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A formação de professores: os fundamentos de uma proposta coletiva

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 125-129)

2 OUTROS CAMINHOS, OUTRA ESCOLA

2.1 Situando a experiência pedagógica da Escola Zandoná

2.1.7 A formação de professores: os fundamentos de uma proposta coletiva

Na Escola Zandoná, dos vinte oito professores que trabalham na instituição, vinte e seis possui algum tipo de especialização; desses, oito têm duas ou mais especializações. Dentre as formações cursadas, destacam-se duas docentes com curso de Mestrado em Educação concluído e doutorado em Educação em andamento113. Dois eventos que a instituição participa habitualmente é o “Fórum Paulo Freire”, promovido em 2014, pela Universidade Regional Integrada (URI) campus Santo Ângelo, e o seminário promovido pelo sindicato dos professores do núcleo de Palmeira das Missões. Em ambos, a instituição participa ativamente, quer seja publicando artigos, na abertura dos eventos com apresentações dos educandos ou ainda quando alguns dos docentes são convidados a ministrar oficinas. A escola também possui uma representante no CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), ocupando o cargo de Secretária executiva, representando os trabalhadores em educação do Rio Grande do Sul – Brasil. Esses são alguns elementos que mostram que a busca pela formação continuada é uma constante, no entanto, a formação que se destaca nessa instituição é a formação de educadores na escola.

Na formação de professores114 que acontece semanalmente na Escola Zandoná, cada professor tem um caderno em que registra as práticas desenvolvidas. São destinadas duas horas semanais para os encontros, que são considerados períodos letivos e realizam-se em turno inverso ao segmento escolar. São agrupados os professores por áreas do conhecimento das seguintes etapas da educação Básica: Ensino Fundamental Anos Iniciais (grupo I), o Ensino Fundamental Anos Finais, reúne-se com a modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA) (grupo II) e o Ensino Médio 115 (grupo III). De maneira geral, os escritos nos cadernos

de formação buscam refletir sobre os avanços e os limites encontrados nas práticas pedagógicas. 

113 Ver quadro especializações e pós-graduação professores Escola Zandoná (Anexo E) .

114A formação de professores acontece de três formas distintas: a formação por meio de instituições formais nos

cursos de especialização e pós-graduação, a formação contínua na escola por meio de reuniões semanais e a participação dos professores em eventos de cunho pedagógico como cursos, seminários e simpósios de abrangência regional, nacional e internacional, que estejam alinhadas à proposta da escola que é a busca da humanização e a opção pelos oprimidos.

115Os grupos de professores, assim separados, reúnem-se durante a semana, após a aula do turno da tarde (17 às

É uma forma de registro e de exercício sobre a prática, considerando a importância da sistematização.

Para além desse conjunto de atividades, existem registros de falas coletadas na Pesquisa Participante, leituras teóricas para fundamentação do planejamento das falas, reflexões de textos lidos para a preparação dos temas que brotam das falas e o planejamento coletivo das aulas nas respectivas séries e áreas do conhecimento. Também a leitura de fragmentos de obras e autoavaliação são utilizados com frequência116. Esses registros, de modo geral, são socializados na busca pelo compartilhamento de dúvidas e outiva de sugestões.

Para dar mais visibilidade a esse espaço de formação, selecionam-se dois momentos da formação que se realizaram em períodos de tempo distintos: um encontro no início do ano letivo de 2013 e uma avaliação do trabalho pedagógico na escola no final do ano letivo de 2014. Em um relato de prática publicado em artigo, encontram-se algumas atividades realizadas no início do ano letivo de 2013 e que fizeram parte de uma formação. Em 2013, as atividades iniciaram

[...] com a entrega de cartões de diferentes tipos e cores, aos educadores, contendo nele uma frase de Nelson Mandela - Ser pela liberdade não é apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que respeite e melhore a liberdade dos outros. Na sequência foram feitas algumas considerações, neste espaço os educadores pronunciaram suas palavras e dentre elas os questionamentos: Qual é o conceito de liberdade para o opressor e para o oprimido? O que é ser livre na sociedade de consumo? Quem segura as correntes que nos aprisionam? Além dessas incógnitas discutiu-se a necessidade de romper com a opressão que é uma corrente nem sempre visível, outras considerações foram permeando o processo dialógico - a liberdade é uma conquista, exige espaço e desprendimento, processo contínuo, é necessário dar suporte para que todos sejam livres, a omissão é um modo de deixar os acorrentados privados da liberdade política, social, cultural e econômica (PIAIA; PIAIA, 2014, p. 453-454).

