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Os fatos, os fenômenos e os problemas humanos são complexos, multifacetados e determinados por diversos fatores. Isso requer do pesquisador da área de ciências humanas uma postura atenta, dinâmica e criteriosa com o objeto investigado, sua natureza e suas especificidades, para uma melhor compreensão do problema em análise, bem como para não o deformar ou reduzi-lo (GAMBOA, 2007; LAVILLE; DIONNE, 1999). Mas é preciso utilizar

uma abordagem que esteja de acordo com o objeto em análise e não com o interesse do pesquisador. Um rigor metodológico poderá assegurar para si e para outrem que os resultados da pesquisa sejam confiáveis e válidos. Nesse sentido, o método indica a postura, as regras e os procedimentos que orientam e auxiliam a realização de uma pesquisa com eficácia (LAVILLE; DIONNE, 1999). De posse do método, é fundamental se debruçar sobre os dados e as informações que nos aparecem como resultados e buscar compreender os condicionantes que os envolveram, que os orientaram, influenciaram e produziram.

A presente investigação exigiu uma abordagem de natureza quantitativa e qualitativa nos termos enumerados por, Gamboa (2007), Severino (2007) e Pádua (1996) e um Estudo de Caso como estratégia metodológica nos termos enunciados por Yin (2006), seja pela necessidade de um olhar amplo sobre dados e informações produzidas na investigação, seja pela necessidade de olhar uma realidade específica e de maneira exaustiva.

Empreendemos uma pesquisa documental a partir de informações e relatórios oficiais disponíveis online no Tesouro Nacional, no Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Educação (Siope), no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e de dados dos relatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Também foram levantadas e produzidas informações a partir dos bancos de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e dos relatórios técnicos do Tribunal de Contas da Paraíba por meio do Projeto Indicadores de Desempenho dos Gastos Públicos em Educação Básica na Paraíba (IDGEB). Essas bases de dados oficiais, que abrangem a União, os Estados e os Municípios, são recomendadas como fontes oficiais de informação. Ora, essas fontes são importantes para esta pesquisa na medida em que disponibilizam dados considerados mais próximos da realidade, embora saibamos que estão sujeitos a falhas, erros, fraudes ou a supervalorização. São importantes também, porque nos possibilita analisar os possíveis e complexos elementos que estão por trás de um dado. Ao mesmo tempo, vale ressaltar que os dados levantados ou produzidos não são propriamente a pesquisa, mas são fundamentais para ela.

O processo de investigação requereu uma caracterização dos indicadores sociais, econômicos e educacionais do município de João Pessoa, particularmente no que se refere à educação das crianças de 0 a 6 anos de idade. Foi realizada uma análise dos indicadores de financiamento da educação e os de atendimento educacional das crianças pequenas. Foram considerados indicadores de matrícula e acesso à educação e indicadores financeiros em educação, como gastos com educação, recursos do Fundeb, subfunção educação infantil, entre

outros. Assim, verificamos o comportamento do atendimento à educação infantil nos últimos 7 anos, em nível nacional e regional e, particularmente, no âmbito do município de João Pessoa, bem como o financiamento da educação nesse mesmo período.

A pesquisa recorreu também a dados da Região Metropolitana de João Pessoa no intuito de estabelecer traços comparativos para identificar a tendência do investimento em educação infantil nos municípios da região. Procurou-se caracterizar o perfil de João Pessoa/PB em relação aos indicadores de desenvolvimento econômico, demográficos, de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e educacionais, como oferta de vagas em educação infantil e número dos Centros de Referência em Educação Infantil (Creis). Nesse processo, analisamos o movimento da receita pública neste município e o gasto com educação realizado para dimensionar os desafios, os limites e as possibilidades da expansão da educação infantil no município e, por conseguinte, a garantia do direito à educação para as crianças pequenas.

Os dados coletados foram compilados, organizados, predominantemente em tabelas e lidos à luz do método dialético, que sugere partir do fenômeno dado de imediato, para capturar seu movimento, identificar suas determinações e contradições para, em seguida, compreender a realidade concreta. Os resultados foram organizados de modo a demonstrarem o movimento do investimento em educação e do atendimento à infância no Brasil e em João Pessoa, PB.

Desse modo, os pressupostos e a hipótese que conduziram este estudo indicaram como modelo de análise o método histórico-dialético. Foi necessário observar o movimento imediato dos processos históricos, conceituais, contextuais e legais do financiamento da educação infantil para tentar compreender suas determinações e ultrapassar a forma como se nos apresenta. Os dados e informações sobre financiamento da educação e sobre a educação brasileira, em geral, divulgados pelo Ministério da Educação, via INEP, FNDE, têm demonstrado uma evolução ou ampliação dos indicadores educacionais, em geral, nos recursos direcionados para a educação pública brasileira, bem como no atendimento na Educação Infantil. Contudo, esses dados precisam ser analisados mais detalhadamente.

