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2 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENRAIZANDO NOS CURRÍCULOS

2.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – UMA TENTATIVA

NACIONAL ÚNICO

Em dezembro de 1995, ou seja, 24 anos após a última tentativa de estabelecimento de um currículo único para o ensino fundamental em todo o país, é apresentada a primeira versão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). No final do ano de 1997, @s professor@s que atuavam com as séries iniciais começaram a receber em suas escolas a versão final dos PCN para as quatro primeiras séries de escolarização. No mesmo ano (outubro de 1997) é apresentada uma versão preliminar dos PCN para o terceiro e quarto ciclos (correspondentes a 5ª a 8ª séries) do ensino fundamental, para discussão nacional. Em 1998, os PCN para o terceiro e quarto ciclos começam a ser encaminhados aos/às professor@s brasileir@s, em suas residências.

Os PCN estruturam o ensino fundamental em áreas, apresentando a justificativa de que @s alun@s do ensino fundamental não aprendem conteúdos estritamente disciplinares, mas, sim, um conjunto de conhecimentos, passíveis de serem ensinados e aprendidos. São eles: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Também apresentam uma série de temas atuais que, segundo o documento, nem sempre são contemplados nas áreas tradicionais do currículo, mas que deveriam ser abordados para contribuir para a formação de “cidadãos capazes de intervir criticamente na sociedade em que vivem" (BRASIL, 1997). Uma destas temáticas é Meio Ambiente. De acordo com as orientações, estas temáticas interdisciplinares deveriam estar presentes transversalmente no currículo de ensino fundamental, implicando no tratamento de conteúdos pelas diversas áreas do conhecimento, devendo, sobretudo, contribuir para o desenvolvimento de atitudes e valores.

Este projeto oficial inspirado em experiências realizadas em outros países, notadamente aquela realizada na Espanha, com o objetivo de estabelecer uma uniformização no sistema educacional de ensino elementar, a formulação de uma política de formação docente, um sistema nacional de avaliação, etc. Ele

representa uma tentativa de determinar conteúdos mínimos para todo o sistema e a estrutura do currículo, apresentando considerações pedagógicas, oferecendo orientações metodológicas aos/às professor@s, bem como manifestando critérios de avaliação de aprendizagens. Ou seja, a política curricular brasileira, assim como a que ocorre em vários outros países, determina conteúdos para todo o sistema e a estrutura do currículo, tece considerações pedagógicas e ainda se arrisca a oferecer orientações metodológicas aos/às professor@s, assim como manifesta critérios de avaliação da aprendizagem. Segundo Gimeno e Pérez Gómez (2000, p. 217), esse intervencionismo pedagógico é fruto histórico “de uma mistura entre uma tradição de controle ideológico e burocrático, sobre @s professor@s e sobre a cultura escolar em geral, e bem-intencionadas pretensões de ‘inovar desde os documentos oficiais’, difundindo máximas pedagógicas e ‘novas teorias’”

Apesar de os PCN concederem um certo grau de autonomia às escolas para adaptarem e concretizarem o currículo, é importante destacar que “se trata mais de adaptar do que criar, porque tal fato nem seria permitido às escolas e professor@s nem entraria dentro de suas possibilidades fazê-lo, devido às condições de trabalho destes” (GIMENO, 1998, p. 245). Este currículo nacional, justificado em função da construção de um sentimento de identidade nacional, “tende a excluir, das salas de aula, os discursos e as vozes dos grupos sociais oprimidos, vistos como não merecedores de ser escutados no espaço escolar” (MOREIRA, 1996, p. 13).

Logo após sua apresentação, a proposta dos PCN transformou-se em polêmica nacional, questionando-se as concepções filosóficas, políticas e pedagógicas inspiradoras de tal documento; a estratégia utilizada em sua elaboração, especialmente por não ter sido originada de um processo democrático e participativo, desconsiderando a produção teórica brasileira e estando estreitamente afinada com o modelo político neoconservador/liberal. Segundo o MEC, a equipe da Fundação Carlos Chagas, que coordenou a elaboração dos PCN, analisou propostas curriculares oficiais existentes em todos os Estados e algumas propostas municipais, refutando deste modo a crítica de que o currículo nacional não acolheu os movimentos e experiências que estavam acontecendo na realidade brasileira.

Corazza (2001), analisando a informação apresentada acima, afirma que os fundamentos (psicopedagógicos, socioantropológicos e epistemológicos) apresentados nos PCN, são aqueles construídos, elaborados por educador@s/ pesquisador@s crític@s, que estes fundamentos são referência para @s formador@s de docentes para o ensino fundamental. Porém não foram @s educador@s crític@s, que elaboraram os PCN, ou seja, que redigiram o documento que elaboraram e estabeleceram tais fundamentos no currículo oficial.

