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3.   AS CONDIÇÕES PRODUTIVAS E RENDA MONETÁRIA 114

3.1 ASPECTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS – INFRAESTRUTURA PRODUTIVA

3.1.3 A educação: um obstáculo histórico nas regiões rurais

Outro obstáculo para a viabilização dos agricultores familiares está ligado aos imperativos institucionais e estruturais. No quesito relativo ao acesso e o nível da escolaridade formal, no Brasil mais de 75% dos dirigentes dos estabelecimentos tem somente ensino fundamental completo ou incompleto (IBGE, 2006). Helfand, Moreira e Júnior (2014, p. 304) ao estudar diversos grupos de agricultores moradores de estabelecimentos e situados entre 5 e 500 ha, encontraram uma correlação direta entre níveis de escolaridade e uso de tecnologia e insumos de produção: “Níveis mais elevados de escolaridade estão correlacionados ao uso mais intenso de crédito e assistência técnica, fertilizantes, irrigação e especialização na produção”.

A exigência da elevação da escolaridade dos agricultores familiares se impõe com uma condição fundamental com vistas a atender as necessidades econômicas do capitalismo. A esse respeito Bourdieu (1979) argumentou que “[...] a organização econômica tende a se impor como um sistema quase autônomo que espera e exige do indivíduo um certo tipo de prática e de disposições e habilidades econômicas [...]”. O que precede nessa abordagem e exige dos indivíduos um modelo sistematizado e articulado de competência “[...] em que a busca incansável e quase religiosa no credo por competência e

132 competividade por anos são inseridas, reforçadas e assimiladas [...]”. É dessa forma que a elevação da escolaridade promove “[...] através da educação implícita e explícita, o espírito do cálculo e de precisão tende desse modo a aparecer como incontestável porque a racionalização é a atmosfera da qual se alimenta”. (BOURDIEU, 1979, p. 15).

A relação entre educação e agricultura não representa nenhum ineditismo, e o tema foi amplamente pesquisado e estudado por Schultz (1965) e muitos outros autores. Sua tese principal defendia que a oferta de educação aos agricultores significaria um elemento decisivo para melhorar e aprimorar o capital humano. Esse fator, segundo o autor, seria fundamental para o crescimento econômico originário das atividades da agricultura e resultaria no uso eficiente dos recursos materiais e humanos disponíveis e com melhores possibilidades de gerar renda. O autor argumenta que a mudança nos padrões e nas condições tecnológicas da agricultura eleva o valor e a necessidade de escolaridade formal dos agricultores. Essa concepção busca valorizar a capacidade empreendedora, como um elemento que, teoricamente, possibilita maior capacidade de obter sucesso, ao desenvolver habilidades em perceber, interpretar e responder aos novos eventos em contextos dinâmicos em que a competição intercapitalista é um traço comum.

Parece ser um fato razoavelmente aceito na sociedade que as possibilidades de sucesso de quaisquer empreendimentos, sejam eles individuais ou coletivos, estão condicionados de alguma forma à capacidade dos indivíduos acessar oportunidade e poder fazer as melhores escolhas disponíveis. Sen (2010) investiu, suas reflexões para enfatizar a importância da oferta de educação de boa qualidade (entre outros aspectos) a todos indistintamente, como forma de viabilizar a opção do desenvolvimento como expressão individual da liberdade, além de se constituir como principal estratégia e instrumento na redução das desigualdades sociais. O autor afirma que:

Existem boas razões para que se veja a pobreza como uma privação de capacidades básicas, e não apenas como baixa renda. A privação de capacidades elementares pode refletir-se em morte prematura, subnutrição significativa (especialmente de crianças), morbidez persistente, analfabetismo muito disseminado e outras deficiências. (SEN, 2010, p. 35).

A baixa escolaridade é um fator estrutural limitante que bloqueia a introdução e o uso de novas tecnologias, inibe o aumento da produtividade do trabalho, a adoção de novas formas de gestão aos estabelecimentos rurais, e impede um melhor aproveitamento dos recursos materiais, ambientais e humanos disponíveis. Essas habilidades e competências são uma condição imposta pelo novo padrão de desenvolvimento agrário e agrícola, na

133 medida em que o conhecimento formal auxilia a compreender e assimilar os processos produtivos, gerenciais e administrativos, a fim de participar dos mercados agropecuários desenvolvendo estratégias criativas de competição. Existe ampla pesquisa internacional que demonstra a importância da educação na adoção de tecnologias destinadas a aumentar as condições de produção e produtividade na agricultura (HELFAND; PEREIRA, 2012).

