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1.7. A concepção social do contrato

1.7.1. A eficácia da aplicação da socialidade aos

Classicamente, todos os requisitos envolvendo os contratos sempre foram vistos sob a ótica da validade dos negócios jurídicos em geral, tendo em vista que os contratos nada mais são do que negócios jurídicos, especialmente os que trazem consigo o caráter da bilateralidade.

Para avaliar a validade de um determinado contrato, verificam-se os requisitos do art. 104 do Código Civil de 2002, quais sejam: a capacidade dos contratantes, a licitude do objeto e a verificação da forma prescrita ou não defesa em lei.

97 TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bicca. Coord. Função social do Direito. WALD, Arnoldo. O interesse social no direito privado. p. 55.

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A eficácia era apurada, basicamente, pela existência ou não de elementos externos que pudessem impedir a imediata produção dos efeitos do contrato, sendo totalmente eficaz caso inexistissem tais fatores.

Com a evolução do mundo como um todo e a transformação da dignidade da pessoa humana como fundamento base para todos os outros princípios, fez nascer um Estado Democrático de Direito voltado para o lado social das negociações, transformando a validade dos contratos um pouco mais complexa, através das cláusulas gerais da boa-fé e da função social.

Ao lado da boa-fé, da justiça contratual e da autonomia privada, a função social emergiu como fundamento de direito base de qualquer contrato, uma principiologia que deve estar presente em todos os contratos na sua essência.

Assim, o conceito de contrato e da liberdade contratual estão em constante mudança, não podendo mais ser vistos dissociados da base axiológica e paradigmática da Constituição Federal de 1988, em especial do principio da solidariedade previsto no art. 3, I, da Carta Política.

Tendo o contrato deixado de ser um instrumento pra tutelar interesses egoísticos das partes das relações negociais, passou a subordinar-se aos interesses sociais tutelados pela nova era do ordenamento jurídico.

Se o negócio jurídico tem como essência a vontade98, é ela que produz efeitos jurídicos no negócio. Desta forma, não há duvidas de que o contrato é um negócio jurídico pelo qual as partes, através da declaração de vontade, emanam o objeto da produção de efeitos jurídicos – que é, sem dúvida, um elemento importantíssimo para fins de caracterizá-lo como negócio jurídico.99

Antônio Junqueira de Azevedo, que muito se debruçou sobre os estudos do negócio jurídico, preconiza que os planos da validade e da eficácia do negócio jurídico são

98 Aqui não se pretende desenvolver as discussões acadêmicas com relação a distinção entre vontade e declaração. Utiliza-se a ideia de declaração de vontade tal qual estampada no art. 110 do Código Civil.

99“O negócio jurídico é, pois, um ato finalista, como certeiramente acentuam Larenz e Flume. A intenção de produzir conseqüências jurídicas é lhe essencial.” ASCENSÃO, José de Oliveira de Direito Civil Teoria Geral, v.2: Ações e Fatos Jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2010, p.65.

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distintos, o que se constata ao percebermos que existem negócios válidos porém ineficazes e negócios inválidos plenamente eficazes.100

Como bem adverte o citado autor, “Nesse plano não se trata, naturalmente, de toda e qualquer possível eficácia prática do negócio, mas sim, tão-só, da sua eficácia jurídica e, especialmente, da sua eficácia própria ou típica”.101

A discussão que neste ponto se analisa é se o negócio jurídico está apto ou não a produzir os efeitos a que foi destinado e desejado originalmente pelos contratantes, ainda que o negócio preencha os requisitos de validade previstos no artigo 104 do Código Civil.

Portanto, podem existir elementos acidentais que impeçam a produção de efeitos jurídicos imediatos do contrato, como é o caso da condição suspensiva, demonstrando que nem sempre contrato válido é contrato eficaz.

No plano da eficácia, pouco importa a presença ou não de elementos essenciais ao contrato ou defeitos da vontade que possam invalidar a convenção. A preocupação é maior com relação à produção dos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes do negócio jurídico, assim, caso inexistentes os elementos que impeçam a imediata e integral produção de efeitos, o contrato é plenamente eficaz, o que não significa, repita-se, que o contrato é válido.

De qualquer sorte, diante do status constitucional do princípio da solidariedade, a função social do contrato determina que o interesse privado não esteja dissociado dos interesses e valores sociais que formam a base da orientação axiológica do ordenamento jurídico.

Conforme convergem Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, não se admitem situações jurídicas privadas que estejam dissociadas da função social, uma vez que é a função social, juntamente com a liberdade, que legitimam os interesses individuais, in verbis:

A rigor, por funcionalização designa-se um processo que atinge todos os fatos jurídicos (Pietro Perlingieri, Manual, p.60). Toda e qualquer relação jurídica vincula-se a valores sociais estabelecidos pelo ordenamento, que

100 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed., atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002. São Paulo: Saraiva, 2002, p.49.

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definirão os deveres impostos aos titulares de interesses jurídicos tanto nas situações jurídicas existenciais como nas patrimoniais, no âmbito das quais se destaca a propriedade privada, cuja função social se encontra expressamente consagrada no texto constitucional (CF arts. 5º, XXIII, e 170, III). De acordo com a função que a situação jurídica desempenha, serão definidos os poderes atribuídos ao titular do direito subjetivo. Os legítimos interesses individuais do seu titular merecem tutela, na medida em que interesses socialmente relevantes, posto que alheios á esfera individual, venham a ser igualmente tutelados. Dito diversamente, a proteção dos interesses privados justifica-se não apenas como expressão da liberdade individual, mas em virtude da função que desempenha para a promoção de posições jurídicas externas, integrantes de ordem pública contratual. Neste sentido, a funcionalização do direito subjetivo provoca a sua socialização, vinculando-se a proteção dos interesses privados ao atendimento de interesses sociais, a serem promovidos no âmbito da atividade econômica.102 Da mesma forma, José Ascensão aduz que todo o direito necessariamente é funcional, pois cada situação jurídica tem uma função: "Toda atribuição jurídica é realizada também para a utilidade social. O exercício do direito não se pode fazer de maneira que esta destinação básica seja violada"103.

Portanto, a função social do contrato se transformou como um mecanismo de efetividade social, elevando os primados das bases axiológicas do novo Estado Democrático de Direito, podendo e devendo a autoridade judicante, sempre, intervir nos contratos como forma de equilíbrio a garantir a merecida socialidade.

1.7.2. A boa-fé.