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A importância dos princípios e cláusulas gerais no ordenamento – A

A partir do momento que nos debruçamos na ciência jurídica para identificar o objeto protegido pelo direito, percebemos a dificuldade de, na sociedade contemporânea, encontrar no enunciado das leis todas as soluções para as diversas situações que envolvem a sociedade em permanente transformação.

60Como é o caso de Gustavo Tepedino, conforme supra.

61GIORGIANNI, Michele. La morte del códice ottocentesco. Rivista di Diritto Civile, a. XXVI, n. 1, parte prima, Padova, CEDAM – Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1980, p. 53.

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Valendo-se do ordenamento posto, a dogmática jurídica tradicional passou a ter uma preocupação maior em viabilizar fórmulas de solução dos conflitos, objeto da ciência do direito, imbicadas na axiologia da interpretação das normas.

Para o saudoso Miguel Reale, grande orientador dos trabalhos que permitiu a entrega do vigente Código Civil brasileiro, a realidade cultural somente será compreendida na unidade solidária e no desenvolvimento dialético. Os fatos e os valores são elementos que integram a norma dialeticamente; segundo ele: “é essa a unidade concreta e dinâmica que deve ser objeto da Hermenêutica Jurídica”.62

Em outras palavras, juntamente com as normas, os princípios fazem parte daquilo que chamamos de sistema jurídico, o qual pode ser entendido como “agrupamento de regras em certas categorias, pela utilização de determinadas técnicas de interpretação, e por específicas concepções de ordem social que determinam o modo de aplicação e a própria função do ordenamento jurídico”.63 Esse sistema pressupõe que o Direito, como ciência, deve

ser aplicado e interpretado de acordo com fatos e valores de determinada sociedade, levando em consideração a discussão de problemas concretos, dando uma solução ao caso de acordo com a compreensão da essência dos princípios gerais do direito.

Os princípios, frutos de ideologias, em verdade, juntamente com a cultura e dinamismo da sociedade, figuram como verdadeiro mecanismo de mobilidade do sistema jurídico posto/codificado.

Segundo Pietro Perlingieri, o problema mais forte das técnicas legislativas e dos tipos de lei encontram-se nos princípios, técnica regulamentar e outras formas de intervenção. Isso porque, o ordenamento se apresenta como uma soma de textos, cada um inconsistentemente acrescentado a outro, com sobreposições e reconsiderações64.

Interessante notar que Nelson Nery Junior tenta fazer uma distinção entre norma, princípio, regra, garantia e direito, com base em renomada doutrina; contudo, ele mesmo

62 Cf. Filosofia do Direito, 20.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.581.

63 Judith Martins-Costa, “As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico”, in: Revista dos Tribunais, ano 81, junho de 1992, vol. 680, p. 47.

64PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade Constitucional. Edição Brasileira organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 232.

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chega à conclusão de que não se conseguiu, até hoje, extremar adequadamente esses institutos.65

No tocante a interpretação, objeto do operador do direito, Humberto Ávila aduz que “interpretar é construir a partir de algo”,66 o que significa reconstruir.

O Poder Judiciário tem a função de concretizar o ordenamento diante do caso concreto e é exatamente por isso que, segundo Humberto Ávila, as normas, por serem construídas pelo intérprete, não permitem concluir que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou um princípio.67

O intérprete não pode deixar de vincular os valores, a manutenção e/ou busca de alguns deles, determinados, à realização de um fim e à sua preservação. Cabe ao intérprete da norma a sua reconstrução.

Vários autores tentaram distinguir normas de princípios.

