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2. INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

2.2. EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

2.2.1. Adam Smith e o investimento em educação

Smith (1983) atribuiu à educação um caráter moral e cívico e não deu a esta caráter central de sua discussão. O eixo de sua preocupação era acerca do que determinava a riqueza de uma nação. Pensava sobre como a Alemanha, rica, deveria se comportar no conjunto das nações internacionais. Em sua maior obra, “Investigação Sobre a Riqueza das Nações”, seguindo o modelo das grandes obras de política de sua época, ele escreve como quem orienta

ao “Príncipe” sobre o que de fato poderia e configura a riqueza das nações. Ao fazer isso, esse autor fornece as principais categorias para compreender a sociedade capitalista da época.

Ao mesmo tempo, Smith (1983) identificou sérios problemas produzidos pela divisão do trabalho. Segundo ele, o processo de divisão do trabalho por sua veracidade acabava por produzir grandes prejuízos à classe dos trabalhadores e às camadas populares destruindo “virtudes sociais, intelectuais e marciais” (SMITH, 1983, p. 687). Os malefícios da divisão do trabalho colocavam os trabalhadores diante da realização de trabalho ou atividade repetitiva que demandava baixa capacidade de reflexão e não exigia senso crítico, conhecimento ou interpretação de grandes situações do país. Além disso, não oferece

“oportunidade de exercitar seu espírito inventivo” (SMITH, 1983, p. 213). Tal processo acabava por embotar ou entorpecer a mente do trabalhador pobre, tornando-o incapaz de formular juízo sobre grandes e vastos interesses de seu país, bem como é incapaz de defender sua nação (idem). Nesse sentido, a educação pública teria importante papel de evitar o embrutecimento do homem ou a degeneração da sociedade.

Smith (1983, p.213-214) lembra que “em toda a sociedade evoluída e civilizada, este é o estado em que inevitavelmente caem os trabalhadores pobres – isto é, a grande massa da população – a menos que o governo tome alguma providência para impedir”. Ao mesmo tempo, diz que “a educação das pessoas comuns talvez exija, em uma sociedade civilizada, mais atenção por parte do Estado do que as pessoas de alguma posição e fortuna”. Sendo assim, Smith (1983) ponderou que o Estado deveria se ocupar e se preocupar tanto em proteger quanto em favorecer a sociedade no que se refere aos aspectos de segurança, justiça e a instrução (SMITH, 1983, p. 151-178).

Deste modo, Smith (1983) introduziu uma discussão ou preocupação sobre o papel da educação para o desenvolvimento econômico e defendeu a importância de o Estado assegurar a educação para a população. Compreendia, assim, que o Estado deveria dar maior atenção à educação básica, voltada às camadas mais pobres. Seria de responsabilidade do Estado a educação formal dessas pessoas. O Estado “[...] deveria estimular ou insistir no ensino geral

da leitura, escrita e aritmética” (SMITH, 1983, p. 690), a fim de “[...] evitar que se propague

a covardia, a ignorância desmesurada e a estupidez” (SMITH, 1983, p. 692).

Para Smith (1983, p. 215), a educação da massa é para aqueles que ele considerava sociedade comum, isto é, os não fidalgos, ou abastados. Esses deveriam receber uma maior atenção por parte do Estado. Isso porque considerava que as pessoas comuns não dispõem de muito tempo para se dedicarem à educação. “Os pais dificilmente têm condições de mantê-las, mesmo na infância. Tão logo sejam capazes de trabalhar, têm que ocupar-se com alguma

atividade, para sua subsistência”. Além disso, realizam um tipo de atividade muito simples e uniforme que pouco lhes oferece oportunidades de exercitarem a mente. Um trabalho tão constante e pesado que lhes deixem sem tempo e estímulo e menos inclinação para aplicar-se a qualquer outra coisa (SMITH, 1983, p.215).

