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2. INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

2.2. EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

2.2.2. Alfred Marshall e o investimento em educação

Alfred Marshall (1996), um dos primeiros economistas da Escola Neoclássica, tratou, mais claramente, da relação entre a educação e riqueza e, mais precisamente, sobre a relação entre educação e a elevação da produtividade, haja vista que para ele o investimento em educação era considerado como um fator de riqueza de caráter nacional. Marshall (1996) faz uma análise sistemática da relação entre as variáveis da educação, qualificação da força de trabalho e desenvolvimento econômico e, por essa razão, nos apresenta contribuições para a compreensão dos nexos entre investimento em educação com foco no desenvolvimento econômico de uma nação.

Marshall (1996, p. 203) evidencia que “o Capital é em grande parte conhecimento e organização” [...]. Nestes termos, não somente reconhece como afirma a importância do conhecimento na produção econômica de um país. O autor faz uma análise tanto em relação à educação e seu papel para riqueza nacional quanto para propor sugestões concernentes ao aumento da riqueza nacional a partir do aumento da qualificação dos trabalhadores. Para ele, a educação era condição essencial para o crescimento nacional, como também para o enfrentamento da pobreza. Escreveu Marshall (1996, p. 203): “o conhecimento é a nossa mais potente máquina de produção”.

As qualidades de um grande povo industrial é a capacidade de ter em mente muita coisa ao mesmo tempo. Cada coisa pronta ao seu tempo, agir rapidamente e saber resolver facilmente com qualquer mudança nos detalhes do trabalho executado, de ser constante e digno de confiança, de ter sempre uma reserva de forças para serem utilizadas em caso de emergência. Essas qualidades não são exclusivas de uma determinada ocupação, mas são requeridas em todas, e se nem sempre podem ser transferidas com facilidade de uma tarefa para outra da mesma espécie, o principal motivo é que elas precisam ser completadas pelo conhecimento do material com que se vai lidar e pela familiaridade com os métodos especiais.

Tais qualidades podem ser estimuladas ou desenvolvidas a partir de habilidades desenvolvidas no seio da família e da sociedade como um todo, durante a infância e a juventude. Estas são consideradas habilidades do tipo geral. Há por outro lado, aquelas habilidades que podem ser desenvolvidas na escola. Essas são as chamadas habilidades especializadas e podem acontecer em três níveis: educação geral, ensino técnico e educação artística (MARSHALL, 1996).

Marshall considerava a educação um investimento nacional, pois nutriu uma preocupação, particular, para com a grande massa trabalhadora que não tinha condições de se manter na escola ou de manter seus filhos na escola. Para ele, o investimento na instrução do filho do trabalhador seria tão produtivo quanto qualquer outro investimento, a exemplo, em maquinaria, pois, a escola poderia representar para esses muitos ganhos futuros e significativas contribuições “muito maiores do que parecem à primeira vista”. Nesse sentido, estabelece uma correlação entre investimento em educação da criança com investimento em um capital tradicional. Chega a afirmar que “o mais valioso de todos os capitais é o que se investe em seres humanos” (MARSHALL, 1996, Livro Sexto. Cap. IV, § 3).

Sobre estes aspectos, ele relatou que

É verdade que os filhos de operários frequentemente precisam deixar a escola quando mal aprenderam os elementos da leitura, da escrita, da aritmética e do desenho, e por vezes argumenta-se que a parte do pouco tempo gasto nessas matérias seria mais bem empregada em trabalho prático. Os progressos feitos na escola são importantes, não tanto por eles mesmos, mas pela possibilidade de futuro avanço, pois uma educação geral, verdadeiramente liberal, embora não se ocupe com os detalhes das diversas profissões, deixando essa tarefa para o ensino técnico, habitua o espírito a utilizar suas melhores faculdades nos negócios e a usar dos negócios como um meio para melhorar a cultura (MARSHALL, 1996, p.264).

Strauch (1996), ao prefaciar a obra “Princípios de Economia: Tratado Introdutório”, registra que Marshall nutria um sentimento de perplexidade com a forma que a livre empresa

pressionava os filhos da pobreza e com a perda de investimento por não se preocupar com o investimento educacional da família dos trabalhadores. O autor realça a importância do acesso à educação para a elevação das capacidades gerais e a geração de ganhos futuros. Para ele, a educação habitua, treina e favorece que o indivíduo utilize melhor sua inteligência para ampliar seus ganhos nos negócios, bem como para elevar sua dimensão cultural. Uma educação mais voltada para a profissão seria o objetivo e o papel do ensino técnico.

