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A Educação Rural de 1930 a 1945: era getulista, com ênfase na

1.1 OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO NO CAMPO

1.1.2 A Educação Rural de 1930 a 1945: era getulista, com ênfase na

algumas iniciativas da escola nova

A década de 1930 é considerada um marco na história econômica e política do país. Nela ocorrem transformações estruturais na sociedade agrária que tende a uma sociedade urbano-industrial. O processo de rompimento com as bases da sociedade agrária exportadora a partir do ciclo do café para a industrialização é favorecido, em nível econômico, pela crise internacional de 1929, pela superprodução de café, aliada aos efeitos das grandes guerras

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A Escola Nova foi uma tendência pedagógica que buscava a melhoria da qualidade do ensino

através da reforma de currículos e métodos de ensino (condenava os métodos de ensino tradicionais, baseados na memorização), da melhoria da qualificação técnica d@s professor@s, do equipar as escolas com novos recursos e laboratórios. Trazia para a educação as contribuições de outras ciências, especialmente da psicologia e da biologia. Visava ser uma escola ativa, onde o ensino deveria estar centrado no aluno, e os métodos e as técnicas eram mais importantes do que os conteúdos propriamente ditos.

mundiais na estrutura econômica internacional, que possibilitou o rompimento do “sistema de exportação de produtos agrícolas versus importação de produtos industrializados” (Berger, 1977, p.90). Em nível político, o período foi de redefinições profundas da ação do Estado em função da rearticulação dos grupos de poder, após a Revolução de 30. Através desta revolução “o que se procurou foi um reajustamento constante dos setores novos da sociedade com o setor tradicional, do ponto de vista interno e, destes dois com o setor internacional, do ponto de vista externo” (ROMANELLI, 1984, p. 47).

Acontece, em nível nacional, uma mudança da sociedade agrária que tinha seus “rumos de ‘desenvolvimento voltados para fora’ no momento em que sua atividade prioritária era a produção de produtos agrícolas destinados ao mercado externo e, agora, passa para um ‘desenvolvimento para dentro’, ou seja, a industrialização e o favorecimento do mercado interno” (PEREIRA, 1989, p. 32). Buscava-se promover, segundo os parâmetros do modo capitalista de produção, “uma transformação da economia brasileira, introduzindo nela, os efeitos da modernização produtiva dos avanços da tecnologia já conquistada nos centros internacionais mais avançados, etc.” RODRIGUES, 1982, p. 29-30).

A passagem da economia agrária para a economia industrial era vista como a saída para a crise econômica brasileira. Para isso a agricultura deveria “liberar mão-de-obra para o setor capitalista, transferir capital e participar da criação de um mercado interno para os produtos industriais e, basicamente, alimentar a mão-de-obra através da economia de subsistência” (PEREIRA, 1989, p. 38). Como decorrência disso, o desenvolvimento das migrações, a partir do processo de urbanização e industrialização provocou o êxodo rural, trazendo para o governo preocupações sob o ponto de vista social. A ampliação da rede de escolas foi um instrumento de fixação da população no campo e um instrumento de dissimulação das verdadeiras causas do êxodo. Neste período ao “que parece, a grande ‘missão’ d@ profess@r rural seria a de demonstrar as “excelências” da vida no campo, convencendo o homem a permanecer marginalizado dos benefícios da civilização urbana” (MAIA, 1982, p. 28).

As novas tendências sociais e políticas oriundas das reivindicações urbanizantes iniciadas nos anos 20, aliadas as tendências escolanovistas e progressistas em educação, promovem mudanças mais arrojadas na educação nacional. Nos anos 30, o "entusiasmo pela educação" cedeu lugar ao "otimismo pedagógico": as orientações escolanovistas começam a ser propagadas e muit@s professor@s gaúch@s são atraíd@s por novos processos e métodos de ensino, que começam a privilegiar a qualidade em detrimento da quantidade. Tornam-se mais acirradas as lutas ideológicas em torno da educação: lutas em favor da laicidade, institucionalização e expansão da escola pública, igualdade de direito dos dois sexos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do ensino. O auge desta luta ideológica foi o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", publicado em 1932, que se opunha ao empirismo das reformas educacionais e era a favor da construção e aplicação de um programa de reconstrução educacional em âmbito nacional, visando a uma unificação da estrutura de ensino.

Em função do ideal de educação do grupo, os pioneiros da “Escola Nova” travam um conflito ideológico com as escolas católicas e o Estado tenta administrar o conflito através da Constituição de 1934, onde muitas das reivindicações d@s “agitador@s” foram incorporadas: reconhecer a educação como direito de todos (Art. 149), tornar o ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória (Art. 150), atribuir à União competência para fixar o Plano Nacional de Educação e coordenar a fiscalização da sua execução em todo o território nacional (Art. 150), entre outros.