Adam Smith (1983, p. 215) destacou que na sociedade comercial, embora as pessoas comuns não pudessem ser tão instruídas, elas podem aprender “as matérias mais essenciais da educação, ler, escrever e calcular [...]”. Nesse sentido, o Estado poderia facilitar e dar condição para essa aprendizagem, por exemplo, criando pequenas escolas nos distritos ou paróquias onde as crianças possam ser ensinadas, pagando tão pouco que até mesmo qualquer trabalhador simples possa pagar. Essa parte do pagamento seria para o salário do professor, pois compreendia e defendia Smith que o professor não deveria ser pago totalmente pelo Estado. “Se o professor fosse pago totalmente, ou mesmo principalmente, com dinheiro do Estado, logo começaria a negligenciar seu trabalho” (SMITH, 1983, p. 215).

Desse modo, Smith (1983) escreveu que o Estado, tendo pequenos gastos, poderia facilitar, “encorajar e até mesmo obrigar a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos essenciais da educação". Ao mesmo tempo, as escolas não deveriam ensinar só o latim para os filhos das pessoas comuns, pois estes não lhes tinham tanta utilidade, mas poderiam ensinar “rudimentos de geometria, da mecânica e educação literária”. Além disso, ressaltou que esse aspecto é fácil de ser trabalhado com atividades simples do dia a dia das pessoas comuns (SMITH, 1983, p.216).

Para Smith, o terceiro dever do soberano é criar e manter instituições de educação. Essas instituições e as obras públicas que, embora possam proporcionar a máxima vantagem para uma grande sociedade, são de tal natureza que o lucro jamais conseguiria compensar algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos, não se podendo, pois, esperar que algum indivíduo ou um pequeno número as criassem e mantivessem.

Ao tratar do dever do Estado e/ou soberano, bem como das instituições e obras públicas, Smith (1983) estava preocupado em analisar os gastos do Estado ou do soberano. E ao fazê-lo, acabou por dar lugar de evidência e importância à segurança, à justiça e à educação. Esse autor dedicou dois artigos para tratar dos gastos do Estado com a educação: um tratou das instituições para educação da juventude; e o outro, dos gastos com as instituições que se ocupavam das pessoas de todas as idades.

Smith (1983) demonstrou atenção à Educação com a necessidade de que o Estado assegurasse a educação “básica” para as populações mais pobres. Para ele, há situações vividas pelos indivíduos, em dado estado de sociedade em que as pessoas, independentemente

da ação do Governo, adquirem todas as capacidades e virtudes necessárias para coexistirem na mesma. Há, porém, situações, consequentemente, vividas em outro estado da sociedade em que “o estado da sociedade não oferece à maioria dos indivíduos em tais situações, sendo necessária certa atenção do Governo para impedir a corrupção e degeneração quase total da maioria da população” (SMITH, 1983, p. 213).

Para Alves (2006), observar a defesa de Smith em relação ao provimento da educação por parte do Estado nos ajuda a entender como a educação ainda não tinha forte relação com a ideia da sua contribuição para a riqueza. Segundo ele, para o grande expoente da economia política,

a extensão dos serviços escolares não deveria comprometer a produção da riqueza social, daí a sua firme resistência à gratuidade do ensino. O Estado não poderia assumir integralmente o financiamento da instrução pública, ou seja, arcar com todo o ônus decorrente da construção de escolas. Da aquisição de equipamentos, do pagamento de professores, e da compra de material didático, mas sim, subsidiar a formação das crianças trabalhadoras por meio de “despesa bastante reduzida”. [...] a oferta gratuita da instrução levaria a nação ao sacrifício, pois dilapidaria irracionalmente parte da riqueza social produzida (ALVES, 2006, p. 77).

Nota-se em Smith (1983) uma atenção que também tem relação com a ideia de garantia de direitos a todos os cidadãos comuns. Não só os que têm condições devem se desenvolver e ampliar suas capacidades, como também as camadas mais simples. Na compreensão de Smith, o Estado mesmo sem tirar benefícios deveria investir na instrução do sujeito, pois pessoas bem instruídas, além de mais inteligentes e civilizadas, estariam mais bem preparadas para o convívio em sociedade. Além disso, tornar-se-iam pessoas mais inventivas e menos propícias a ilusões, à superstição e à desordem.

Esse autor dá um destaque à instrução pública, ao professor público e às possibilidades que a formação, as capacidades e/ou diplomas podem favorecer. Para ele, “se não houvesse instituições públicas só se ensinaria o que fosse de utilidade” (SMITH, 1983, p.212). Só se ensinaria uma ciência, caso houvesse alguma procura ou que fosse um conhecimento que as circunstâncias o tornassem necessário. Tal instrução era reservada aos afortunados que estudavam até os dezessete ou dezoito anos para, só após esse período, ingressarem na vida profissional.