O método histórico-dialético parte do que é mais abstrato, isto é, do que aparece de imediato a nossa percepção para o concreto. Em outras palavras, nos sugere, num primeiro momento, partir da coisa ou do fenômeno dado, procurar capturar seu movimento e identificar suas determinações. Num segundo momento, identificar os movimentos contraditórios e as mediações em que se mostra a realidade concreta. O aparente aqui não pode ser considerado como uma imagem falsa ou como uma capa do real, mas como a forma imediata de como o

real se apresenta. O conhecimento parte justamente da aparência e da apreensão de suas determinações para o encontro com sua essência. É nisso que se constitui uma teoria; pois, se a essência do aparente já se revelasse de imediato, não seria necessária a teoria. Todavia, é importante destacar que a reflexão do aparente também pode ocultar, falsear ou negar o aparente (NETTO, 2011).

Em Marx (2008), fenômeno e essência não se manifestam automaticamente nem diretamente, não se dão ao mesmo tempo nem de imediato. Tal aspecto sugere ultrapassar o reducionismo dos empiristas, dos naturalistas e dos idealistas para desenvolver uma análise da realidade concreta. Devemos partir da produção material da vida do homem e analisá-la dialeticamente em seu movimento.

Encontramos subsídios importantes sobre esse método nas obras Contribuição à

Crítica da Economia Política e O Capital. Nessas obras, Marx nos indica a necessidade de

compreender o sistema de mediação e relação complexa que não estão dadas na observação do objeto ou fenômeno, ou seja, não estão no aparente. Todavia, o aparente é fundamental, pois é preciso partir da forma como a coisa se apresenta aos nossos olhos, se colocar num trabalho investigativo de apreensão do processo que envolve e produz o aparente e o real (CAHUÍ, 2004; FERNANDES, 2008; NETTO, 2011). Para Marx (2008), uma mercadoria que se apresenta a nós como algo dado e abstrato, para ser consumida ou comercializada, não releva de imediato os processos que se deram para produzi-la e que a acompanharam, isto é, os processos que a impregnaram de valor de uso e de troca. Ela não é só uma mercadoria. Ela carrega o modo de produção capitalista. O trabalho do ser humano tornado mercadoria e expropriado, bem como outras determinações quanto ao uso, à aquisição, à transação e aos processos de transformação dessa mercadoria, que em geral estão acoplados a outras tantas determinações (MARX,2008).

Nesses termos, é fundamental perceber que a realidade nos é apresentada como algo dado de imediato, como algo natural, mas ela é resultado das determinações de um processo, é produzida, a essa síntese que Marx chamou de concreto. A história não é algo natural, é construída. Sendo assim, é importante entender que a história da educação infantil e de seu financiamento, bem como a própria ideia e defesa do direto à educação infantil não é algo dado, nem natural, é uma construção social. Portanto, acontece mediante ao movimento da vida material.

A compreensão da vida material, de modo particular na sociedade burguesa, é um fundamento geral e ontológico no método em Marx e aqui é tomado como uma chave de leitura. Não se trata de realizar uma leitura da realidade e da vida material de hoje a partir da

leitura da Marx, mas de ter como chave de compreensão o modo como os homens produzem sua existência como fator preponderante. Vale lembrar que, nesse sentido, o materialismo histórico pode ser tomado como um sistema de saber, uma teoria social, econômica e política, como, também, um método que permite a compreensão e a leitura de todas as formações históricas.

Marx (2008) ao explicar sobre seu processo e caminho investigativo destacou,

Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em suas totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18, compreendia sob o nome de "sociedade civil". Cheguei também à conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política. Eu havia começado o estudo desta última em Paris, e o continuara em Bruxelas, onde eu me havia estabelecido em consequência de uma sentença de expulsão ditada pelo sr. Guizot contra mim. O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. (p. 47)

Marx parte da Escola Clássica que revelou a concepção de realidade social histórica do capital, de caráter dinâmico e pessoal, para pensar a própria sociedade capitalista. Do ponto de vista metodológico, “a obra de Marx representa uma ruptura profunda com a orientação científica dos economistas da Escola Clássica” (FERNANDES, 2008, p.22).

Contra a concepção individualista, Marx (2008) antepõe um novo critério de realismo econômico destacando que a história social é movida por suas contradições e seus antagonismos e descreve a natureza material, social e dialética da realidade e da história (FERNANDES, 2008; NETTO, 2011). Nesse sentido, a natureza da realidade social histórica

constitui sempre uma totalidade, pois abarca a concepção de uma dada realidade e a totalidade determinante é o modo de produção capitalista.

O financiamento da educação infantil no Fundeb é tratado nesta tese não como um fenômeno novo, mas insuficientemente conhecido ou debatido. Precisamos reduzir a distância entre o conhecimento e o objeto, mesmo porque muitas afirmações sobre os recursos desse fundo para a educação infantil parecem dadas, bem como da importância do investimento nessa faixa etária. A função econômica, social e educacional da infância na modernidade é diferente do contexto recente, o que requer um trato sincrônico e diacrônico desse tema, ou seja, é preciso investigar como esse financiamento se apresenta hoje, sua estrutura e seu desenvolvimento histórico.