Essas reflexões permitiram ao grupo de professores construir um conceito coletivo de liberdade. Na sequência, os professores foram convidados a escrever, em tarjas, palavras que significam a negação da liberdade, ou seja, quando, em que e por que somos acorrentados. Dessa dinâmica, foram feitos elos e, dos elos, correntes, objetivando trazer à tona a consciência da opressão. A socialização dessa atividade culminou com o vídeo - O mito da caverna, de Platão, na tentativa de “olhar para as formas de negação das consciências e a necessidade de construir o que Freire chama de - intencionalidade transcendental da consciência. Finalizou-se a mística com uma canção de Antônio Gringo, chamada Cativeiros” (PIAIA; PIAIA, 2014, p. 453-454). Essa atividade foi posta em prática na abertura do ano letivo com toda comunidade 

escolar, culminando com os elos humanos compostos por cada um dos segmentos da escola, embalados pela mesma música, dessa vez tocada e cantada por pais de alunos da escola.

Em um segundo momento, na formação realizada na instituição pesquisada em dezembro de 2014, foi desenvolvida uma reflexão utilizando uma dinâmica que envolvia dois termos básicos: buracos e pontes. Após a reflexão, os professores foram orientados a realizar uma avaliação da sua prática e uma avaliação do trabalho de todos os segmentos da escola (direção, coordenação, secretaria etc.). A questão colocada aos professores foi: “Onde estão os buracos e onde estão as pontes?”. Em um documento onde as educadoras puderam expor as suas reflexões, encontra-se a seguinte análise de uma professora117:

Em minha caminhada diária à escola e dentro dela, já caí em vários buracos, uns porque não vi, outros porque vi e fingi que não vi. Era mais fácil cair nele do que abrir os olhos, sair dele e procurar outro caminho a traçar. Fiz isso com alguns alunos, nas primeiras dificuldades quis desistir deles, ou seja, caí várias vezes nesse buraco sem perceber que poderia criar uma ponte entre mim, ele e suas dificuldades. Aprendi com o tempo. Porém ainda persisto em cair em um mesmo buraco, o dos conteúdos. Não consigo enxergar uma ponte entre a necessidade e a cobrança dos alunos lá fora, da sociedade competitiva, da família, do vestibular e em minha prática na escola. O faço, mas com angústia de estar no buraco sendo puxado pelos dois lados. Sinto a necessidade de trabalhar a Geografia, Física, a Filosofia e a Sociologia, sinto a vontade deles também, mas por outro lado às vezes me lembro do planejamento, do intuito maior em construir ou transformar a visão ingênua, ou o senso comum (P1, 2014).

A escrita é uma autoavaliação da prática. Para tanto, utilizaram-se os termos buracos para mostrar os limites, as dificuldades no seu cotidiano e as pontes que representam caminhos, possibilidades. Ao referir-se aos “buracos”, menciona as dificuldades dos alunos na aprendizagem, a tendência em trabalhar a listagem de conteúdos e as cobranças da sociedade, como o vestibular. Para a educadora que escreveu a autoavaliação, as pontes seriam as possibilidades de uma relação mais estreita e persistente ente ela e os alunos com dificuldades e a busca da transformação da visão ingênua. No corpo dos cadernos de formação, percebemos também essa preocupação com a relação entre a proposta da escola - os Temas Geradores- e a prática desencadeada. Os relatos são frequentes e a socialização dos escritos uma prática sistemática. No que se refere ao apoio pedagógico, ocorreu, na gestão do governo da Frente popular do então Governador do Estado Tarso Genro (2011-2014), uma preocupação com a formação de professores que repercutiu de forma positiva na Escola Zandoná. A instituição, assim como as demais escolas públicas estaduais, obteve recursos financeiros para contratar 

117 Fragmento transcrito foi produzido por uma educadora da instituição da área das Ciências Humanas e Suas

profissionais via instituição de ensino superior que pudessem contribuir com as discussões e reflexões nas formações semanais.

