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4 FLORESCÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSOR@S

4.4 PESQUISA-AÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSOR@S

4.4.3 Pesquisa-ação: delimitações e conceituações

São diversas as conceituações de pesquisa-ação apresentadas pelos seus maiores defensores: Barbier (1985); Carr e Kemmis (1988); Carr (1989); Kemmis (1993); Elliot (1990); Zeichner e Liston (1993); bem como de Thiollent (1986).

Barbier (1985, p. 156-157), principal representante da corrente de pesquisa-ação francesa, concebe a pesquisa-ação como uma “atividade de compreensão e de explicação da práxis dos grupos sociais por eles mesmos, com ou sem especialistas em ciências humanas e sociais práticas, com o fim de melhorar essa práxis”. Ele distingue quatro tipos de pesquisa-ação: a “diagnóstico”, que procura elaborar planos de ação solicitados, onde a equipe de pesquisador@s entra numa situação existente, estabelece o diagnóstico e recomenda medidas para sanar o problema; a “participante”, que envolve no processo de pesquisa os membros da comunidade ameaçada (sic.); a “empírica”, que consiste em acumular dados de experiências de um trabalho diário em grupos sociais semelhantes, podendo levar de maneira gradual ao desenvolvimento de princípios mais gerais, e a “experimental”, que exige um estudo controlado da eficácia relativa de técnicas diferentes em situações sociais praticamente idênticas (p.39).

Para Kemmis e Mactaggart (1988, p.9) a pesquisa-ação é “uma forma de indagação coletiva empreendida por participantes em situações sociais com objetivo de melhorar a racionalidade e a justiça de suas práticas sociais ou educativas, assim como sua compreensão dessas práticas e das situações em que estas tem lugar“. Kemmis (1988) afirma que a pesquisa-ação requer o desenvolvimento de comunidades autor-reflexivas, de docentes e pesquisador@s comprometid@s em examinar criticamente suas próprias práticas e melhorá-las. Acrescenta que a interação da ação com a compreensão é um processo pessoal

único que leva à reconstrução e construção racional e é justamente o processo interativo de construção/reconstrução do conhecimento, um aspecto chave da epistemologia da pesquisa-ação. Comenta que o rigor da pesquisa-ação não deriva do uso de técnicas particulares ou específicas, mas da “coerência das interpretações lógicas, empíricas e políticas, nos momentos reconstrutivos da espiral auto-reflexiva (observação e reflexão), e a coerência das interpretações lógicas, empíricas e políticas em seus momentos prospectivos e re-construtivos” (p.46).

Segundo Elliot (1986), a pesquisa-ação é um estudo de uma situação social com o objetivo de melhorar a qualidade da ação dentro da mesma. Defende que ela é uma alternativa epistemológica que orienta a teoria curricular e esta deve constituir a elaboração teórica associada à prática curricular, desenvolvidas interativamente no contexto curricular. Ela aspira alimentar o juízo prático em situações concretas, sendo que a validade das “teorias” ou “hipóteses” que gera não depende tanto de testes científicos de verdade, mas de sua importância para ajudar o ser humano a atuar mais hábil e inteligentemente. Do ponto de vista metodológico, Elliott (1986) propõe uma seqüência de atividades para a pesquisa- ação: a) identificar e clarear a idéia ou problema central; b) explorar o problema através da descrição do mesmo e da elaboração e comprovação de hipóteses explicativas; c) construir um plano geral de investigação que deve incluir uma nova descrição revisada do problema e uma descrição dos fatores que devem ser modificados, e das ações a realizar para isso. Uma descrição dos recursos necessários e uma descrição das normas éticas; d) desenvolver rigoroso plano geral de investigação; e) à luz da prática, definir novamente o problema central.

Elliot (2000) propõe a formação de professor@s reflexiv@s a partir da prática, ou seja, o processo de teorização tem como ponto de partida a prática.

Segundo Oja e Smulyan (1989) apud Hart (1996), a investigação-ação :

-apresenta uma metodologia que compromete os professores em todos os aspectos do processo de investigação, quando estudam em suas salas de aula e escolas;

- combina metas para melhorar a prática, uma maior compreensão técnica e o desenvolvimento profissional;

- associa os professores e pesquisadores universitários na seleção e estruturação de problemas práticos;

- é enfocada no processo de desenvolvimento profissional dos indivíduos através do envolvimento em grupos de apoio;

- apresenta professores que apóiam o crescimento pessoal e profissional e;

- brinda novas perspectivas para analisar o que apóia ou impede o desenvolvimento pessoal e profissional, melhora a prática e a compreensão teórica (p. 130) [tradução nossa].