Significa afirmar que o conjunto de organizações de representação política da agricultura familiar deve ser permeável, e possuir as habilidades em capturar as mudanças e as tendências que estão ocorrendo com os agricultores familiares, nas regiões rurais e na sociedade, a fim de promover transformações internas que respondam aos desafios impostos pela realidade social e econômica dos agricultores familiares.

A Tabela 10 traz os dados relativos ao grau de escolaridade dos chefes dos estabelecimentos dos agricultores familiares no universo de pesquisa investigado. A soma do percentual de analfabetos entre os chefes dos estabelecimentos na área pesquisada ficou em 15,5%, com o ensino fundamental incompleto ficou em 5,0%, com o ensino fundamental completo, 21,5%. Esses dois grupos somados (ensino fundamental incompleto e completo) representam 43,0% da amostra. Com nível médio incompleto, 32,9%, com nível médio completo, 19,2%, com graduação incompleta, 3,2%, e com graduação completa, 2,7%. O PA foi a UF que apresentou a maior taxa de analfabetismo 5,9%, o PR ficou com a maior taxa de nível médio completo 6,4%, seguido da BA 4,6% que também possui a maior taxa de cursos com graduação completa 1,4%. É uma tendência positiva em relação a 2006, mas é notório que o acesso à educação deve ser continuamente ampliado atentando para as transformações, e para a qualidade e melhoria da infraestrutura e da oferta de pessoal. Por se tratar de um estudo de caso, deve-se observar as limitações impostas pela metodologia e adotar parcimônia ao fazer inferências generalizantes.

No Nordeste, a cifra média de analfabetos foi de 58%, no Norte 38%. A região Sul tinha a menor taxa, com 7,4% do total dos dirigentes (IBGE, 2006). Por outro lado, há um intenso debate acerca de instrumentalização da educação por meio da oferta e da elevação dos níveis de escolaridade com o processo de mundialização do capital (CHESNAIS, 1996). Dessa forma, a introdução de inovações tecnológicas se dá em um quadro de necessidades, a fim de potencializar o modo de produção e competição intercapitalista aplicados às atividades agropecuárias, em que a necessidade de escolaridade é igualmente uma condição, mas não é uma garantia de sucesso aos empreendimentos rurais. O fato é que as regiões rurais, com a democratização da informação, ampliaram as referências com o meio urbano. Graziano da Silva et al. (1997), vislumbraram essa interdependência ao analisar as novas formas e funções do rural, diante da própria e crescente urbanização das regiões rurais, cujos reflexos se fazem sentir na condução das atividades agropecuárias,

134 nos padrões de consumos da população, no mercado de trabalho e na adaptação e requalificação da força de trabalho agropecuário visando atender às novas demandas.

Tabela 10 – Grau de escolaridade dos chefes dos estabelecimentos.

Escolaridade Unidades da Federação Total PR (3) SC (1) PA (3) PE (1) BA (2) Não alfabetizado N 3 8 13 3 7 34 % 1,4 3,7 5,9 1,4 3,2 15,5 Fundamental incompleto N 1 3 3 2 2 11 % 0,5 1,4 1,4 0,9 0,9 5 Fundamental completo N 9 12 8 4 14 47 % 4,1 5,5 3,7 1,8 6,4 21,5

Nível Médio incompleto

N 19 18 15 3 17 72

% 8,7 8,2 6,8 1,4 7,8 32,9

Nível Médio completo

N 14 7 9 10 2 42 % 6,4 3,2 4,1 4,6 0,9 19,2 Graduação incompleta N 1 2 1 2 1 7 % 0,5 0,9 0,5 0,9 0,5 3,2 Graduação completa N 3 0 1 1 1 6 % 1,4 0 0,5 0,5 0,5 2,7 Total N 50 50 50 25 44 219 % 22,8 22,8 22,8 11,4 20,1 100

135 A princípio isso não deveria causar tanta estranheza. Abramovay (2000), ao tratar sobre a “nova ruralidade”, afirma que essa é uma etapa do desenvolvimento social a ser vencida com o avanço do progresso e da urbanização das áreas rurais. Na visão do autor, surgem aí possibilidades de novos arranjos e estratégias a serem incorporadas, na medida em que as transformações tecnológicas e o surgimento de novas demandas (econômicas, políticas e culturais) impulsionam a construção de outra realidade (que pode estar escapando do campo de percepção dos pesquisadores do desenvolvimento rural).