Em 1999, a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) do MEC começa a implementar o “Programa Parâmetros em Ação”, em parceria com os sistemas estaduais e municipais de ensino, através do desenvolvimento de ações voltadas à formação de professor@s. Segundo a SEF, a proposta central dos “Parâmetros em Ação” visa desenvolver quatro competências profissionais básicas: “leitura e escrita; trabalho compartilhado; administração da própria formação; e reflexão sobre a prática pedagógica” (BRASIL, 2001, p. 9). Através da constituição de grupos de estudo, preferencialmente na própria unidade escolar, visa estimular a prática do trabalho coletivo. Em 2001 inicia o processo de implementação dos PCN em Ação de Meio Ambiente.

Os PCN são um “discurso”, no sentido foucaultiano, e a partir da materialização de seus componentes lingüísticos, um “governante” de cada indivíduo e da população. É um “governante que não é um indivíduo político, nem se corporifica em alguma entidade central ou mecanismo burocrático”, mas que consegue governar, “por ter sua prática conformada a um certo diagrama de forças políticas, e a um conjunto de tecnologias administrativas, que enunciam sua própria razão e a do Estado” (CORAZZA, 2001, p. 79). Ele é um derivativo da “lógica governamental, que rege todos os currículos nacionais das democracias (neo)liberais” (Idem).

Preparados, escritos, editados e intensamente divulgados pelo MEC brasileiro, os PCN certamente são formas privilegiadas de controle e regulação. Através de um regime moral estabelecido nos PCN, o Estado brasileiro governa a vida d@s estudantes, e ao governar as condutas morais, ele neutraliza ameaças contra “a riqueza, a propriedade privada, o abuso sexual, a destruição ambiental. Ele se propõe a evitar o crime, o roubo, a pobreza material e espiritual, os vícios,

a violência, todos os descalabros que se multiplicam na vida moderna. Ele se pretende profilático aos males morais e um modo profilático de ação – conduzir a conduta moral” (CORAZZA, 2001, p. 92), deixando inquestionáveis os fatores sociais, econômicos da sociedade brasileira que gera estes males morais.

Interdisciplinaridade e transversalidade ocorrem por decretos governamentais?

Os temas transversais são apresentados por inúmeros pesquisadores como sendo uma das orientações teóricas mais inovadoras dentro da Teoria Curricular, ao permitir desenvolver itinerários próprios, bem como mobilizar e reciclar aspectos clássicos dos planos de estudos. No Brasil, com os PCN a palavra transversalidade foi incorporada no vocabulário d@s professor@s brasileir@s. A transversalidade sugerida pelos PCN é raramente definida nos textos oficiais. Os temas transversais são apresentados como assuntos de urgência social e de abrangência nacional, que “possibilitam o ensino e aprendizagem e favorecem a compreensão da realidade e a participação social” (BRASIL, 2001, p. 15).

A palavra “transversalidade” vem sendo muito empregada entre @s educador@s brasileir@s, mas a noção está sendo banalizada e pouco, ou quase nada praticada. Certamente a noção de transversalidade tem uma origem teórica e política que não pode ser desprezada. Ela tem sua origem com o chamado “pensamento de 68”, onde se destaca o trabalho de Félix Guattari. Segundo esta concepção:

a transversalidade não hierarquiza o conhecimento e nem separa a ciência, da arte e do cotidiano. A transversalidade pensada deste modo não exclui as contribuições das mais diversas fontes do conhecimento que permitem a compreensão do outro/contrário, e que contribui efetivamente para uma intervenção constante, irredutível no tempo e no espaço em que se vive. (...) a transversalidade está intimamente ligada com o cotidiano e com o conhecimento, não inadvertido, nem dividido em barreiras e limites, sejam visíveis ou não (REIGOTA, 2000, p. 23 [tradução nossa].

Reigota (2000) complementa afirmando que “entendida deste modo, ela [a transversalidade] é uma proposição político-pedagógica radical que altera completamente a noção de transmissão e construção de conhecimentos” (p. 23) [tradução nossa]. Ela está relacionada com o processo de “desconstrução de conhecimentos e representações sociais que produzem o sistema social, cultural e político vigente” (Idem). A transversalidade rompe com a estrutura disciplinar das escolas, ela é anti-rotinas, contra a uniformização, a hegemonização, a burocratização.

Ao criticar a proposta dos temas transversais, Reigota (2000) afirma que a transversalidade no Brasil tornou-se uma “banalização neoconservadora de uma proposta pedagógica radical” (p. 19), que o grupo de poder atribuiu aos temas transversais uma “ênfase padronizada, não conflitiva, adequada aos padrões morais hegemônicos e aos interesses econômicos e políticos de seus membros” (p. 24).

