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3. EDUCAÇÃO INFANTIL E A POLÍTICA DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL DA INFÂNCIA: ALGUNS DETERMINANTES

3.2. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: ALGUNS DETERMINANTES ESPECÍFICOS

O surgimento da Educação Infantil, no cenário brasileiro, tem semelhanças e diferenças com o processo europeu. Por um lado, as origens da creche e da pré-escola encontram-se, também, relacionadas às modificações sociais e econômicas ocorridas no decurso da história. Surge, também, naquele contexto a preocupação com a constituição de um ambiente de guarda e assistência à criança pequena, seja para resolver problemas do capitalismo e a inserção da mulher no mundo do trabalho capitalista, seja pela necessidade de sobrevivência das famílias. É também influenciado pelas novas ideias de mundo disseminadas a partir do humanismo, iluminismo, liberalismo e advindas da Revolução Francesa.

Enquanto na França e demais países da Europa, a creche e a pré-escola foram propostas em função da ampliação do trabalho industrial feminino, e no contexto de uma valorização da infância, da maternidade, do trabalho feminino e da economia que era baseada na organização do trabalho, no Brasil ainda não havia uma demanda efetiva daquele setor. O processo de industrialização era ainda incipiente. Portanto, as creches brasileiras não nascem no mesmo contexto industrial que as creches da Europa e dos Estados Unidos, apesar de que aos poucos esse surgimento vai estar também articulado com a vida industrial.

As creches brasileiras surgem como “creche popular”, mais para atender às mães trabalhadoras domésticas “do que às operárias industriais”. Também, nesse contexto, verifica- se uma preocupação “com a lei do ventre livre que trazia para as

casas das famílias burguesas o problema da educação das crianças, de suas escravas” (KUHLMANN Jr, 1991, p. 19). Cresce o número de crianças e adolescentes nas ruas em virtude da abolição da escravidão e, nesse cenário, é possível identificar uma forte preocupação por parte da elite e do poder central brasileiro com o crescimento da criminalidade, da vagabundagem e da vadiagem (RIZZINI, 1997). Ainda, segundo Kuhlmann Jr (1991), predominaram no Brasil, do final do século XIX até 1922, três tendências e preocupação em torno do atendimento à criança pequena no Brasil: a médico-higienista, a jurídico-policial e a religiosa.

Sobre esses aspectos e contexto, Kramer (2001, p. 52) destaca que foi criado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Brasil, com os seguintes objetivos: “elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos; regulamentar o serviço das amas de leite, velar pelos menores trabalhadores e criminosos; atender às crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas”, além de criar maternidades, creches e jardins de infância. De acordo com Kuhlmann (2010), nesse mesmo ano, foi criada a primeira creche para os filhos de operários da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado no Rio de Janeiro (KUHLMANN, 2010). Também em 1908, surgem creches populares direcionadas aos filhos de operários (KRAMER, 2001).

Um elemento importante para ser apontado foi que o primeiro jardim de infância brasileiro foi criado no Rio de Janeiro, em 1875. Em 19 de abril de 1879, o ministro Leôncio de Carvalho elaborou e aprovou o Decreto nº 7.247, o qual no artigo 5º oficializa e legaliza a necessidade dos jardins de infância no Brasil. De acordo Machado (2007), Rui Barbosa ao fazer um parecer sobre o referido decreto acabou por propor uma reforma do ensino no Brasil, do ensino primário, secundário e superior. Tal proposta se constitui documento importante para se refletir acerca da educação brasileira e, particularmente, em relação à educação das crianças de 0 a 6 anos de idade, haja vista que um dos textos traz uma grande defesa da implantação dos jardins de infância no Brasil. O texto foi submetido ao parlamento em 1882- 1883, e depois foi organizado e publicado em dois livros na década de 1940. Ele propôs à Câmara dos Deputados a criação dos jardins de infância e de escolas primárias, bem como a organização do ensino secundário e superior. Sua ideia era que essas instituições servissem de modelos enquanto se criasse um ministério de instrução justamente para administrar o ensino no país (MACHADO, 2007. p. 211).

Além da preocupação com a criação dos jardins de infância, é possível verificar, no final do século XIX e início do século XX, uma preocupação de vários setores da sociedade brasileira com a criação de instituições para atendimento, cuidado e proteção da criança

pequena, como creches, asilos e maternais. Havia uma preocupação por parte de médicos, sanitaristas e juristas quanto ao papel da educação com relação à perspectiva de vida das crianças pequenas e pobres, bem como quanto ao andamento e nível do atendimento para essa faixa etária no Brasil em relação aos países mais desenvolvidos.

