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Qual o sentido de estudar para os alunos?

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 82-86)

1.3 Relação escola e grupos populares

1.3.1 Qual o sentido de estudar para os alunos?

Essa desmotivação aparente está relacionada ao sentido de estudar. Afinal, por que se estuda? O que faz a pessoa interessar-se por estudar algo? Sobre esse aspecto, Charlot assinala que o prazer, o desejo e a paixão de estudar são elementos fundamentais da vida escolar. Não é suficiente, conforme afirma, motivar o aluno a estudar, mas o mobilizá-lo para tal.

Não gosto muito dessa ideia de motivar os alunos, porque muitas vezes esse ato de motivar é o mesmo que enrolar os alunos para que eles façam alguma coisa que não estão a fim de fazer. O problema não é de motivação, mas de mobilização, que é coisa muito diferente. A motivação é externa, ao passo que a mobilização é um fenômeno interno: motiva-se alguém de fora, ao passo que se mobiliza a si mesmo de dentro (CHARLOT, 2009, p. 83).

A distinção que Charlot (2009) faz entre motivação e mobilização parece ser a chave para a compreensão da crise da escola. A motivação envolve aspectos externos, uma vez que é impulsionada por alguém ou por algo. A mobilização, diferente da motivação, envolve processos internos, traz a ideia de movimento. A mobilização, portanto, é um pressuposto fundamental de qualquer proposta pedagógica, visto que o desejo, o prazer e o interesse são essenciais na dinâmica dos sentidos que vão sendo atribuídos ao ato de estudar. Mas como despertá-los? O que fazer para mobilizar o aluno?

Segundo análise do próprio Charlot (2009), não existe saber sem certa relação com o saber e este é sempre uma relação com o mundo, com o outro e consigo. Essa relação precisa levar em conta o sujeito aprendente, percebendo-o não como dado; o sujeito existe no seu contexto, seus grupos sociais e essas influências não determinam, mas interferem indiretamente

no sucesso ou no fracasso escolar. Para o autor, é preciso pensar a escola na sua dimensão social e ontológica, incluindo o ser humano em uma relação orgânica com o saber, permitindo-se dar sentido às suas produções e desenvolvendo as suas potencialidades. A irritabilidade e mesmo a violência, a apatia e os desafios à autoridade do professor, em grande parte, são sintomas da dificuldade de dotar os conteúdos e os comportamentos escolares de sentido. Canário (2005, p. 159) também faz referência ao sentido de estudar e é categórico quando afirma: “Só se aprende alguma coisa em situações que façam sentido para o sujeito; portanto, a questão central da escola é a construção do sentido”. Continua Canário,

A inserção social das atividades escolares numa realidade territorial que transcenda as fronteiras escolares constitui um aspecto decisivo para esta construção de sentido [...] os alunos têm de ser capazes de integrar e relacionar a sua experiência escolar com todas as suas experiências de vida, porque é isso que lhes permite construir um sentido (CANÁRIO, 2005, p. 160).

A escola dominante no Brasil não trabalha com as experiências dos sujeitos. Ao ignorar os contextos dos alunos, os seus problemas, os projetos, as crenças e os imaginários, a escola gera descontentamentos que vão se somando ao contexto mais amplo de contestação do poder da autoridade, que se sente ameaçada e vê, nessa postura, uma ameaça ao seu papel de educador.

A gestão escolar, não raras vezes, ignora o educando e os seus processos educacionais. O exercício democrático, tão importante para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, é muitas vezes mencionado no projeto pedagógico, ficando restrito, na prática, à eleição de líder da turma e da direção da escola. O afastamento do estudante dos processos de decisão e discussão da rotina escolar desresponsabiliza e afasta-os da escola e, não poucas vezes, na prática, colabora para relações de poder assimétricas que são produzidas e reproduzidas nas mais diferentes esferas sociais.

Ademais, a estagnação ritualizada de conteúdos com poucas alterações expressivas apresenta-se em conhecimento único que se choca com a dinâmica dos espaços sociais. Parte importante desses conteúdos, Arroyo (2005, p. 5-6) define-os como “conhecimentos mortos” ou, como diz, “conhecimento vencido”, pois já passou da data de validade. Esses conhecimentos sofrem resistência por parte dos educandos. E por que eles resistem? Segundo ele “porque eles já sabem que esses aperitivos de conhecimento não lhes ajudam na compreensão das graves interrogações que a vida traz. As interrogações dos limites a que são submetidos, dos direitos que lhes são negados, das lutas em que participam que exigem

conhecimentos vivos”. Os conhecimentos vivos estão imbricados nas grandes questões da humanidade.