Foi na tradição anglo saxônica que o princípio recebeu definição de grande contribuição, uma vez que Ronald Dworkin definiu as normas como aquelas de aplicabilidade ou não aplicabilidade, ou seja, modo do tudo ou nada; se a hipótese de incidência da norma era preenchida, então ela é aceita e válida.68 Havendo colisão entre as regras, segundo ele, uma delas deveria ser considerada inválida. Robert Alexy, embora também conclua que uma das regras deve ser considerada inválida, antes traz a possibilidade de ser introduzida a cláusula de exceção. Sobre conflito de regras, entende que uma norma vale ou não vale juridicamente e, se é constatada a aplicabilidade de duas regras com consequências reciprocamente contraditórias no caso concreto e esta contradição não pode ser eliminada mediante a introdução de uma “cláusula de excepción”, há então que ser declarada inválida, ao menos, uma delas69. Segundo o autor:

65 Nelson Nery Junior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 9.ª ed., p. 21-35.

66 Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 11.ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 33.

67 Cf. Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 11.ª ed., p. 34. 68 Cf. Ronald Dworkin. “Is law a sistem of rules?”.In: Dworking, R. M. (ed.). The Philosophy ok law. Oxford, Oxford University Press, 1977, apud Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 11.ª ed., p. 36.

69ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Centro de Estudios Constitucionales: Madrid, 1993, p. 88.

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Conlaconstatación de que em caso de unconflicto de reglas, cuando no es posiblelainclusión de uma cláusula de excepción, por lo menos uma de lasreglastiene que ser declarada inválida, no se dice todavia nada acerca de cuál de ellasdebe ser tratada asi. El problema puede ser solucionado a través de reglas tales como: ‘lex posterior derogatlegi priori’ e ‘lexspecialisderogatlegigenerali’, pero tambien es posible proceder de acuerdoconla importância de lasreglasenconflicto. Lo fundamental es que La decision es una decision acerca de la validez.70

Em razão da dinamicidade da sociedade, é possível que o legislador desconheça todas as normas existentes no ordenamento jurídico e editar normas que sejam antinômicas. As antinomias podem ser reais ou aparentes. Serão reais quando houver a incompatibilidade total ou parcial entre duas ou mais normas contraditórias, que tenham sido emanadas de um mesmo âmbito normativo, indecidibilidade e necessidade de decisão, pois os critérios normais para resolver as antinomias (hierárquico, cronológico e da especialidade) não a resolverão. A antinomia real será resolúvel, mas no caso concreto e, claro, deixa de ser uma antinomia quando for resolvida naquela situação específica.

Por outro lado, as antinomias aparentes podem ser resolvidas pelos critérios normativos da hierarquia, cronológico e da especialidade. Por isso são chamadas de aparentes. O critério hierárquico servirá para solucionar conflitos entre normas de diferentes hierarquias; a lei superior derroga a inferior. Dessa forma, se houver conflito entre uma norma da Constituição Federal e uma norma do Código Civil, a norma que deverá ser aplicada é a da Constituição Federal, hierarquicamente superior.

Já o critério cronológico, será utilizado para resolver conflitos de duas normas do mesmo nível, mas que tiveram vigência em tempos diferentes, devendo prevalecer a norma mais nova sobre a mais antiga. Para Alf Ross, no livro Sobre El derecho y La justicia, este princípio não pode ser elevado à categoria de axioma absoluto71.

Além desses dois critérios, existe também o da especialidade. Uma norma será especial quando possuir em sua definição legal elementos da norma geral com outros especiais; ou seja, a especialidade acresce algo na norma geral, mas esta sempre está presente.

Como nos ensina Maria Helena Diniz:

70Op. Cit., p. 88.

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Se a nova lei apenas estabelecer disposições especiais ou gerais, sem conflitar com a antiga, não a revogará. A disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela se referir alternando-a explicita ou implicitamente. Para que haja revogação, será preciso que a disposição nova, geral ou especial, modifique expressa ou incitamente a antiga, dispondo sobre a mesma matéria diversamente. Logo, lei nova geral revoga a geral anterior, sem com ela conflitar72.

Somente quando a norma nova vier e regular diversamente a matéria que era regida pela anterior é que esta poderá ser tida como revogada, seja geral ou mesmo especial.