Para Machado (2007), nesse período, a forma como esses profissionais entendiam o atendimento da criança da primeira infância não remonta, a princípio, à educação, haja vista que para esses, havia dois tipos de crianças bem definidos: as crianças pobres e as crianças ricas, aquelas consideradas não ter apreço pela educação e essas predispostas ao ensino. A pobre que devia ser assistida pelo Estado e a rica que tinha a família burguesa abastada cuidando de seus interesses. Não havia um projeto numa perspectiva e visão educacional. Havia claramente um processo de criação de leis com o objetivo de proteger a infância da desordem social; mas, em outras palavras, um processo e estratégias de proteger as classes mais abastadas da desordem social, de possíveis atos criminosos (MACHADO, 2007; RIZZINI, 1997).

Sobre esse contexto, Kuhlmann (1990, p.18) destaca:

A creche [...] Não seria apenas um “aperfeiçoamento” do atendimento das casas dos expostos (Civiletti apresenta a Roda como “a precursora da creche”); nem se poderia considerá-la como uma iniciativa independente das propostas de asilos ou jardins de infância [...] Em sua vertente assistencialista. Essas instituições são difundidas intencionalmente como parte de um conjunto de medidas que conformam uma nova concepção assistencial, a que chamei “assistência científica”, abarcando aspectos como a alimentação e habitação dos trabalhadores e dos pobres. A grande marca dessas instituições, então, é sua postulação enquanto modernas, científicas - palavras utilizadas fartamente na era de exaltação do progresso e da indústria, a partir da segunda metade do século XIX.

Apesar da dicotomia entre o caráter assistencialista e o caráter educacional, é importante sinalizar que, de certa forma, sempre houve elementos do caráter educativo no assistencialismo, contudo, tratou-se quase sempre de uma educação para a submissão e a domesticação da criança, ou mesmo sem um planejamento pedagógico, o que revela a centralidade no assistencialismo. Sobre isso, Kuhlmann (2003, p. 54) afirma que “a pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para receber”. Afinal, aos olhos da elite brasileira, particularmente, do final da Monarquia e início da República, essas crianças careciam da proteção, de correção e reeducação por parte do Estado. Os infantes “eram os “expostos”, „orphaosinhos‟, os pobres meninos abandonados, as crianças criminosas, os

menores delinquentes e assim por diante” (RIZZINI, 1997, p. 64). É importante frisar que não se trata de acusar ou inferiorizar a trabalho de assistência social, mas de perceber a ausência ou pouca atenção à dimensão educacional do atendimento às crianças pequenas.

Em linhas gerais, a referida elite desse período, composta de intelectuais, médicos, juristas e políticos, além aqueles que difundiam e pensavam os projetos para o progresso do Brasil, bem como quem assumia o poder público no país, tinha uma visão negativa e ideológica sobre as crianças e adolescentes das camadas populares.

Para eles, onde constava algo relativo à infância e à juventude lá estava implícita a ideia de periculosidade, de viciosidade, da vagabundagem e do atraso do país; características que não se adequavam ao ideal de nação. Tal elite brasileira estava convencida de sua missão patriótica de construir uma nação baseada nos ideais circulados internacionalmente a respeito das causas da degradação das sociedades modernas, bem como das formas de solucionar esses problemas via saneamento moral. Isto é, havia nitidamente uma compreensão ou discurso de que o atraso do Brasil dava-se em virtude dessas crianças e de suas famílias pobres (RIZZINI, 1997).

Rizzini (1997) conclui em sua tese que as leis de proteção à infância, desenvolvidas nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, faziam parte da estratégia da elite brasileira de sanear a sociedade e de prevenir a desordem. Tratou-se de um modelo educacional integrado a propostas de construção de uma sociedade moderna. Contudo, por trás dos aspectos educacionais, defendia-se a ideia de que não era preciso dar muito para essas camadas populares para que não avançassem muito. Existia uma estratégia de manutenção das desigualdades.

Sendo assim, para Rizzini (1997), o ponto central da preocupação que se tinha na infância e com o investimento na infância, naquele contexto, era no sentido de modernizar e de salvar a nação do colonialismo, do atraso. Havia declaradamente uma ideia de salvar a nação por meio da criança. Salvar uma criança da condição de selvagem, da propensão a viciosidade era salvar o país do atraso e colocá-lo em passo com a modernidade. É importante destacar que a história da Educação infantil no Brasil é resultado de múltiplas determinações, como assim escreveu Kuhlmann Jr (1991. p.18): “não é uma sucessão de fatos que se somam, mas a interação de tempos, influências e temas”. Contudo, tem sua forma particular de como desenhou ou produziu a trajetória das políticas de atendimento à criança pequena, e, particularmente, o atendimento educacional.