A constituição de 1934 é a primeira Constituição Brasileira que se refere, em seu texto, à educação no meio rural. Em seu artigo 156, salienta a importância do ensino nas zonas rurais através da destinação de verbas específicas para isso. Sabemos que na época, dois terços da população brasileira vivia no meio rural e sendo a quota destinada à zona rural muito insignificante em relação ao todo (20% da quota destinada à educação), observa-se aí a força da influência do processo de industrialização e urbanização nas decisões governamentais (PEREIRA, 1989).

No RS, o movimento escolanovista contribuiu para a criação da Secretaria da Educação e Saúde Pública (1935), desvinculando as questões do ensino da

Secretaria do Interior. Começa a existir certa preocupação com a educação no meio rural: professor@s da referida Secretaria fazem cursos em outros estados sobre Normal Rural; inicia o processo de difusão e orientação para a implantação da instituição “Clube Agrícola” (SILVA, 1970).

Até aproximadamente 1935 @s educador@s escolanovistas haviam sido prestigiad@s por Vargas, mas com o Golpe de Estado de 1937 e com a instalação no país da ditadura, o prestígio do movimento renovador educacional entrou em visível declínio. As características do novo regime “impunham a adoção de uma política de educação autoritária e centralizada, voltada para o desenvolvimento do espírito patriótico e nacionalista, a fim de garantir um regime de paz política e social” (BRZEZINSKI, 1987, p. 86). Em 1937, com o estabelecimento de um plano centralizado e unitário da política de educação para o território brasileiro, pela primeira vez a União “demonstrava superar o longo período de silêncio quanto à sua responsabilidade na proposição de uma política escolar de caráter nacional, nos seus princípios e nas suas diretrizes fundamentais, estabelecendo uma articulação entre os diferentes níveis de ensino” (Idem, p. 86). Na área educacional, como em outras áreas, o Estado é que passa a tomar as mais importantes decisões: @s professor@s caberia manifestarem-se apenas “tecnicamente” (LOURO, 1986). Nesse período a educação começa a ser vista como um canal de difusão ideológica: era preciso alfabetizar sem descuidar dos princípios de disciplina e civismo (MAIA, 1982). Portanto a formação d@s professor@s esteve voltada para o desenvolvimento do ensino patriótico, nacionalista e controlado pelo governo na organização, nos objetivos, metodologias e conteúdos de ensino.

Nesse contexto, é criada, em 1937, a Sociedade Brasileira de Educação Rural, que tinha por objetivo a expansão do ensino e a preservação da arte e do folclore rurais (MAIA, 1982). Nessa década, estados brasileiros, como é o caso do Ceará, da Bahia e Pernambuco, criaram Escolas Normais Rurais. Este fato se deu em função de o movimento nacionalista defender a necessidade de transformar a escola primária nas áreas rurais, atribuindo-lhe a função de fixar o povo no campo. A única forma para atingir tal objetivo era capacitando o educador para atuar neste meio.

No RS, a entrada da tecnologia no campo, a mecanização da agricultura, a utilização em algumas áreas de terras para plantação ao invés de criação de animais, implicam na expulsão da população da zona rural gaúcha, acentuando- se o êxodo rural. Ocorre uma considerável expansão dos núcleos urbanos e o desenvolvimento de outro tipo de atividade econômica com as pequenas indústrias e o comércio (LOURO, 1986), começando a se desenvolver uma zona de pobreza nas cidades. As escolas gaúchas, especialmente aquelas situadas na zona rural que, na sua maioria, ainda ministravam o ensino na língua d@s colon@s e que mantinham a cultura de origem dest@s, foram proibidas, através de campanhas, muitas vezes violentas (como temos conhecimento que ocorreram no Alto Uruguai gaúcho), a ministrar o ensino em outro idioma a não ser em português.

A escola rural passa a figurar na agenda oficial do governo estadual gaúcho, a partir da década de 1930, certamente em decorrência da exigência demandada pela nova fase econômica e social, na qual o país estava ingressando. Em 1937 é elaborado o Plano de Educação Rural para o Estado do RS: novos padrões de eficiência aparecem no setor educacional (organogramas, orientações e controle passam a ser construídos para as instituições escolares). E, como a escola era vista como a instituição com maior vínculo com as comunidades, mesmo que a universalização estivesse muito distante, serviria muito bem para cumprir os interesses da classe dominante.

