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2.2. Dos princípios do Direito Obrigacional

2.2.1. Dos princípios gerais do Direito Obrigacional

Com a evolução do conceito da obrigação, tem-se entendido como recíproco o vínculo que liga o devedor ao credor, pois ambos têm obrigações que se interligam e que se

137 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 07. 138 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 07.

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desenvolvem como um processo, criando direitos e deveres entre as partes sem sobreposição do credor sobre o devedor. Daí porque a estrutura obrigacional é chamada de complexa.

De maneira sintética, Fernando de Noronha já se pronunciou no seguinte sentido: “Na verdade, existem duas maneiras de encarar qualquer situação jurídica obrigacional, da vida real: uma, vendo nela apenas o que se chama de relação obrigacional simples, isto é, somente olhando o vínculo entre credor e devedor, que se traduz no poder do primeiro de exigir uma prestação, que o segundo tem o dever de realizar; outra, encarando-a na perspectiva da pluralidade de direitos, deveres, poderes, ônus e faculdades interligados e nascidos de um determinado fato (por exemplo, um contrato ou um ato ilícito), digam ou não respeito a prestações exigíveis de uma ou outra parte. Nesta segunda perspectiva teremos o que se chama de relação obrigacional complexa, ou sistêmica.”139

Modernamente, em razão da força do princípio da boa-fé objetiva estudada no capítulo anterior, as partes envolvidas são compelidas a atender outros deveres, chamados deveres anexos ou laterais de conduta, donde resulta a compreensão de uma obrigação possuir uma estrutura complexa.

Nas palavras de Fernando Noronha:

“considera-se o conjunto de direitos e deveres que unem as partes intervenientes, em razão dos quais elas são adstritas a cooperarem, para a realização dos interesses de que sejam credoras, mas com o devido respeito pelos recíprocos interesses do devedor, ou devedores, e tendo em conta também a função social desempenhada, que é a razão última de sua tutela”140.

O que temos em comum é que esses deveres anexos de conduta decorrem do princípio da boa-fé objetiva, que podem manifestar-se através dos deveres de informação e esclarecimento, de cooperação ou auxilio (ajuda no adimplemento, não criando óbices) e de proteção e cuidado.

Judith Martins Costa enumera diversos deveres, dividindo-os entre deveres principais, que seriam os ligados ao núcleo da relação obrigacional (ex: pagar o preço e entregar a coisa), os deveres secundários e os laterais de conduta, sendo certo que o estudo da citada Autora focou nos “deveres instrumentais, ou laterais, ou deveres acessórios de conduta,

139 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 92. 140 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 92.

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deveres de conduta, deveres de proteção ou deveres de tutela”. Entre esses ela enumera alguns deveres (aqui sucintamente expostos): a) os deveres de cuidado, previdência e segurança; b) os deveres de aviso e esclarecimento (informar os riscos que o cliente corre); c) de informação; d) o dever de prestar contas, e) colaboração e cooperação, bem como f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte e g) de omissão e de segredo141.

Luis Renato Ferreira da Silva, comentando os princípios do Direito Obrigacional, aponta que a cooperação extrapola uma simples condição anexa ou lateral, sendo integrante do próprio núcleo do tema142.

A busca do fim almejado depende de um processo cooperativo. Emilio Betti, sobre o assunto, assim se expressa: “trata de resolver un problema de cooperacion, en el supuesto de relaciones juridicas que tienen su frente en um contrato, o de compensar las consecuencias lesivas de un ato ilícito”143.

Sem dúvida, sem que haja cooperação entre as partes, dificilmente a obrigação se satisfaz.

Para Emilio Betti, a boa-fé objetiva traduz o princípio de cooperação, que deve estar presente em qualquer vínculo obrigacional, devendo ser considerado o primeiro princípio geral do direito das obrigações.

Clovis do Couto e Silva aduz que todos os deveres anexos podem ser considerados deveres de cooperação, embora muitos autores limitem a cooperação à ideia de auxílio144.

A noção de cooperação entre as partes é algo que decorre da boa-fé, a qual tem uma função controladora, hermenêutica ou interpretativa, de guarda, de cooperação etc. O comum de todas estas funções é que a boa-fé pode ser resumida, segundo Luis Renato Ferreira da Silva como “o dever de respeito as expectativas legitimamente criadas na outra

141 MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2000, p. 439.

142 SILVA, Luis Renato Ferreira da. Princípios do Direito das Obrigações. in LOTUFO, Renan. NANNI, Giovanni Etore (coord.). Obrigações. 1ª edição. São Paulo: Atlas. 2011, p. 53.

143 BETTI, Emilio. Teoría general de las obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969. t. I, p. 3.

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partes, respeito que se da tanto por não frustrá-las com atitudes negativas, como por colaborar para o alcance das mesmas”145.

