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Projetos de iniciação à pesquisa na Escola Zandoná

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 104-108)

2 OUTROS CAMINHOS, OUTRA ESCOLA

2.1 Situando a experiência pedagógica da Escola Zandoná

2.1.3 Projetos de iniciação à pesquisa na Escola Zandoná

Procurando atualizar o currículo diante das demandas e dos desafios sociais na Escola Zandoná, os projetos de iniciação à pesquisa são trabalhados de forma paralela aos temas geradores. De acordo com o artigo escrito sobre o processo desencadeado com os projetos de pesquisa, a professora Rossetto, afirma que há um esforço para romper com a concepção de escola que



92 É possível ver os passos desse planejamento no plano de estudos do semestre do II Ciclo no Anexo B do Colégio

Iraci.

93 O trabalho com temas que se originam da vida concreta dos indivíduos, partindo de suas realidades, produzindo

uma ruptura com uma educação livresca e academicista conhecida como sistemas de complexos assemelha-se à metodologia proposta por Freire (CORAZZA, 1992, p. 19-21). Nas obras “Fundamentos da Escola do Trabalho” e “Escola Comuna”, estão colocados os princípios basilares da pedagogia de Pistrak que enfatizam, além dos aspectos mencionados, a auto-organização dos alunos e o trabalho como dimensão educativa.

[...] perpetua relações autoritárias, que busca a homogeneização, que privilegia conteúdos em detrimento de saberes diversos, um currículo pensado numa lógica linear, fragmentada e dirigida por grupos iluminados, a desconsideração das minorias e ou ausências das identidades docentes e dos educandos. A superação desse quadro exige trabalho coletivo. Há necessidade de uma formação humanizadora que considere e respeite essa diversidade, que problematize, interrogue, dialogue e que contemple a formação plena e plural, que busque a emancipação dos sujeitos, que avalie constantemente suas práticas para fortalecer os avanços e redimensionar os estrangulamentos elencados (ROSSETTO, 2013, p. 107)

Para alcançar esses objetivos, Rossetto (2013) ressalta a opção feita por uma metodologia que valorizasse a iniciação à pesquisa e a pesquisa social. A mesma autora explicita que a concepção de ciência, na qual se alimenta a escola, não postula a favor da neutralidade, estando vinculada a um projeto de sociedade que alivie a miséria humana.

Os projetos de pesquisa são orientados por uma professora, geralmente a orientadora da turma. De modo geral, os alunos em cada série aglutinam-se em grupos de três (de forma esporádica em 2 ou 4 componentes) e escolhem um tema ou problema que os inquieta e que poderia ser objeto de estudo.

Essa forma de iniciação científica acontece desde os anos Iniciais e vai até o Ensino Médio e tem, na Feira de Iniciação à Pesquisa, um espaço socializador dos trabalhos. O evento, com o passar dos anos, vem se destacando diante da comunidade barrafundense e na região, desde 2006, ano em que se iniciou a exposição dos projetos no atual formato.

A abertura da feira e a apresentação dos projetos de pesquisa são construídas pelos alunos com orientação dos professores. A feira acontece, na maioria das vezes, no final do 1º semestre de cada ano, a partir do término dos projetos de iniciação científica que começam a ser desenvolvidos no início de cada ano. A abertura é o ponto alto do evento, pois a temática escolhida pelo coletivo da escola (educandos e educadores) é representada por meio de uma apresentação artística filiada à linha pedagógica da escola. O desempenho artístico vai se constituindo e sendo aperfeiçoado no decorrer do processo. A respeito da feira, a professora Zandoná publicou um artigo em que escreve:

A organização e a montagem do espetáculo é tarefa que exige muita criatividade e dedicação das educadoras responsáveis pela apresentação. Várias atividades precisam ser desenvolvidas para realizá-la, tais como: leitura da realidade sócio-econômica- cultural, estudo, análise e compreensão do tema, concepção do espetáculo, reflexão da prática, elaboração dos personagens, concepção e confecção dos figurinos e cenários, criação da trilha sonora, preparação dos atores nas mais diversas atividades como: interpretação, canto, dança e habilidades corporais. (ZANDONÁ, 2013, p. 110).

processo que conduz à programação da abertura da feira:

Sabemos que a representação é um ponto forte no desenvolvimento da aprendizagem, pois promove a ampliação da visão da realidade local relacionando-a com a global. Além de estimular e enriquecer a consciência cultural e a criatividade, favorecendo experiências que auxiliam o educando, na organização de grupo, portanto, na organização no viés da coletividade e da crítica social (ZANDONÁ, 2013, p. 110).

