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A educação não formal e a ressignificação da escola

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 158-160)

2 OUTROS CAMINHOS, OUTRA ESCOLA

3.2 A educação não formal e a ressignificação da escola

Canário (2005, p. 88), ao referir-se à necessária transformação da escola, assevera que, para além da necessidade de desalienar essa instituição, é indispensável também pensar a transformação da escola a partir do não escolar. Para esse autor, a escola é “dificilmente modificável a partir da sua própria lógica”.

A ressignificação da escola deve enfrentar a passividade e a apatia, por meio de conteúdos e pedagogias que contribuam para uma formação humana crítica. As opções pedagógicas devem desafiar professores e alunos a constituírem-se como sujeitos. São desafios históricos, mas que se avivam quando pensados nos contextos das sociedades complexas.

No âmbito da sociedade civil brasileira, os movimentos e as organizações sociais populares são importantes agentes para a ressignificação da escola. Costumeiramente, são considerados parte da educação não formal. Essa forma de educação, segundo Gohn,

São processos de autoaprendizagem e aprendizagem coletiva adquirida a partir da experiência em ações coletivas, podem ser organizadas segundo eixos temáticos: questões étnico-raciais, gênero, geracionais e de idade, etc. As práticas da educação não formal se desenvolvem usualmente extramuros escolares, nas organizações sociais, nos movimentos, nos programas de formação sobre direitos humanos, cidadania, práticas identitárias, lutas contra desigualdades e exclusões sociais. Elas estão no centro das atividades das ONGs nos programas de inclusão social, especialmente no campo das artes, educação e cultura. [...] E as práticas não-formais desenvolvem-se também no exercício de participação, nas formas cololegiadas e conselhos gestores institucionalizados de representantes da sociedade civil (GOHN, 2014, p. 41).

Nessa perspectiva, a educação não formal, mesmo ocorrendo fora do âmbito escolar, envolve processos relativamente sistemáticos com intencionalidades definidas e que apresentam certa estruturação, ou seja, não são espontâneas. Experiências de educação não formal são desenvolvidas em movimentos e organizações sociais que possuem a coletividade e a participação como elementos estruturantes. No que se refere à aprendizagem, a educação não formal

[...] designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos

a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc (GHON, 2014, p. 41).

Conforme citado por Ghon (2014), são vários os princípios que podem ser destacados nas experiências construídas por organizações que desencadeiam a educação não formal, que vão desde a aprendizagem dos direitos políticos à capacitação para o trabalho e a organização tendo em vista objetivos comunitários. Um dos movimentos sociais que protagoniza alguns desses princípios é o Movimento Sem Terra. A mobilização e a valorização das experiências dos sujeitos envolvidos; a concepção que educar é um ato político, a participação dos alunos na gestão da escola, a reorganização dos tempos e espaços, a ênfase no coletivo, a mística, entre outros. Esses elementos evidenciam rupturas com o modelo dominante da escola e gestam processos metodológicos vinculados aos problemas sociais.

Tais rupturas ficaram evidentes na organização do Instituto Josué de Castro. A formação dos grupos de base, as assembleias, a participação na organização dos cursos e do instituto, o Tempo Comunidade e o Tempo Escola rompem com uma gestão centralizadora dando ênfase à dimensão pública da escola.

A escola Iraci Salete Strozak, por ser escola base do MST, também possui princípios organizacionais e pedagógicos que são reveladores dessa relação: a construção de temas geradores e dos complexos temáticos, os conselhos de classe participativos, os ciclos de formação e a mística são alguns exemplos.

Na Escola Zandoná, a mística também está presente, assim como os temas geradores, o conselho de classe participativo e as consultas aos alunos sobre os eventos e as atividades realizadas. Esses são elementos que, diferentemente das outras experiências pedagógicas analisadas, foram concebidos a partir de uma proposta pedagógica que emergiu de políticas públicas que emanaram do poder do Estado. De modo especial, a Constituinte Escolar promoveu um processo de mudança, de ressignificação. Mas a formulação e o desenvolvimento dessa política pública mantiveram estreita relação com os movimentos sociais populares, na medida em que foi criada e desenvolvida por um governo estadual de cunho popular. Para além dessa vinculação, a atuação de professoras que faziam parte da gestão da escola em movimentos sociais populares e no movimento sindical foi determinante na elaboração e na continuidade da proposta (PIAIA, 2008). Nessa perspectiva, percebemos que a educação não formal oxigenou

os espaços de educação formal pesquisados, promovendo o desenvolvimento de propostas pedagógicas que vinculam a escola ao contexto.

Conhecer um acampamento sem terra, um assentamento, uma aldeia indígena ou uma associação de catadores de papel, assim como “assistir às sessões em câmara de vereadores, tribunais, reuniões sindicais, entre outros, abrem possibilidades importantes para a construção de núcleos temáticos que podem constituir-se em eixos dos processos pedagógicos” (CHARLOT, 1979, p. 300-301). O processo de ensino e aprendizagem que surge quando esses espaços de aprendizagem fazem parte de uma aula planejada pode instituir-se em experiência social e histórica, vindo a constituir-se em pedagogias sociais. Educar, nesses moldes, é orientar-se para uma educação em que os sujeitos aprendentes percebam as contradições sociais e busquem formas de resistir à dominação.

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 158-160)