Esses critérios, no entanto, muitas das vezes não são suficientes para solucionar as antinomias normativas, por conflitos entre os próprios critérios, em razão de não poderem ser utilizados ao mesmo tempo, pois a escolha de um, resultaria na preferência de outro. Teremos, neste caso, aquilo que se chama de antinomias de antinomias, quando houver conflito entre os próprios critérios: hierárquico e cronológico, especialidade e cronológico e entre o hierárquico e da especialidade.

No primeiro caso, prevalecerá o critério hierárquico ao cronológico. No segundo, a regra da especialidade dará preponderância ao cronológico, mas esse método, às vezes, pode gerar uma antinomia real, na medida em que pode não ser totalmente efetivo; nesse caso, não há uma regra definida, sendo usado caso a caso. No terceiro conflito, hierárquico e da especialidade não há regra definida, podendo preferir qualquer um dos critérios.

Existem inúmeros casos em que existe o conflito aparente de normas. A título de exemplo lembramos um caso submetido à apreciação do C. Superior Tribunal de Justiça recentemente onde, em razão de um suposto erro médico, o paciente/consumidor, ingressou com ação de responsabilidade civil contra o médico liberal, o qual chamou ao processo a empresa seguradora (IRB) com base no artigo 101, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, o que levantou a questão de suposto conflito entre o artigo 68 do Decreto-Lei 73/66 (que aduzia que a seguradora seria litisconsórcio necessário nas ações envolvendo seguros), art. 101, II, do CDC e o art. 70, III, do Código de Processo Civil.

Ocorre que, após abolido o monopólio estatal sobre as operações de resseguro no Brasil, em virtude da Emenda Constitucional 13/1996, sobreveio a Lei Complementar

72DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada.São Paulo: Saraiva, 1994, p. 73.

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126/2007, concretizadora da aludida norma, e que, entre outros dispositivos do Decreto-Lei 73/66, revogou seu artigo 68 e a Lei 9.932/99, diploma ordinário objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.223/DF, cujo pedido foi declarado prejudicado no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Logo, sobre o litisconsórcio necessário formado pelo IRB, considerando que foi chamado ao processo em 2007, quando já havia sido extirpada do ordenamento a norma que previa a sua necessidade no pólo passivo, a Corte Superior decidiu que não há incoerência no sistema normativo, quando se confronta o disposto no artigo 101, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 70, inciso III, do CPC, porquanto inexistente regra de direito material que condicione a operação de resseguro à denunciação da lide ao IRB, mantendo o entendimento de indeferimento da denunciação da lide ao IRB73.

73“RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO (ARTIGO 522 DO CPC) DIRIGIDO CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DO PEDIDO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL (IRB), FORMULADO PELA SEGURADORA CHAMADA PARA INTEGRAR A DEMANDA INDENIZATÓRIA AJUIZADA POR PACIENTE DO MÉDICO SEGURADO- CONFLITO APARENTE DE NORMAS: ARTIGOS 101, INCISO II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 68 DO DECRETO-LEI 73/66 E 70, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - TESES AFASTADAS NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. INSURGÊNCIA DA SEGURADORA.

1. Violação do artigo 535 do CPC não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte.

2. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie. Ação de indenização por danos materiais e morais, decorrentes de suposto erro médico (fls. e-STJ 19/29), ajuizada por paciente (consumidor) em face do profissional liberal fornecedor de serviço. Acionado que, com base no artigo 101, inciso II, do CDC, procede ao chamamento da sociedade seguradora ao processo (fls. e-STJ 37/39), ao argumento de que celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil, o qual prevê a garantia do pagamento das perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

3. Aparente conflito de normas. A natureza de sobreposição do Código de Defesa do Consumidor, aliada ao princípio da especialidade, revela inexistir conflito entre seu artigo 101, inciso II, e o disposto nos artigos 68 do Decreto-Lei 73/66, o qual dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências, e 70, inciso III, do CPC.