Também é importante ressaltar que as reformas como as propostas pelos PCN

que querem implantar novos estilos educacionais e inovar os currículos, empreendidas, geralmente, pela iniciativa dos governos, como a pretensão de estendê-las ‘em cascata’ a todo o sistema educativo, são bastante caras, exigem abundantes e variados recursos para torná-las realidade. Provocam inumeráveis conflitos (...) [bem como] não podem satisfazer as expectativas que diferentes grupos põem nelas: pais, professores/as, empresários, etc., ou seja, conduzem, embora parcialmente, à frustação” (GIMENO, 1998, p. 248).

No histórico da educação, percebemos que o sistema curricular sempre esteve aparelhado ao Estado, com regras, normativas, para ditar as estruturas organizativas das escolas, enquanto “conteúdo” e “metodologia. Estaria assim, algum documento em nível nacional, adequado ao contexto de cada escola? Eliminaríamos, através de orientações curriculares genéricas, o fracasso escolar, a péssima condição de trabalho ou a lacuna na formação de professor@s? Defendemos que é preciso responder ao bombardeio provocador, reivindicando uma efetiva política educacional que possibilite a nossa capacidade inventiva de

ultrapassar fronteiras antes acenadas, traçando uma proposição na perspectiva que ofereça a identidade de cada escola, com autonomia e responsabilidade.

Os PCN, procuram dar resposta às contradições entre a necessidade de dar um espaço próprio ao estudo do meio ambiente e a natureza intrinsicamente interdisciplinar e "transversal" dos conhecimentos que esta propõe. A transversalidade é apresentada pelos PCN na perspectiva didática e a interdisciplinaridade na dimensão epistemológica, ignorando a dimensão política da educação: transversalidade e interdisciplinaridade não ocorrem por decretos governamentais (SATO, 2001). Pensamos que a incorporação da dimensão ambiental no currículo da educação básica passa pela formação d@ professor@. A proposta de temas transversais, além de modificar a organização tradicional do conhecimento e o funcionamento das instituições escolares, deposita n@ professor@ “a iniciativa de incorporar temas e desenvolver atividades de natureza local, assim como de proporcionar articulações com outras áreas do conhecimento e com a realidade do estudantes” (GONZÁLEZ GAUDIANO, 2000, p. 67) [ tradução nossa]. O autor alerta que precisamos ter um grande cuidado para que a Educação Ambiental, que apresenta grande potencial na formação de sujeitos, não se banalize em “propostas desarticuladas, conservacionistas e alijadas da complexa realidade de nossos povos” (p. 67) [tradução nossa].

Novo (1998) reconhece a EA como um tema transversal, pois não aparece associada a alguma área específica do conhecimento, mas a todas elas em geral; é um movimento inovador, cujos princípios afetam o sistema educativo; gira em torno de problemas que afetam o sistema educativo e o sistema social em seu conjunto, na medida em que estes se relacionam com outros sistemas (ecológicos, econômicos, etc.). Destaca a importância do trabalho sobre valores nos temas transversais, enfatizando que a EA deve favorecer um “forte exercício de re-planejamento ético sobre o modo como nós, seres humanos, nos percebemos em relação com o resto do mundo vivo e não vivo” (p. 222) [tradução nossa]. Por ser transversal, a EA apresenta a necessidade de que a comunidade educativa incorpore seus princípios em todas e em cada uma das fases do desenvolvimento curricular, tanto a nível de objetivos, como de conteúdos ou de metodologia. Destaca a necessidade de formação de professor@s para trabalhar

a partir desta ótica educativa, que supõe “um forte re-planejamento de muitos modos de fazer tradicional” (p. 222) [ tradução nossa].

Defendemos a idéia de que o meio ambiente é efetivamente um tema transversal, não apenas porque pode ser assumido por todas as disciplinas escolares, mas porque procura relacionar diversos tipos de reflexões: a mais ecológica, coerente com a epistemologia do conhecimento sobre a natureza; a mais metodológica, coerente com a complexidade deste tipo de conhecimento (Morin, 2000); a mais especificamente pedagógica, coerente com os conhecimentos atuais sobre os processos de ensino e aprendizagem. É também um tema transversal, porque coloca sobre uma única mesa, pontos de vista e interesses diferentes: desde associações ecologistas a professor@s que querem inovar, desde entidades locais que buscam responder às exigências e às emergências ambientais, a cidadãos comuns que se preocupam com estas emergências (MAYER, 1998).

2.3 – A CONSTITUINTE ESCOLAR – UM MOVIMENTO DE