Para Thiollent (1986, p.14) a pesquisa-ação “é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo”. Do ponto de vista sociológico, a pesquisa-ação dá ênfase à análise das diferentes formas de ação e enfatiza que toda a pesquisa-ação é do tipo participativo, mas a recíproca, segundo Thiollent (1986, p.7), não é necessariamente verdadeira, pois neste caso “a participação é sobretudo participação d@s pesquisador@s e consiste em aparente identificação com os valores e os comportamentos que são necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado”. E acrescenta que “na pesquisa-ação, além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro, que nem sempre encontra em proposta de pesquisa participante” (Idem).

Thiollent (1986) restringe a pesquisa-ação a uma técnica, ou método de investigação, não considerando-a uma nova concepção de investigação educacional. André (2001, p.31) apresenta a pesquisa-ação como uma linha de pesquisa que visa “investigar as relações sociais e conseguir mudanças em atitudes e comportamentos dos indivíduos” (2001, p.31); ela envolve um plano de ação baseado em objetivos, um processo de acompanhamento e controle da ação planejada e no relato concomitante desse processo. Conforme Sato (1997), a pesquisa-ação é um processo de pesquisa onde os grupos sociais “investigam conjunta e sistematicamente um dado ou uma situação com o objetivo de resolver um determinado problema, ou para a tomada de consciência, ou ainda para a

produção de conhecimentos, sob um conjunto de ética (deontológica) aceito mutuamente” (p. 134). É uma modalidade de pesquisa em que se procura intervir na prática de modo inovador no decorrer do próprio processo de pesquisa, onde a participação das pessoas implicadas nos problemas investigados é absolutamente necessária.

Como é possível perceber, embora com pequenas divergências, é de consenso entre os autores que a pesquisa-ação é uma modalidade de pesquisa que visa à emancipação dos sujeitos e do grupo envolvido no processo. Na pesquisa em educação, existe uma diversidade de vertentes (enfoques) sobre o caráter da pesquisa-ação:

a) Vertente anglo-saxônica: influenciada pela proposta de Stenhouse (1984,

1996) e sustentada por Elliot (1990), apresenta caráter diagnóstico. Centrou-se inicialmente mais na imagem d@ professor@ e depois ampliou-se e diversificou- se, envolvendo questões relacionadas ao currículo e com as condições institucionais (ANDRÉ, 2001). Segundo Hart (1996), esta corrente tende a enfatizar a investigação interpretativa.

b) Vertente australiana: tem como seus principais representantes Carr e Kemmis

(1988), aproxima-se da anglo-saxônica, mas vai além, propondo que a pesquisa esteja voltada para atividades que gerem o desenvolvimento profissional, programas de melhoria da escola, o planejamento de sistemas e o desenvolvimento de políticas. Segundo André (2001, p. 32) a vertente australiana considera que o “processo de pesquisa-ação envolve o estabelecimento de uma série de ações que devem ser planejadas e executadas pelos participantes e devem ser sistematicamente submetidas a observação, reflexão e mudança”. O grupo deve ser autônomo tanto na condução do processo investigativo como na reflexão teórico-prática dos valores e ideais de sociedade a serem seguidos. Carr e Kemmis (1988), através da “pesquisa-ação emancipatória” defendem uma relação dialética entre teoria e prática. A vertente australiana é considerada mais crítica, política e consciente (HART, 1996).

c) Vertentes espanhola e portuguesa: têm como representantes mais

na educação continuada de professor@s. São vertentes filiadas às duas correntes anteriormente apresentadas.

d) Vertente norte-americana: os trabalhos iniciaram com Lewin, mas depois se

diversificaram. Está sustentada na investigação colaborativa ou coopetiva, tendo como principais representantes Cohen e Finch (1987) e Evans et alii (1981), que preconizam o trabalho conjunto e a colaboração progressiva entre pesquisador@ e grupo pesquisado. Segundo Hart (1996), as versões de pesquisa-ação norte- americanas tendem a ser mais técnicas.

e) Vertente francesa: tem Barbier (1985), como o seu principal representante,

voltou-se à educação não-formal (educação de adultos, educação popular, etc.). Seu objetivo é a emancipação dos grupos. É importante ressaltar que esta vertente de pesquisa desenvolveu-se na América Latina, sendo conhecida como pesquisa participante.