4. Artigo 101, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. 4.1. Chamamento da seguradora ao processo pelo fornecedor que contratou seguro de responsabilidade. Responsabilidade solidária entre o fornecedor e a seguradora voltada à concretização do princípio da reparação integral dos danos, encartado no artigo 6º, inciso VI, do CDC. 4.2. Vedação expressa de denunciação da lide ao IRB - Brasil Resseguros. Escopo do legislador de evitar a dilação do tempo de duração do processo em prejuízo ao consumidor.

5. Artigo 68 do Decreto-Lei 73/66. Instituto de Resseguros do Brasil (atualmente denominado IRB - Brasil Resseguros S.A.) figurando como litisconsorte passivo necessário das seguradoras, nas demandas voltadas à cobrança de cobertura securitária, em que respondesse por parte da soma reclamada. Após abolido o monopólio estatal sobre as operações de resseguro no Brasil, em virtude da Emenda Constitucional 13/1996, sobreveio a Lei Complementar 126/2007, concretizadora da aludida norma, e que, entre outros dispositivos do Decreto-Lei 73/66, revogou seu artigo 68 e a Lei 9.932/99, diploma ordinário objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.223/DF, cujo pedido foi declarado prejudicado no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 5.1. Da análise dos autos (fls. e-STJ 53/68), verifica-se que o pedido de denunciação da lide ao IRB, formulado pela seguradora chamada a integrar a demanda reparatória, ocorreu em 29.06.2007, data em que não mais vigia o artigo 68 do Decreto-Lei 73/66, o que, somado ao princípio da especialidade, induz à constatação da inexistência do conflito normativo invocado no bojo do recurso especial.

6. Artigo 70, inciso III, do CPC. A par da dicção legal, a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a denunciação da lide somente se torna obrigatória quando a omissão da parte implicar em perda do seu direito

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De modo divergente, os princípios conteriam fundamentos de outros princípios, possuindo uma dimensão de peso, ou seja, aquele que pesar mais, se sobrepõe ao outro, sem que o outro perca a sua validade. É a ideia de harmonização entre os princípios.

Segundo Robert Alexy, no livro La teoria de los derechos fundamentales, os princípios devem ser solucionados de maneira totalmente distinta das normas. Quando os princípios entram em contradição, um deles tem que ceder ao outro. Mas isso não significa, todavia, declarar inválido um princípio quando se introduz uma cláusula de exceção. No caso concreto “los princípios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso. Los conflitos de reglas se llevan a cabo em la dimensión de la validez; la colision de princípios – como solo pueden entrar em colision princípios válidos – tiene lugar más Allá de la dimension de la validez, em la dimension del peso”74.

Discorrendo sobre o tema conflitos entre princípios, Adriana Rocha de Holanda Coutinho, assenta seu posicionamento de não ser viável a utilização dos mesmos critérios e fala que a dificuldade quando há esse tipo de colisão é que os princípios não são como as regras, devendo ser harmonizados no sistema com a possível colisão com normas, possibilitando a abertura do sistema na interpretação. Embora ela sustente que não há hierarquização entre princípios, admite ser a dignidade da pessoa humana um valor constitucional75.

Os princípios, diversamente das regras, não se revogam, um não cede lugar a outro, mas um se prepondera sobre o outro, mesmo que momentaneamente. Eles tendem a conviverem; a se acomodarem de acordo com as necessidades que justificam a sua ausência76.

de regresso, hipótese não retratada no artigo 70, inciso III, do CPC, na qual tal direito permanece incólume. Precedentes. 6.1. Não há incoerência no sistema normativo, quando se confronta o disposto no artigo 101, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 70, inciso III, do CPC, porquanto inexistente regra de direito material que condicione a operação de resseguro à denunciação da lide ao IRB.