Essa visão tem como base outras referências das funções do espaço rural. Parte da explicação para a elaboração da nova ruralidade pode estar na resistência ou impossibilidade dos atores sociais em estabelecer uma aproximação com a educação, e com os novos modelos tecnológicos na agricultura, o que decorre em parte da tradição dos cientistas sociais brasileiros que mantém ainda uma perspectiva e postura anticapitalista em relação à agricultura (PEDROSO, 2014).

Adicionalmente podemos ventilar que a crescente complexidade na condução e na gestão das atividades agropecuárias, demandadas pelo novo padrão de desenvolvimento agrário e agrícola, está a exigir um melhor aparato de compreensão do mundo, e preparo de habilidades e competências dos agricultores familiares, e isso não é um ato conspiratório. A verdadeira problemática é que os agricultores não são devidamente apoiados e protegidos. Ademais, as necessidades de preparo vão para além do campo estritamente produtivo. No caso das áreas investigadas, a julgar pelos dados levantados pode-se aludir que essas possibilidades são visivelmente limitadas. Desse modo, deve-se considerar que a realidade e o nível de escolaridade dos agricultores familiares põem em relevo o debate e a pertinência das condições de sobrevivência de parte expressiva desse segmento em cenário de competição, e sobre quais os agricultores ainda têm chances ou possiblidades de continuar sendo agricultores (BUAINAIN; GARCIA, 2013b).

Por outro lado, o contínuo esvaziamento demográfico do meio rural está forçando o fechamento de escolas. Em 2003 havia 103.328 escolas rurais, mas nos últimos dez anos foram fechadas 36.596 (INEP, 2015). Isso por si só já é um aspecto amplamente negativo. Além da precariedade estrutural, ausência de valorização dos professores, e da ausência de projeto pedagógico consistente redunda numa qualidade de ensino sofrível. Esses fatores indicam que o país ainda não tem um projeto de desenvolvimento nacional, e nem estratégias voltadas para atender, incorporar e atribuir outro papel às regiões rurais brasileiras (VEIGA et al. 2001), para além de sua função tradicional, que é produzir alimentos e matéria prima barata para outros setores da economia.

Da mesma forma, a exacerbação dos aspectos tecnológicos é um traço marcante do novo padrão de desenvolvimento agrário e agrícola, conforme o defendido por Buainain et

136 al. (2013c) e Buainan et al. (2014c), e está a exigir um preparo especializado dos agricultores familiares, e da mão de obra assalariada. Dado que a simples adoção de tecnologia nada serve se não estiver conectada a estratégias de contínuo aprendizado cada vez mais complexo da realidade de produção agropecuária e das regiões rurais (VIEIRA FILHO; SILVEIRA, 2011). Do contrário, não é possível garantir o aumento da produção, e nem mesmo o uso eficiente do conteúdo tecnológico disponível na medida em que:

O processo de aprendizado do agricultor no decorrer do tempo é responsável pelo aumento da produtividade e, paralelamente, pela redução dos custos de produção, dependendo da capacidade do produtor de interpretar e assimilar as novas informações, bem como da habilidade gerencial do uso do conhecimento tecnológico. (VIEIRA FILHO; SILVEIRA, 2011, p. 267).

Wanderley (2003, p. 46) admite da mesma forma que “[...] o exercício da atividade agrícola exige cada vez mais o domínio de conhecimentos técnicos necessários ao trabalho com plantas, animais e máquinas e o controle de sua gestão por meio de uma nova contabilidade [...]”, traduzida aqui como racionalização. Esses fatores podem ser interpretados como a expressão do mundo social cada vez mais monetarizado, que exige racionalidade e conhecimento, necessidades que vem sendo observadas e anotadas em períodos mais recentes. Essas constatações têm sido descritas com mais perspicácia e clareza para conformar a ideia de um novo ciclo de desenvolvimento agrário e agrícola e de novas formas de acumulação nas atividades agropecuárias, em que a inovação em vários aspectos (técnico, gerencial, administrativo) e uso de tecnologia assumem um papel central.

Ploeg et al. (2000) afirmam que a introdução da inovação em produtos, serviços e processos são partes importantes de processos capazes de promover o desenvolvimento rural, o qual visa, entre outros, o aumento do interesse dos agricultores familiares em elevar a produção para ampliar e atingir novos mercados, e que a inovação e tecnologia são fundamentais. E esse tema será abordado e ampliado na próxima seção.