f) Vertente latino-americana: amplamente utilizada a partir da década de 1970,

vinculada aos anseios emancipatórios de grupos subalternos nos movimentos sociais, foi fortemente marcada pelas idéias de Paulo Freire, principalmente no que diz respeito aos estudos e trabalhos em educação popular. Inspirada na pedagogia centrada na prática propugnada por Freire e, com base neste referencial, são desenvolvidos trabalhos de pesquisa engajados, nos quais a militância política na luta pela emancipação dos oprimidos se articula a partir do diálogo com a problemática da classe trabalhadora.

g) Vertente brasileira: desenvolveu-se vinculada ao movimento de valorização

da cultura popular, que marcou o início dos anos de 1960, com grande influência de Freire, que convocava o povo a participar tanto da pesquisa como dos trabalhos de educação popular, evidenciando o caráter amplamente político de sua proposta. A vertente brasileira tem um sentido político muito claro: parte de problemas definidos pelo grupo, utilizando-se de instrumentos e técnicas de pesquisa para conhecer esse problema, para então delinear um plano de ação que traga algum benefício para o grupo. Também há uma grande preocupação em proporcionar às classes sociais um aprendizado da própria realidade, a partir

da pesquisa, para conhecê-la melhor e deste modo poder vir a atuar mais eficazmente sobre ela, transformando-a.

Na educação de professor@s existe uma verdadeira hibridização das concepções de pesquisa-ação, que pode ser atribuída à penetração das proposições do movimento o professor como pesquisador (ELLIOT, 1986) e da noção correlata de professor reflexivo (ZEICHNER, 1998). Hoje é reconhecida a necessidade de se estabelecer rupturas com o modelo da racionalidade técnica (SCHÖN, 1983), trazendo à tona a necessidade da reflexão/investigação sobre a própria prática docente para o desenvolvimento profissional d@ professor@ (SCHÖN,1983; ZEICHNER, 1998).

Stenhouse (1996), Elliott (1990, 2000), Carr e Kemmis (1988) valorizam as questões ético-políticas que norteiam os fins da pesquisa-ação, atribuem como principal objetivo da mesma a melhoria da prática pedagógica, o desenvolvimento do currículo centrado na escola, o desenvolvimento de um grupo auto-reflexivo na escola e a melhoria das condições para o trabalho pedagógico investigativo (FIORENTINI; SOUZA; MELO, 2000). Porém Carr e Kemmis (1988) e Freire (1983) vinculam o projeto de pesquisa-ação a um projeto político emancipador de sociedade – o qual orientaria a direção e o sentido em que a prática deve ser melhorada.

Acreditamos que Freire, com as obras “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia do Oprimido”, inaugura o caráter político-emancipatório com que a pesquisa-ação em educação passa a ser utilizada, na qual o diálogo ocupa uma papel central. Ele concebe que para existir uma educação libertadora, @ educador@-educand@ necessita investigar a realidade d@ educand@- educador@, para, do universo temático desta realidade, conceber os temas geradores que, codificados e decodificados, podem levar este último a uma compreensão mais refinada de sua situação (DE BASTOS; GRABAUSKA, 1997). Para Freire (1983), a prática educativa não é algo que pode ser “doado” por quem sabe a quem não sabe; mas é uma forma de os seres humanos se apropriarem, conscientemente, de sua realidade para, assim, terem condições de transformá- la.

A necessidade de que o educador-educando se coloque como um investigador também é um aspecto que reforça uma mudança na própria epistemologia do conhecimento pedagógico, descentrando o ato educativo, ou, mais do que isto, procurando torná-lo um ato de comunicação em comunhão, onde os homens, em conjunto, constroem seu conhecimento e, por sua práxis, podem lutar para ”Ser Mais” (DE BASTOS; GRABAUSKA, 1997, p. 139).

Em sua última obra “A Pedagogia da Autonomia”, Freire chama a atenção para o fato de que @ professor@ , como um/uma profissional situad@ histórico- culturalmente, produz uma prática pedagógica que pode tornar-se cada vez mais rica e significativa, se forem considerados saberes que dizem respeito a ações pedagógicas coerentes com uma opção político-pedagógica democrática ou progressista.

Acreditamos que a pesquisa-ação deve ser uma ação coletiva e colaborativa, que estimule os sujeitos e grupos a se aprofundarem na compreensão e interpretação de sua própria prática com vistas ao seu fortalecimento e emancipação. Portanto argumentamos em favor do caráter participativo da pesquisa-ação, e de sua grande importância na produção de narrativas, saberes e discursos que constituem identidades (COSTA, 1991, 1994).