Esse dever de cooperação deve implicar num comportamento positivo no sentido de proporcionar o adimplemento da obrigação.

Além desse princípio, existem outros, dele derivados, que serão brevemente expostos a seguir.

2.2.1.1. Princípio do exato adimplemento.

Este princípio significa que o adimplemento deve ser feito com a exata e justa expectativa do credor, dentro dos limites do débito (conforme preceitua o art. 313 do CC/2002, o credor não é obrigado a receber outra prestação, ainda que mais valiosa).

A regra traz duas consequências: 1 – recebimento do que foi pactuado, e 2 – moderação por parte do credor, que não poderá exigir algo diferente do pactuado.

Se as partes não incluíram o atraso de cumprimento da prestação entre os motivos que levam à extinção do contrato, o inadimplemento da dívida, por si só, não acarretará a sua resolução. Enquanto se tratar de inadimplemento relativo, o devedor tem o direito de pagar e permanecer com o bem.

Embora o devedor responda pelos prejuízos resultantes da mora, não resolvendo o contrato, o parágrafo único do art. 395 do Código Civil de 2002 abre uma exceção: quando a prestação, por causa da mora, se tornar inútil ao credor. Enquanto útil e possível, é direito do devedor pagar. Quando inútil, resolve o contrato.

2.2.1.2. Princípio da Patrimonialidade.

Toda obrigação resultará em um vínculo patrimonial ou redutível a valores patrimoniais. Quando falamos que a patrimonialidade é um princípio obrigacional, diz-se que a resolução da obrigação, resolver-se-á em perdas e danos.

145 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Princípios do Direito das Obrigações. in LOTUFO, Renan. NANNI, Giovanni Etore (coord.). Obrigações. 1ª edição. São Paulo: Atlas. 2011, p. 56.

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Assim, as multas coativas resultam em créditos pecuniários e não na satisfação direta da obrigação. É o caso, por exemplo, das obrigações de fazer, hipótese em que o Código Civil imputa responsabilidade patrimonial ao devedor que se recusa à prestação assumida – arts. 247 a 249 do CC/2002.

Hoje, majoritariamente, se entende que a obrigação, para ser válida, não precisa ter elemento patrimonial em seu objeto. Não obstante, em caso de inadimplemento, converte- se em perdas e danos. A garantia do credor é o patrimônio do devedor. As medidas são coercitivas e não satisfativas; ou seja, servem para forçar, coagir o devedor a pagar, mas não importam em extinção da obrigação.

2.2.1.3. Princípios vinculados às fontes obrigacionais.

Em nossos estudos identificamos a prevalência do princípio da autonomia privada nas obrigações de fonte negocial, da exata indenização nas obrigações decorrentes de atos ilícitos e, por fim, da manutenção patrimonial nas obrigações decorrentes de enriquecimento sem causa.

2.2.1.4. Princípio da liberdade contratual.

Da autonomia das partes traduzida na liberdade de contratar (com quem e como quiser), decorrem dois efeitos: vinculante ou obrigatório do contrato e o efeito relativo do contrato.

O exercício do livre consentimento é traduzido na ideia da pacta sunt servanda. No mesmo sentido, somente a vontade manifestada é que gera a obrigação.

Conforme abordado no capítulo anterior, com a mudança no mundo econômico, começa-se a pensar na imposição de limites à autonomia. Dá-se a liberdade de contratar para as partes, mas com determinados limites, conforme dispõe o art. 421 do Código Civil de 2002, assim também como acontece com a função social do contrato.

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O contrato cumpre sua função sempre que permitir a realização e a manutenção das convenções livremente estabelecidas, e enquanto houver uma equação de utilidade e justiça nas relações contratuais.

2.2.1.5. Princípio da exata indenização.

Esse princípio refere-se às obrigações oriundas de atos ilícitos – art. 944 do CC/2002; importa que haja uma recomposição das partes ao estado anterior a lesão ocasionadora do dano, sendo a obrigação subsequente a de recompor o dano.

Na medida em que o elemento fundante é o ato de indenizar (tornar indene = sem dano), este princípio garante que o valor da obrigação abrangerá tudo o que diminuiu o patrimônio do credor da indenização. Da mesma forma, o valor da indenização não pode ser fonte de enriquecimento do credor. Por essa razão a noção de igualdade entre as partes.

O art. 944, parágrafo único, trouxe a ideia de que a indenização poderá ser reduzida equitativamente se houver uma desproporção entre o grau de culpa do autor do dano e o resultado deste dano. Esse princípio, no entanto, não se coaduna com a cláusula penal, que pré-estipula o quantum que poderá ser maior ou menor do que o dano ocorrido.

2.2.1.6. Princípio da manutenção do patrimônio.

Este princípio serve para evitar o enriquecimento sem causa, coibindo a locupletação.