político, ato pedagógico);

3 propor novos modos de produção de significados que se juntam aos da rua, ao invés de substituí-los. (LINS, 1999, p. 92).

Dessa forma, ao pensarmos em trazer a Educação Financeira para a escola, entendemos que a aula, também de Matemática, se pautada no tripé supracitado, constitui-se como um ambiente rico e de grande diversidade, principalmente se tomarmos o MCS como modelo e código, pois, segundo seu idealizador,

meu projeto, sustentado no MCS, trabalha naturalmente na direção da ampliação dos significados que são legítimos na rua, e não na substituição da rua pela escola. Diversos projetos de Etnomatemática trabalham na mesma direção (...) Do mesmo modo que proponho uma educação matemática que não seja preparação para a vida, e sim vida, proponho uma reflexão que não seja preparação para a ação, e sim ação. (LINS, 1999, p.

92-94, grifos do texto).

Esse conjunto de ideias coaduna com o que está proposto nos PCNs (BRASIL, 1997) relativos à área de Matemática, no Ensino Fundamental. Algumas dessas ideias mencionamos a seguir:

— a Matemática é componente importante à formação do indivíduo;

— a Matemática precisa estar ao alcance de todos e a democratização do seu ensino deve ser meta prioritária do trabalho docente;

— a atividade matemática escolar não é “olhar para coisas prontas e definitivas”, mas a construção e a apropriação de um conhecimento pelo aluno, que se servirá dele para compreender e transformar sua realidade;

— no ensino da Matemática, destacam-se dois aspectos básicos: um consiste em relacionar observações do mundo real com representações (esquemas, tabelas, figuras); outro consiste em relacionar essas representações com princípios e conceitos matemáticos. Nesse processo, a comunicação tem grande importância e deve ser estimulada, levando-se o aluno a “falar” e a “escrever” sobre Matemática, a trabalhar com representações gráficas, desenhos, construções, a aprender como organizar e tratar dados;

— a seleção e organização de conteúdos não deve ter como critério único a lógica interna da Matemática. Deve-se levar em conta sua relevância social e a contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno. Trata-se de um processo permanente de construção;

— o conhecimento matemático deve ser apresentado aos alunos como historicamente construído e em permanente evolução. O contexto histórico possibilita ver a Matemática em sua prática filosófica, científica e social e contribui para a compreensão do lugar que ela tem no mundo. (BRASIL, 1997, p. 19).

Importante reiterar que, ao entendermos a Matemática como um discurso (Lins, 1993, p. 87), a possibilidade de a utilizarmos como uma ferramenta de leitura do mundo (CHAVES, 2004) amplia-se espectralmente, ampliando assim a inter-relação

da Matemática com as diversas disciplinas ou áreas do conhecimento, a exemplo de Ciências, Artes, História, Geografia dentre outras, ressaltando também a sua inserção no fazer cotidiano e a sua essencialidade na Educação Financeira, da qual se torna aliada à formação dos indivíduos, na perspectiva apresentada em Chaves (2004)2, para que se tornem conscientes de suas responsabilidades quanto às suas vidas, às famílias, às comunidades e aos grupos em que atuam, e à nação a que pertencem.