Em comum, as duas práticas realizadas nas formações possuem a reflexão sobre os processos e o desejo de caminhar na construção de um projeto de ser humano, sociedade, educação e escola. Um dos meios para fazer essa relação avançar são as performances artísticas chamadas, na escola, de místicas. A mística da Escola Zandoná possui clara relação à mística realizada no MST. Segundo Coelho, nesse movimento social, a mística é

[...] uma prática cultural e política no interior do Movimento, o seu celebrar se configura como um lugar privilegiado em que se processam construções de representações. Devendo ser praticada em distintos espaços e circunstâncias, através da mística, o Movimento constrói suas visões de mundo, estabelece quais são seus valores e crenças, expressa o que espera de seus integrantes, legitima a luta pela terra, ressalta quem são seus aliados e inimigos nas lutas, e constrói sua memória histórica. Enfim, representa o seu mundo e o mundo que está porvir com a luta dos trabalhadores e trabalhadoras (COELHO, 2010, p. 177).

Essa prática coletiva é realizada no movimento em distintas situações e por meio dela estabelece as suas visões de mundo, as crenças, os valores e a luta histórica dos seus integrantes contra os seus inimigos, ajudando na construção da identidade do MST.

A gênese da mística está atrelada à Comissão da Pastoral da Terra118 (CPT), portanto, possui uma dimensão voltada para o sagrado, a fé e a religiosidade. Essa dimensão é perceptível na medida em que envolve elementos simbólicos atrelados especialmente a elementos religiosos e políticos como a cruz, a bíblia e os instrumentos de trabalho na tentativa de desenvolver a emoção, envolvendo as pessoas em seu contexto social, possibilitando que o sujeito pense sobre a sua realidade. Apesar de não existir uma homogeneidade são comuns alguns elementos que dão os contornos aos rituais. A menção a mártires que inspiram a luta pela terra e por direitos negados, a sua construção intimamente ligada ao contexto de cada grupo, aos símbolos, aos cantos e às palavras como luta, resistência e latifúndio. Por esse prisma, a mística cumpre um papel fundamental: sensibilizar auxiliando no processo de formação humana (ALMEIDA, 2005; COELHO, 2010). Na Escola Zandoná, também são frequentes as encenações que privilegiam símbolos, palavras e mártires identificados com as lutas sociais e com os grupos populares.



A mística também é descrita como fundamental nas pesquisas realizadas no Instituto Josué de Castro e na Escola Iraci. As temáticas são as mais variadas e incluem relações de opressão nas estruturas econômica e social e as interações entre os grupos e os educandos da instituição. O objeto da mística é, sobretudo, a história ou os eventos significativos da história do MST e do movimento operário e popular, buscando mobilizar cotidianamente as energias psíquicas da evocação do imaginário, do simbolismo, da identidade e do que desencadeia mais espontaneamente os sentimentos e a afetividade.

No educandário, em Veranópolis, ela acontece habitualmente no início da manhã e é organizada cada dia por um Núcleo de Base. Uma das místicas relatada por Andreatta (2005, p. 75-76), em seu diário de campo, foi uma celebração que problematizou a quase inexistência de inter-relações entre as turmas dentro do instituto Josué de Castro e buscou apontar para a necessidade de maior integração. A partir desse primeiro momento, foi solicitado que todos fizessem uma espécie de “corrente do beijo”. Cada educando deveria dar um beijo no colega ao lado. O pesquisador também destacou, como componentes essenciais na mística do instituto, a expressão, a gestualidade e a teatralidade.

2.2 O planejamento e a execução de uma aula na área das ciências humanas e suas

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 125-129)