A percepção da importância das apresentações artísticas nos processos educativos está vinculada à perspectiva de ampliação da visão sobre as realidades sociais. Com essa preocupação, foram retomadas, em 2014, a leitura e as discussões do livro Pedagogia do

Oprimido de Paulo Freire (1987), nas formações semanais. Essa leitura inspirou a abertura da

feira. Em 2014, um jogo de xadrez com peças vivas foi a apresentação que abriu o evento. Cada peça representava um elemento da sociedade, que, a partir da discussão gerada com os alunos, foi interpretada pelo grupo de alunos e professores e trabalhada em sala de aula como sendo a mídia, a igreja, as grandes empresas, os trabalhadores, o exército, entre outros. As tensões e as relações de força materializavam-se em uma disputa com cabo de guerra94. No final, ao som de

uma música, foram colados, no xadrez, palavras como luta, resistência, vida, trabalho e solidariedade.

A cada ano, é escolhido um tema para a abertura da feira que remete a objetivos perseguidos pela escola. O quadro a seguir apresenta os principais temas/ideias abordados e alguns objetivos propostos na abertura da Feira na instituição.



94 Também chamada de tracção à corda. É uma atividade esportiva na qual as duas equipes competem entre si em

Quadro 4 - Temas da abertura da Feira de iniciação a Pesquisa

Ano Tema Objetivo

2006 Parábola das Mãos Amarradas Remeter à ideia de que a educação exige saber escutar e não ficar parado, atrofiando a capacidade de pensar, falar e agir.

2007 Ensino Fundamental: representação de recortes históricos desde a descoberta do fogo pelos povos primitivos até a subida do foguete à lua.

Ensino Médio: o paradoxo das descobertas como fundamentais e importantes para a vida do planeta terra e momentos que ela destrói a vida dos seres vivos.

Refletir sobre a ciência e a sua função na defesa da vida.

2008 O ser humano e a influência do sistema econômico como fator que traz prejuízos à saúde.

Promover a reflexão sobre a essência e a qualidade de vida dos seres humanos, com elementos que promovem e destroem a vida.

2009 Alice no País das Maravilhas foi a inspiração para representar a Teoria da Evolução de Darwin e a literatura musical de We are the world (Nós somos o mundo), numa representação da teia da vida.

Refletir e produzir conhecimentos a partir da frase de Leonardo Boff “ E somos filhos e filhas da terra. Somos a terra que anda e dança, que treme de emoção e pensa, que quer e ama, que se extasia [...]”.

2010 Frase de Eduardo Galeano: “Não existe natureza capaz de alimentar o shopping do tamanho do planeta”.

Compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, onde não se pode estar indiferente à cultura dominante ditada pelo mercado. 2011 A frase de Marcelo Barros: “Uma

sociedade que reduz as pessoas a peças de produção e de consumo não compreende a linguagem do amor”

Refletir sobre os processos de massificação, consumismo a partir do conceito de liberdade, compreendendo o papel do conhecimento nesses processos.

2012 A defesa dos direitos humanos Ajudar a construir a consciência que a defesa dos direitos humanos foi e continua sendo uma tarefa de indivíduos dentro de uma coletividade que se recusam a ficar calados, que se descobrem humanos e buscam lutar contra todas as formas que desumanizam.

2013 Resgate da história dos sessenta anos da escola

Sustentar a ideia de que a história da Escola construída a muitas mãos, revelando avanços, dificuldades e desafios, mas, sobretudo, da relevância da proposta atual que busca uma educação libertadora e que respeita as diferenças.

2014 Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a serem sérios, justos e amorosos da vida e dos outros. (Pedagogia da indignação, 2000).

Problematizar a organização da sociedade capitalista e as relações de opressão entre os grupos sociais.

Fonte: quadro construída pela autora com base em Zandoná (2013).

indiretamente estavam ligadas às discussões e leituras da escola. O tema do evento, por sua vez, dá o direcionamento e, frequentemente, surge de uma frase, parábola ou mensagem que esteja relacionada à valorização da vida.

Ao analisar os temas do quadro, percebemos que a organização dos projetos e o desdobramento da feira vão se redefinindo. Os temas circulam em torno de questões relacionadas ao conhecimento, à democracia e à solidariedade, formulando uma crítica ao individualismo, à alienação e ao consumismo do sistema capitalista. A temática que, aparentemente, foge dessa linha condutora é aquela cujo tema abordou a história da Escola Zandoná, em 2013. Isso deve-se a dois motivadores: o aniversário da instituição e a busca pela valorização da escola e do método pedagógico por grupos e instituições locais/regionais. Ao final do evento, são realizadas avaliações com os segmentos da instituição escolar que lhe permite ser redimensionada a cada ano. Os projetos que quiserem inscrever-se em feiras de ciência realizadas em Universidades da região fazem o projeto e, se aceitos, apresentam em eventos de iniciação científica nas instituições. Os projetos seguem as orientações da metodologia científica e, em 2014, os projetos do Ensino Médio foram transformados também em artigos.

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 104-108)