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3. EDUCAÇÃO INFANTIL E A POLÍTICA DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL DA INFÂNCIA: ALGUNS DETERMINANTES

3.1. EDUCAÇÃO INFANTIL E O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE CAPITALISTA: ALGUNS DETERMINANTES

De acordo com Ariés12 (1981), no período medieval até o final do século XII, a criança era compreendida como um “homúnculo” ou homens em tamanho reduzido cuja existência resumia-se ao convívio com o mundo do adulto. Não era percebida em suas particularidades e, portanto, não possuía uma noção da importância dessa faixa etária. Por essa razão, Ariés escreveu que muitas crianças morriam cedo e “morriam em grande número” [...] (ARIÉS, 1981, p.22).

Predominava uma noção de fragilidade, e “[...] por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto, um sentimento que poderíamos chamar de paparicação” (ARIÉS, 1981, p.100). O início da descoberta da infância se dá com a construção dos sentimentos de exasperação e paparicação relativos à criança, e foi necessária uma diferenciação inicial que de modo observável identificasse uma distinção entre o adulto e o infante. Essa distinção se deu por meio do traje. “[...] A adoção de um traje peculiar à infância, que se tornou geral nas classes altas a partir do século XVI,

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marca uma data muito importante na formação do sentimento da infância [...]” (ARIÉS, 1981, p.38). Esse processo se deu primeiramente para as crianças nobres e só depois, aos poucos, para as das camadas mais pobres.

Atenção, cuidado, proteção e atendimento educacional para as crianças com menos de 7 anos de idade: esses aspectos ganharam novos significados no contexto da modernidade. Esse cenário de grandes transformações econômicas, políticas e sociais teve impacto direto, na estrutura social, familiar e na concepção de homem, por conseguinte na compreensão da criança e de infância. A passagem de uma estrutura social agrária para a industrial, de um modelo de sociedade do campo para a cidade, de uma família extensa para a nucleada, vai impactar não só a estrutura das sociedades como também as condições sociais das famílias, sobretudo, as das camadas populares. Além desses aspectos e, em consequência deles, ocorreu uma elevação da pobreza, da miséria e da taxa mortalidade infantil.

Nesse contexto, e, particularmente na Revolução Industrial, surgem os jardins de infância e as creches. O advento das máquinas fez com que toda a família, pai, mãe e filhos fossem incorporados ao trabalho fabril, seja em virtude das preocupações com a sobrevivência da família, seja para o desenvolvimento do sistema produtivo. A Educação e o cuidado com a criança ganham espaços e tornam-se um assunto relevante e necessário para as sociedades posteriores.

Além dos fatores econômicos, políticos e sociais, fatores culturais e ideológicos também impactaram, significativamente, a constituição e configuração de espaços destinados ao cuidado, educação e proteção das crianças pequenas. Ao mesmo tempo, uma mudança profunda na concepção de homem e de mundo passa a ser difundida com o Renascimento, com o fim do feudalismo e o início da modernidade. Surge o conceito de homem liberal, altera-se o conceito de criança e infância, de mulher e de família. Momento em que o homem ganha centralidade e é posto como fundamental no projeto de superação de cultura medieval.

Podemos entender modernidade não só como um período da história, mas como um momento de elaboração e desenvolvimento de uma consciência e negação de tudo que era medieval, mediante a afirmação do homem, de sua individualidade, liberdade e racionalidade. Uma substituição da explicação do mundo de uma perspectiva teocêntrica e metafísica por uma perspectiva antropocêntrica. A partir desse período, “cabe ao homem conhecer suas capacidades como sujeito da história”. Ergue-se um “ideal que situa no sujeito humano o projeto que ele faz de si mesmo, situa no sujeito humano o destino de sua história, cabendo tão somente ao homem o destino de sua história” [...]. (ARAÚJO, 2007, p. 182).

[...] dessa concepção deriva a centralidade da criança e da infância no período da modernidade. Cabia, então, investir na infância e na criança em vista da possibilidade de construção do futuro da humanidade. É nesse sentido, que a Modernidade, criança e infância se entrelaçam, de forma que a infância se viabilizaria pela formação humana.