7. Recurso especial da seguradora desprovido, mantido o indeferimento da denunciação da lide ao IRB.”

(REsp 1107613/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 06/08/2013).

74Op. Cit., p. 89.

75 LOTUFO, Renan. Coord. Direito Civil Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002. In COUTINHO, Adriana Rocha de Holanda. A importância dos princípios constitucionais na concretização do direito privado, p. 64/65. 76 Sobre princípios, Diogo Leonardo Machado de Melo faz um apontamento interessante que deve ser lembrado: “Mas enquanto a normatividade dos princípios é matéria superada, a farra do seu uso é um tema que atordoa o estudante e passa a preocupar a doutrina, supostamente ‘acostumada’ com seu uso: afinal não há dúvidas que hoje invocamos princípios com muito mais intensidade do que antes, em alguns casos, o seu uso aleatório provoca certa dose de insegurança” in LOTUFO, Renan; Nanni, Giovanni Ettore. Teoria Geral dos Contratos.

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Esta é a ideia do que chamamos de juízo de ponderação de princípios. Como exemplo de conflito entre princípios podemos citar o seguinte caso: suponhamos uma pessoa, seguidora da religião testemunha de Jeová, que necessite de um transplante de sangue para sobreviver. Como é cediço, o transplante de sangue não é aceito nessa religião, ainda que seja para salvar uma vida. Desta forma, diante dessa situação, o médico estará diante de um conflito de direitos: entre a vida da paciente, princípio fundamental e diante da liberdade dessa mesma paciente em optar pela vida através do transplante e da morte77.

Humberto Ávila, chega à conclusão de que existem 4 critérios usualmente empregados para a distinção de normas e princípios: a) caráter hipotético-condicional: os princípios indicam o fundamento da norma a ser aplicada ao caso concreto; b) modo final de aplicação: enquanto as regras são aplicadas ou não – tudo ou nada – os princípios são aplicados de maneira gradual; c) relacionamento normativo: enquanto uma regra é valida ou não, os princípios devem ser pensados mediante a ponderação de peso de cada um; d) fundamento axiológico: os fundamentos para uma decisão ser tomada.78

Esse mesmo jurista faz uma crítica acirrada a estes critérios, que não reproduziremos neste trabalho, por fugir um pouco do foco da nossa pesquisa. De qualquer modo, é a partir dessas críticas, que o autor cria alguns critérios de diferenciação entre normas e princípios. Vejamos.

O primeiro critério é o da natureza do comportamento prescrito, oportunidade em que o autor aduz que, enquanto as normas são descritivas, pois estabelecem proibições, obrigações e permissões, os princípios são normas finalísticas, aquelas que “estabelecem um estado de coisas cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos”.79

O segundo critério é o da natureza da justificação exigida, significando dizer que, no caso das regras, como há a positivação da norma daquilo que se espera dela, ao aplicador da norma cabe a demonstração da correspondência entre os fatos e a norma que lhe dá

São Paulo: Atlas, 2011. MELO, Diogo Leonardo Machado de. Princípios do direito contratual: autonomia privada, relatividade, força obrigatória, consensualismo, p. 67.

77Vale ressaltar aqui que não se está pretendendo emitir qualquer opinião sobre o assunto. Apenas trouxemos como exemplo o caso supra para demonstrar que em muitos casos nos deparamos com a colisão entre princípios. 78 Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 11.ª ed., pp. 40-64. 79 Cf. Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 11.ª ed., p. 71.

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suporte; já no caso dos princípios, o intérprete deve demonstrar a “correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado das coisas exigido”.80

Quanto ao terceiro critério, o da natureza da contribuição para tomada de decisão, enquanto as regras são decisivas e abarcantes, os princípios são complementares, na medida em que têm a função de contribuir para a hermenêutica aplicada ao caso concreto.

A partir desses critérios o preclaro jurista nos apresenta, com muita propriedade, os conceitos de norma e princípio:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os