No final da década de 1930 há um aumento expressivo no número de prédios escolares, reformas nos existentes, aumento do número de professor@s e preocupação com a qualificação d@s mesm@s (LOURO, 1986). A forma de ingresso ao magistério público primário gaúcho foi alterada, sendo admitidos à inscrição no concurso “os professores e alunos-mestres diplomados pela Escola Normal ou Escolas Complementares oficiais ou equiparadas” (Decreto nº. 7.640 - 28 de dezembro de 1938). Porém a prática de contratação de professor@s leig@s nas escolas rurais era bastante comum.

Enquanto estes fatos aconteciam no RS, em nível nacional, em 1938, foi instituída a Comissão Nacional de Ensino Primário, com fins de realizar estudos que permitissem propor as bases políticas do ensino primário e estabelecer um

plano de combate ao analfabetismo. Em 1939 os cursos de formação de professor@s de todo o país sofreram alterações, procurando "afastar a escola do empirismo", buscando apoio em princípios científicos e de racionalidade. Com estas mudanças, a Escola Normal de Porto Alegre passa a chamar-se Instituto de Educação General Flores da Cunha e tendo o Instituto de Educação como centro, o Estado passou a estimular a realização de cursos de aperfeiçoamento e de especialização nas novas técnicas, e a incentivar que os outros Cursos Normais também seguissem a "linha" escolanovista.

Nesse mesmo ano foi alterada a estrutura do curso primário do RS, principalmente no que se referia a conteúdos e metodologia. Como resultado desse trabalho, em 1939, através do Decreto nº. 8.020, foi aprovado o programa mínimo de Linguagem, Matemática, Estudos Sociais, Estudos Naturais, Desenho, Artes Aplicadas e Música. Elaborado para as escolas urbanas, porém recomendado também para as escolas rurais, seguindo apenas algumas pequenas adaptações, o programa publicado em 1940 foi o primeiro programa oficial a ser adotado nas escolas públicas estaduais gaúchas.

Também em 1939, com o intuito de impulsionar o desenvolvimento do ensino rural no RS, é realizada no município de Farroupilha a “Semana Ruralista”, que estimulou a criação e expansão dos Clubes Agrícolas no Estado, com a pretensão de dinamizar o desenvolvimento dos “programas oficiais” das escolas rurais. É fundamental ressaltar que as primeiras orientações oficiais na tentativa de concretizar a educação rural gaúcha estiveram estreitamente vinculadas aos Clubes Agrícolas. Nos anos 40, os Clubes Agrícolas propagam-se por todo o Estado com a intenção de dinamizar o desenvolvimento dos programas oficiais escolares, “orientar vocações”, mas não profissionalizar: as atividades agrícolas na escola eram entendidas como uma forma de adequar o ensino ao meio e colaborar na aquisição espontânea de conhecimentos e técnicas, e especialmente na elaboração de conceitos e na formação de hábitos e atitudes desejáveis, em relação à vida regional. Embora o seu nome sugira o seu grande vínculo com o meio rural, ele não estava restrito às escolas deste meio. Silva (1940, p.51) comenta que deveriam existir duas modalidades de Clubes Agrícolas, a fim de “não urbanizar completamente a escola da roça, nem ruralizar ‘in tatum’ a escola da cidade”. Segundo ele, o principal objetivo dos Clubes era:

formar a mentalidade agrícola pela dignificação do trabalho manual, para que o problema rural, considerado como base da economia do país, encontre apoio entre os brasileiros em geral, em qualquer ramo dos conhecimentos humanos a que se dedicarem. Para que o habitante da cidade, sentindo esse problema, facilite sua realização, incrementando-o, proporcionando meios de transporte, saneando regiões endêmicas, procurando, enfim, levar ao habitante da zona rural, ignorante, doente, subalimentado, a assistëncia técnica e social – com o relativo conforto, a educação, a vivenda e os hábitos higiênicos, a saúde, a felicidade, enfim (Ibidem).

A citação anterior possibilita desmistificar a idéia do Clube Agrícola como uma “instituição capaz de garantir, na escola, espaço de auto-afirmação e promoção da cultura, do trabalho, da produção e das relações do trabalhador rural” (GRITTI, 1999, p. 108). O Clube Agrícola apresenta, na sua origem, “uma concepção estereotipada e inferiorizada do meio rural, ao mesmo tempo em que auto-afirma a superioridade do meio urbano” (Ibidem). Na década de 1940, explica Gritti (1999), a educação rural desenvolveu-se a partir de orientações oficiais de como proceder na prática cotidiana da escola rural a adequação do currículo às atividades agrícolas e de formação realizadas pelo Clube Agrícola.

Convém ressaltar que no ano de 1942 são criadas as primeiras Escolas Normais Rurais no RS.

1.1.3 - A Educação Rural de 1946 a 1964: período de