Nesse período revela estar nascendo a possibilidade de o homem buscar em si e em suas experiências a explicação para a sua própria história e para a história social da humanidade. De “buscar na educação a possibilidade de construção do próprio homem, daí então, o investimento no período da infância” (ARAÚJO, 2007, p.184). Nasceram e se difundiram várias formas de pensar a criança e a infância, de compreender suas características, bem como de educá-la. Na medida em que a infância foi se tornando objeto de preocupações educativas, diversas áreas também passaram a se interessar pelo tema, como a biologia, a psicologia, a medicina. Desse modo, vimos surgir na modernidade várias concepções e tentativas de definir crianças e o período da infância (ARAÚJO, 2007).

Nesse sentido, podemos mencionar alguns pensadores que, de algum modo, se ocuparam com a educação para a criança com menos de sete anos de idade: Lutero, (1483- 1546), Erasmo (1469-1536), Montaigne (1533-1592), Comenius (1592-1670) e Locke (1632- 1704), Rousseau (1712- 1778), e Kant (1724-1804), Pestalozzi (1746-1827) e Herbert (1776- 1841), Dewey (1859-1952), e Gramsci (1891-1937). Além desses, inúmeros outros pensadores e intelectuais se ocuparam em desenvolver estudos sobre essa faixa etária, como Froebel, Freinet, Montessori, Claparède, Freud, Piaget; Wallon, Vygotsky, dentre outros (ARAÚJO, 2007).

Lutero, por exemplo, escreveu que seria um pecado grave não educar uma criança e que para esse ofício eram necessários pessoas especializadas e educadores comunitários. Em sua obra De Pueris (1529), Erasmo de Roterdã concebeu uma ideia de individualidade da criança. Demonstrou preocupação com o desenvolvimento infantil e defendeu a instrução da criança. Montaigne na obra Ensaios considera a infância como um ser em construção, um ser humano que se faz. E defendeu a necessidade de um preceptor com cabeça bem formada e que educasse de maneira nova às crianças. Já Comenius, em sua obra Didática Magna (1632), faz uma renovação na pedagogia tradicional com relação à concepção de infância. Trata da corrupção no pecado original e aborda que a formação do homem tem que começar na puerícia. Para ele, a criança deveria ser educada com método para que não se afastasse dos estudos e sentisse motivação pelo mesmo. John Locke, em Alguns pensamentos sobre

educação (1792/3), abriu os passos para a compreensão moderna de infância. Ele considerou

mente em cada homem. Considerava, ainda, que a criança era como uma folha em branco que poderia ser moldada. Seguindo esse raciocínio, Rousseau (em o Emílio - ou da Educação, 1762) defendeu que a criança nasce boa, inocente, pura e livre para gozar da infância e é a sociedade quem a degenera. Ao elaborar essas assertivas, Rousseau rompeu com a ideia de pecado original e promoveu uma anulação da pedagogia e visão tradicional. O papel do educador seria de seguir e orientar a natureza da criança, que deveria ser preparada considerando a ideia de um reino de sua liberdade, de que seria senhor de si mesmo e que não deveria ter ou herdar nenhum hábito. Esse acontecimento marcou o início da pedagogia moderna e de uma concepção liberal de criança e infância. Passa a ser entendido como o homem do futuro, o protótipo do homem moderno, do homem livre e que se faz (ARAÚJO, 2007).

Para Kant (1803), já no século XVIII, as crianças nasciam corrompidas e precisavam ser enviadas logo à escola para serem disciplinadas, para usar a razão e passar da animalidade para a humanidade. É preciso planejar sua conduta. Já Pestalozzi, que sofreu influência tanto de Kant quanto de Rousseau, focou sua atenção em crianças das camadas populares. Para ele, a centralidade está na criança. Seu desenvolvimento e aprendizagem não estão no pai, nem nas palavras. Vinculado às ideias de Kant, Herbart entende que as crianças têm que ser mantidas dentro de seus limites. Para ele, o Estado confia esses cuidados às famílias, aos tutores e à escola. Também podemos destacar John Dewey com sua influência e contribuição para a educação da criança. Para esse autor, a educação é encarada como um processo de reconstrução da experiência (ARAÚJO, 2007).

Por outro lado, Gramsci defende uma postura que busque historicizar a criança. Em

Carta à Giulia, no ano de 1929, ele fez críticas e considerações ao modelo e compreensão de

desenvolvimento e atenção dados à criança, particularmente, ao modelo rousseauniano e à perspectiva da criança como ser puro inocente. Para ele, as crianças se desenvolvem de forma rápida desde a mais terna idade. Absorvem informação, imagens e aprendem sinais da aprendizagem e linguagens (ARAÚJO, 2007).