Esses aspectos apresentados, até aqui, de certa forma, demonstram uma atenção de Smith com a instrução pública, revelando que a ideia da escola pública, desde cedo, trouxe consigo uma dualidade em suas finalidades, e como essa dualidade está relacionada com as condições sociais, as quais também revelam uma situação de classe social.

Reconhecia a importância da educação para o indivíduo e para uma população. Por isso, por vezes, sempre recorria ao exemplo dos cidadãos e militares gregos e romanos, dos mestres bem instruídos e dos filósofos. Para ele, “uma pessoa de capacidade real dificilmente poderá encontrar uma ocupação mais humilhante e menos rentável a qual possa dedicar-se” (SMITH, 1983, p. 212). Além disso, esse filósofo britânico assinala que em muitos países, os privilégios dos diplomas são condições necessárias ou ao menos extremamente convenientes para a maioria das pessoas de profissões eruditas.

Ora só se consegue tais privilégios frequentando as preleções de professores públicos. A mais diligente frequência às mais competentes aulas de qualquer professor particular nem sempre pode assegurar algum título para exigir tais privilégios (SMITH, 1983, p.212).

Nesse sentido, o professor particular era considerado de uma classe menos letrada. Ao passo que o professor público tem maior importância, sobretudo, no que tange ao professor diplomado. Ao mesmo tempo, esse filósofo não defendia um sistema totalmente público. Os professores deveriam ser remunerados parte pelo aluno e parte pelo Estado, pois acreditava que o pagamento realizado por parte do Estado poderia tornar os profissionais mais descompromissados. Por isso, alerta como “as dotações concedidas às escolas e colégios não somente corrompem a diligência dos professores públicos se não também conseguem bons professores particulares”. Era preciso deixar livre à concorrência e à competição.

Esse fato pode ser observado quando Smith (1983) estabeleceu críticas ao sistema universitário. Ao analisar o sistema educacional inglês, com ênfase na sua eficiência, concluiu que este sistema de ensino público é ineficiente e desfavorável, sobretudo, porque faltam mecanismos competitivos. Isso porque era possível evidenciar que não havia critérios claros para o salário dos professores, a quantidade de alunos, a qualidade das aulas, a elaboração e execução do currículo, entre outros: “[...] aqueles setores da educação que não estão dirigidos por instituições públicas são muito melhores” (SMITH, 1983, p.675).

Por um lado, suas preocupações não tiveram ressonância, uma vez que as características da sociedade inglesa naquele contexto estavam voltadas para a procura de mão de obra disponível para as fábricas e indústrias e não para se ocupar em um sistema educacional. A necessidade de mão de obra qualificada ainda não era uma questão central. Realidade que só foi repensada, a partir da última década do século XIX, quando a Inglaterra reconheceu sua falta de competitividade no mercado externo frente ao desenvolvimento da Alemanha e dos Estados Unidos da América.

A noção de desenvolvimento econômico ainda não era como a compreendemos hoje, mas sem dúvida Smith se apresenta como um bom leitor e primeiro sistematizador do funcionamento da sociedade capitalista concorrencial que estava nascendo. Também a noção de educação de Smith não é a mesma usada hoje. Educação, nos termos desse autor, é

“identificada com o ensino vocacional, treinamento, formação profissional” (FRIGOTTO, 2007, p. 37). Apesar desse aspecto, muitos autores que estudam a relação entre educação e desenvolvimento econômico e, particularmente, aqueles que tentam estabelecer as raízes da Teoria do Capital Humano costumam usar um fragmento da obra de Smith. Segundo Frigotto (2007), um dos fragmentos mais citados de Smith está no capítulo 10 do volume 1 da Riqueza

das Nações, onde ele faz menção ao fato de que um homem educado, a custo de muitos

esforços e tempo ao realizar trabalho que exige certa qualificação, poderia ser comparado com uma daquelas máquinas caras. Para Smith, o salário desse profissional será acima dos salários habituais. Tal situação compensar-lhe-á todo o custo de sua educação com, pelo menos, os lucros habituais de um capital igualmente valioso.