Marshall (1996) deu, ainda, acentuada importância à educação artística, diferentemente da educação do pensamento que tem uma dimensão marcadamente moral e cívica. A educação artística desenvolve nos sujeitos as faculdades mais elevadas, constituindo-se da cultura, da criatividade, sendo, pois, um “fator essencial da eficiência industrial” (MARSHALL, 1996, p. 268).

Dedicou significativa atenção ao ensino técnico, pois considerava que este tinha ligação direta com os procedimentos da produção industrial. Segundo Marshall (1996), o ensino técnico havia sofrido muitas alterações no sentido de adequá-lo às novas exigências dos setores produtivos. Anteriormente, esse ensino era limitado a ensinar a destreza manual e os conhecimentos elementares de máquinas e procedimentos, os quais qualquer rapaz inteligente aprenderia logo ao começar a trabalhar. Contudo, esse modelo de educação impede o desenvolvimento das faculdades individuais. Acreditava, portanto, que uma educação técnica que visava aos estágios mais elevados da indústria deveria trabalhar no sentido de desenvolver as faculdades do indivíduo do mesmo modo que a educação geral faz. Nesse sentido, a meta para a superação das dificuldades do novo ensino técnico seria “somar o treino científico a essa corajosa e infatigável energia, e aos instintos práticos” de maneira constante (MARSHALL, 1996, p. 265). Desse modo, ele concebe um ensino técnico para além da repetição de procedimentos, como também que ultrapasse a dimensão de treinamento para, com rigor e dedicação, aproveitar todas as possibilidades que essa modalidade indica.

Marshall (1996) considera a educação como um investimento nacional porque observa sua grande possibilidade para potencializar a produção industrial de um país, ou seja, a riqueza nacional. Para tanto, ressaltou que o acesso ao sistema educacional e às melhorias do mesmo poderia trazer ganhos imediatos para aqueles “que se elevam, de um nascimento humilde, às categorias mais elevadas dos operários especializados, tornando-se contramestres e patrões, ampliando os domínios da ciência, e talvez mesmo aumentando a riqueza nacional”.

Mas a “boa educação” proporciona benefícios indiretos e todo tipo de trabalhador (inclusive ao mais comum): [...] serve para estimular sua atividade mental, para manter o hábito de uma curiosidade científica, para

torná-lo mais inteligente, mais capaz e mais digno de confiança de trabalho, para aumentar o teor de vida em horas de trabalho e nas de lazer” sendo, assim, um meio importante de produzir riqueza material; ao mesmo tempo que, considerada um fim em si, não tem nada de inferior em relação a qualquer dos fins a que a produção de riquezas materiais pode servir (MARSHALL,1996, p.267).

A educação é considerada como um meio para produzir riqueza material, com contribuições de diversas naturezas, para o sujeito que a ela tiver investido ou acessado de alguma maneira e, o mais importante, para o indivíduo que não precisou abandonar seus estudos.

Contudo, Marshall (1996) reconhece os benefícios da educação, mas não defendeu que o Estado se responsabilizasse em assumir ou intervir na educação pública. Defendeu que o custo do investimento em educação fosse dividido entre o Estado e a família. Defendeu também a importância de fundos públicos e privados para assegurar a educação geral à população. Mas, não deixou claro como seria a participação do Estado. Sobre esse aspecto, aludiu sobre a importância e os ganhos com os fundos públicos e fundos privados apontando a notoriedade dos ganhos indiretos para o indivíduo e o país. Por exemplo, seria rentável dentro da educação das massas o valor econômico de um gênio que pode “valer uma cidade”. Isto é, os ganhos com um gênio industrial poderão cobrir todas as despesas com a educação de uma cidade.

Escreveu:

[...] não se podem medir as vantagens de consagrar fundos públicos e particulares para a educação do povo apenas pelos seus frutos diretos. Até mesmo como uma aplicação de capital, é vantajoso dar às massas maiores oportunidades do que as que possuem atualmente, pois é só por esse meio que todos aqueles que morreriam desconhecidos terão o impulso necessário para fazer brotar suas aptidões latentes. E o valor econômico de um único gênio industrial é suficiente para cobrir as despesas da educação de toda uma cidade (MARSHALL, 1996, p. 271).