Em resumo, diante do sentimento de infância que passa a ser manifestado pelos homens, tanto o Estado quanto a família convergiram no mesmo sentido: preocupação com a mortalidade infantil, educação e proteção da criança. Diferentes sociedades começaram a requerer espaços ou instituições fora do âmbito da família para o cuidado, atenção e educação das crianças pequenas. Até esse período, havia pouco sinal da uma preocupação com a educação de crianças menores de 7 anos.

Nesse sentido, a partir do final do século XVIII e durante o século XIX, algumas instituições surgiram com o objetivo de proteger as crianças. As primeiras instituições de educação para crianças pequenas foram os jardins de infância criados, em meados do século XIX, por Frobel. A princípio, o objetivo era acolher crianças órfãs, porém logo em seguida foi adotado por famílias de alto poder financeiro e se tornou um modelo de atendimento de criança da classe burguesa. Já as creches abrigavam as crianças pobres e abandonadas. As escolas maternais tinham o objetivo de amparar órfãos e filhos de operários, oferecendo a guarda e algumas ações educativas. Os jardins de infância tinham o papel de iniciar parte educativa como complemento da ação familiar.

De acordo com Paschoal e Machado (2009), “as primeiras instituições na Europa e Estados Unidos tinham como objetivos cuidar e proteger as crianças enquanto as mães saíam para o trabalho”. Sua origem e expansão como instituição de cuidado à criança estão associadas à transformação da família (PASCHOAL; MACHADO, 2009, p. 80).

Segundo Didonet (2001), as creches nasceram do trinômio trabalho-mulher-criança. As mudanças na estrutura social e familiar trazidas pela Revolução Industrial, com a introdução da mulher no trabalho industrial e a passagem da estrutura familiar extensa para um modelo de família nucleada, colocaram a criança pequena em evidência como um problema social. Os pais e mães começam a trabalhar na indústria têxtil, nascente, e as crianças pequeninas passaram a ficar sozinhas em casa. Com isso, cresce o número de acidentes domésticos com crianças e de mortalidade infantil. Surge a necessidade de cuidadores de crianças e de espaços apropriados para os pequeninos.

Também as mulheres com crianças menores, que não podiam trabalhar nas fábricas, delegavam para outras mulheres que, ao invés da maquinaria, exerciam a função auxiliar na manutenção do trabalho feminino. Mas não havia tanto uma preparação no que se refere à instrução científica pedagógica quanto os espaços para acolhimento dos infantes. O que gerava em muitos casos maus tratos de crianças. Esse modelo de guardar as crianças pequenas constituiu uma das primeiras formas de assistência à primeira infância como fórmula para o saneamento de um problema que poderia interferir no processo de produção capitalista. Os cuidados referentes à alimentação, aos cuidados físicos e à higiene eram elementos centrais nestas instituições (PASCHOAL; MACHADO, 2009). Mas cabe ressaltar que, segundo Paschoal; Machado (2009), existiam algumas instituições na Europa, particularmente, na França (século XVIII) e na Escócia (início do século XIX), que não tinham finalidade exclusiva no atendimento à assistência social.

É nesse sentido que Kuhlmann Jr. (1991; 2000) afirma que os jardins de infância têm suas raízes nas propostas de reformulação do ensino para a sociedade capitalista moderna, industrial, que culminou no escolanovismo. Já as creches e as salas de asilo para as crianças seriam de origem francesa. Porém, nascem com objetivos diferentes e para atender a classes sociais distintas. Os jardins de infância, para atender às crianças de famílias abastadas, possuíam características educacionais. As creches, por sua vez, eram o local de atendimento das crianças de origem pobre, abandonadas, com traços marcadamente assistencialistas.

Assim, a preocupação com o atendimento à infância surge como uma situação- problema, haja vista que foi por esse lado, ou seja, como problema, que a criança começou a ser vista pela sociedade, “[...] E com um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial, é que começou a ser atendida fora da família” (DIDONET, 2001, p.12). Portanto, esses espaços tinham como foco e preocupação a mãe/operária, a otimização e a criação de condições para a exploração de sua mão de obra na fábrica e não, propriamente, a preocupação com o infante.

3.2. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: ALGUNS DETERMINANTES