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2   MARCOS CONCEITUAIS E ANALÍTICOS

2.8 OS MÚLTIPLOS MERCADOS: A CASO DA AGRICULTURA

2.8.1 A construção social dos mercados

A partir da limitação imposta pela Economia, surgiram interpretações alternativas por meio da contribuição da sociologia econômica. Os trabalhos de Granovetter (1985) ao ampliarem o conceito de embeddedness e das redes, e de White (2002) dedicaram estudos sobre os mercados de produção. Zelizer (1994) envidou esforços para analisar os tipos de moedas e a importância da mediação do dinheiro, consumo, fatores econômicos e intimidades. Boltanski e Chiapello (1999) analisaram sob a perspectiva da presença do “novo espírito do capitalismo” pela via das redes, e Bourdieu (1996, 1990, 1989) investigou o tema por meio de seus estudos do habitus, campo, interesse e capital.

Os pesquisadores brasileiros como Martes (2009), Abramovay, (2004) e Vinha (2003) envidaram esforços no exame da interação do mundo social e do mundo econômico. Essas perspectivas teóricas buscam incluir as dimensões do universo macro e micro social que

102 permeiam o processo das relações socioeconômicas. Especialmente, ao centrar o foco na análise conjuntural dos comportamentos sociais dos agentes individuais e coletivos que interagem no círculo de elaboração, constituição e consolidação dos mercados como um fenômeno complexo de interação social. A sociologia econômica examinou a monetarização como uma instituição social que possui atributos de natureza tangível, adaptável e moldável aos mecanismos facilitadores das transações. Desse modo, os determinantes sociais na instituição do mercado não estão isolados e ausentes das relações sociais não monetárias.

Na visão expressa por Fligstein e Dauter (2012, p. 489), “O dinheiro precisa existir de modo a permitir que os atores do mercado possam fazer mais do que regatear bens não equivalentes”. Os mercados não são constituídos e regidos apenas pela visão calculista e única da troca mercantil, eles são concretizados por meio de uma boa dose de interação social. Mesmo a impessoalidade e a frieza do mundo mercantil produz algum tipo de cooperação e reciprocidade (SABOURIN, 2004). As habilidades sociais (social skills) descritas por Fligstein (2001) ocorrem na medida em que o valor atribuído e transmitido aos bens necessita ser acordado e negociado como resultado de vínculos sociais diversos. Dessa forma, esse fenômeno excede a expressão estritamente reificada, impessoal e individual para assumir expressões e significados de visão de mundo de seus detentores, cujos reflexos e influências modelam as relações sociais entre os agentes.

Esta concepção empresta outro caráter às transações econômicas ao agregar elementos constitutivos que permitem a coesão social. Por meio dessa ferramenta analítica é possível compreender e auxiliar os agricultores familiares a criarem mecanismos de contraposição e barganha, fortalecendo as organizações, pois o mercado agropecuário é um mercado de características especialmente imperfeitas (ABRAMOVAY, 2012; ELLIS, 1998), e necessita de mecanismos de sustentação de preços. Ellis (1998) destaca que a parcialidade desse tipo de mercado é caracterizada pela fragmentação ou inexistência de capitais e crédito. E quando existem, revelam condições pessoais de dominação dos proprietários de terras e/ou dos comerciantes sobre os agricultores familiares. Além disso, ocorre a ausência de competição e acesso aos insumos de origem industrial necessário à produção e as informações do mercado onde atuam são precárias. As famílias rurais apresentam, ainda, fragilidades na ocupação e na posse da terra, e dificuldades de infraestrutura (transportes e comunicações). Esses fatores reforçam o poder dos comerciantes locais sobre os segmentos mais empobrecidos e precarizados da agricultura.

Desse modo, é necessário desenvolver formas alternativas de resistência social. Fligstein (2001) defende que o desenvolvimento de habilidades sociais (social skills) pode funcionar como uma microestrutura e auxilia a compreender as ações dos atores em seus distintos campos. Elas representam as distintas combinações de recursos, estratégias,

103 regras e habilidades. Significa dizer que mesmo em campos opostos do mercado, os atores sociais podem desenvolver formas de cooperação e estratégias de resistência para viabilizar as transações em melhores condições. Nesse sentido, Fligstein (2007) reforça que a vida social busca obter uma ação coletiva, mas “[...] isso requer que os participantes dessa ação sejam induzidos a cooperar. Algumas vezes se utilizam coerções e sanções para compelir os outros. Entretanto, muitas vezes, os atores estratégicos e hábeis proporcionam identidades e quadros culturais para motivar os outros” (FLIGSTEIN, 2007, p. 62).

Esses argumentos vão de encontro à tese clássica defendida por Polanyi (2000), ao evidenciar que as relações econômicas dos grupos sociais não estão deslocadas, desconexas das relações sociais encontradas e analisadas sob o conceito do embeddedness. Ou seja, o esforço analítico foi direcionado para examinar o mercado sob as lentes da imersão ampliada da vida social. O autor anota que a descoberta mais importante das recentes pesquisas históricas e antropológicas é que a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais “Ele não age dessa forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens materiais, ele age assim, para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu patrimônio social. Ele valoriza os bens materiais na medida em que servem a seus propósitos”. (POLANYI, 2000, p. 65).

Polanyi (2000) preconiza ainda os três padrões fundamentais instituídos como formas de integração: a reciprocidade, a redistribuição e a troca (mercantil). É sob tais combinações que a economia adquire unidade e estabilidade. Esse tema foi posteriormente ampliado por Granovetter (1985), no seminal artigo Economic action and social structure: the problem of embeddedness enfatizando que as relações econômicas estão imersas, enraizadas nas relações sociais do mercado e ultrapassam a dimensão estritamente econômica.

Não obstante, ao considerar o mundo da vida cotidiana, essa possui uma forte tendência a ser influente ou mesmo determinante nas escolhas das famílias rurais, em decorrência da necessidade de integração social por meio da geração de excedentes comercializáveis que, inclusive, por vezes, fragilizam ainda mais as condições imediatas de sobrevivência. O dilema dos agricultores familiares é combinar a produção para a subsistência, ser proprietário dos meios de produção e trabalhador para si mesmo por meio do regime de auto exploração, produzir excedentes, e ainda agregar o trabalho assalariado, essa complexa combinação Abramovay (2012) denominou de “ornitorrinco social”.

Granovetter (1985) defende que o fenômeno do embeddedness capta a mediação do econômico pelo social, ao convergir para a noção da construção social em que o tipo de rede social está diretamente correlacionado com a forma de estruturação e funcionamento dos mercados. Os argumentos da sociologia econômica e dos mercados podem auxiliam a problematizar as estratégias utilizadas pelos os agricultores familiares. O objetivo dessa

104 estratégia é construir alternativas e arranjos econômicos capazes de alocar de forma favorável suas mercadorias no ambiente concorrencial, tema da próxima seção.