Arroyo ainda questiona:

Em algum currículo escolar está o programa da luta pela reforma agrária? A luta pela terra, o desemprego? Temos ouvido de jovens das periferias das cidades: vocês, professores, nos explicam coisas lindas, mas vocês não explicam porque nossos pais estão desempregados, porque temos que morar nessa imundície das favelas, porque nossas colegas têm que se prostituir para sobreviver, porque nossos colegas entram no crime ou na droga para sobreviver, porque entre os mortos de cada fim de semana 65% são jovens e adolescentes populares; isso vocês não nos explicam. Esse é o conhecimento vivo de que precisam nossos educandos. É o conhecimento a que tem direito e esperam da escola (ARROYO, 2005, p.6).

Os “conhecimentos mortos” a que se refere Arroyo (2005) acabam por despolitizar os processos sociais e educacionais, gerando um esvaziamento dos sentidos atribuídos aos conteúdos escolares e do próprio sentido de ir à escola. Essa relação com o saber remete a outro grande limite da escola no contexto das sociedades complexas.

Para além dos conteúdos, a forma como são trabalhados também desmobiliza o aluno, pois eles apresentam respostas prontas a perguntas ou problemas “que não corresponde a nenhuma pergunta da criança” (CHARLOT, 1979, p. 177-208). O comportamento de parte dos estudantes é entendido por muitos como “dificuldades pedagógicas” sem que as suas causas sejam reveladas. A escola, por sua vez, para combater esses problemas procura “remédios de ordem pedagógica”, sem entender a significação da contestação dos educandos, o que acentua a crise entre a escola e o saber.

Os argumentos expostos ao longo do capítulo revelam que a conjuntura política, econômica e social interfere profundamente nos princípios estruturantes dos processos educativos e, consequentemente, na escola, ocasionando um movimento que tem levado a acentuar a sua crise. Além dos elementos descritos, Canário (2005, p. 60-61) assevera que a escola vive grandes paradoxos que foram se avolumando a partir dos contextos sociais de que faz parte. O autor acredita que são cinco os paradoxos vividos pela escola; o primeiro reside no fato da escolarização ser contada como uma história de “progresso” e de “vitórias”. O segundo paradoxo é a hegemonia do modelo escolar que tendeu a contaminar todas as modalidades educativas, podendo asseverar que a educação está refém do escolar; um terceiro reside no fato da crescente escolarização de nossas sociedades ser concomitante com o agravamento de problemas de natureza social (guerra, pobreza, desigualdade) que configuram impasses civilizacionais. Um quarto paradoxo reside na centralidade da missão de promoção da cidadania

atribuída à escola, que se opõe ao fenômeno de retrocesso na participação política, nas sociedades mais abastadas economicamente e escolarizadas; finalmente, a “corrida à escola”, principiada na explosão escolar nos anos de 1960, não mostra indícios de enfraquecer. A crescente insatisfação com a escola traduz-se numa “intensificação da procura e na opção por percursos escolares mais longos, como se a escola se tivesse transformado num mal necessário".

A escola como portadora das promessas de triunfo da razão e da ciência é imbuída da missão de promoção da cidadania, mas enfrenta dificuldades em efetivar essas promessas ou mesmo a impossibilidade dessa instituição concretizar esses ideais. Canário (2005) acrescenta que as críticas à escola convivem com a hegemonia do modelo escolar (que tendeu a contaminar todas as formas de educação, chegando a afirmar que a educação permanece refém do escolar) e com a intensa procura pela escola. Esse contexto produz contradições difíceis de serem superadas, o que aumenta exponencialmente as críticas à escola, acentuando a sua crise.

Masschelein e Simons (2013), no livro “Em defesa da escola: uma questão pública”, analisam criticamente a escola e reiteram a sua importância. Defendem a ideia que a escola tem potencial para oferecer tempo livre e transformar conhecimento em bens comuns. Mas acusam as inúmeras tentativas de domar esse potencial. Em especial, eles denunciam o processo de redução do processo educativo à aprendizagem. A ênfase da educação recai nos métodos quando desconsidera-se ou diminui-se a importância dos objetivos e dos conteúdos mais amplos. Percebemos, portanto, um duplo reducionismo: a redução da educação em aprendizagem (expressa na máxima: aprender a aprender) e a aprendizagem em técnicas de ensino. É em função de um conjunto desses fenômenos, mas não só deles, onde afirmam que, no auge da democratização do acesso à escola, ela encontra-se ameaçada em sua dimensão pública de bem comum. Desse modo, na sua função de transmissão e libertação, se encontra-se o seu maior potencial e é nessa dupla possibilidade que está sendo constantemente atacada. Esse duplo reducionismo do currículo faz surgir novas fissuras na escola.

No documento 2016ConsueloPiaiaTese (páginas 82-86)