Nota-se que Marshall (1996) faz uma abordagem mais analítica e sistemática da relação entre educação e desenvolvimento econômico com o foco na importância do investimento em educação para o aumento da produtividade. Defende um investimento de abrangência nacional e o investimento compartilhado entre Estado e família. Contudo, segundo Frigotto (2007), apesar de Marshall considerar a educação como um capital bastante valioso de modo que se possa investir nos seres humanos, ele discorda de Smith com relação à comparação entre investimento em máquinas e educação. Para Marshall, trata-se de uma comparação imperfeita, pois o trabalhador vende seu trabalho e mesmo assim permanece como sua propriedade.

Do final do século XIX, até meados do século XX, a relação entre economia e educação ganha uma atenção de maneira evolutiva até receber um status de disciplina no final da década de 1950. Nesta década, uma parcela importante de estudos sobre a relação entre Educação e Economia começou a despontar e a ser disseminada. Segundo Schultz (1963), houve nesse período um dilúvio de conferências, um vivo debate, bem como algumas publicações, estudos, monografias, artigos e levantamentos importantes sobre esse tema. Schultz (1963, p.10) enfatiza, por exemplo, que em 1961, a OCDE realizou algumas conferências sobre o Crescimento Econômico e Investimento em Educação, e a Unesco, em conjunto com outras agências internacionais, realizou um evento no Chile, em 1962, sobre Educação e Desenvolvimento Econômico na América Latina.

Schultz (1963; 1973) reconhece e cita que eminentes economistas já haviam voltado o olhar para o ser humano como uma espécie de capital. Segundo ele, Smith, Thünen, Fischer, Marshall e Knight foram alguns desses que haviam percebido e destacado a importância econômica dos progressos registrados no campo do conhecimento na melhoria da qualidade da força de trabalho, cada um numa perspectiva. Schultz explicita que, apesar de suas divergências, Marshall percebe a relevância do investimento nos seres humanos em inúmeras partes de sua obra, bem como o fato de esse autor ter reconhecido e afirmado que o conhecimento seria o maior motor de produção.

Frigotto (2007) também demonstra como Smith, Stuart, Mill e Marshall já faziam menção à educação e à sua relação com economia, apesar de que num entendimento diferente daquele compreendido pela Teoria do Capital Humano (TCH). Cunha (1975) também destacou que até a década de 1950, o crescimento da renda nacional era resultado da incorporação de novos contingentes à força de trabalho, ampliação da terra cultivável, e do aumento dos investimentos de novos capitais. Mas, a partir da reconstrução de economias como a Alemanha, Itália, França e o Japão, os economistas voltaram a atenção para os recursos humanos como fator de produção. A partir desse contexto, não só o trabalhador, mas também o nível educacional desse passa a ser levado em consideração. Aspecto que, segundo o autor, já havia sido postulado por Smith.

A partir de 1950, foram realizados vários estudos para tentar calcular essa equação, como os feitos por Edward Denison que focalizou o recorte temporal de 1929 até 1957, e Robert Solow, com recorte de 1900 até 1960. Mas, cabe ressaltar que, antes desse período, foram realizados vários estudos que evidenciaram formulações ou uma evolução da TCH no contexto da sociedade norte-americana, como os desenvolvidos por Blaug, Fisher, Nerdrum e Truls Erikson, e Baritz que, de algum modo, dedicavam importância ao investimento no fator

humano. O avanço de estudos sobre o valor da educação e a clareza cada vez maior da relação entre educação e economia resultaram na criação da disciplina Economia da Educação, no início dos anos de 1960, particularmente, com a criação e difusão da Teoria do Capital Humano.

A referida disciplina surge inspirada na teoria econômica neoclássica, preocupada em explicar os ganhos de produtividade gerados pelo fator humano na produção, com o valor econômico da educação, bem como o crescimento econômico de algumas nações no contexto após a Segunda Guerra Mundial. Partiram do pressuposto de que a instrução ou o investimento em educação representava o custo marginal da produção e que, por conseguinte, se transformava em ganho marginal na produtividade.