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Direitos e deveres do adquirente e do incorporador

3.4. Contratação da venda de unidades

3.4.1. Requisitos e condições do contrato

3.4.1.1. Direitos e deveres do adquirente e do incorporador

Sobre os deveres do incorporador, de forma bastante sintética, Leandro Leal Ghezzi narra que a Lei de Incorporação impõe uma série de deveres que acompanham o incorporador por todas as etapas da incorporação imobiliária: deveres que antecedem a incorporação, que acompanham o desenvolvimento da obra e que vão até depois da conclusão, mesmo depois da entrega das unidades aos adquirentes226.

De forma não exaustiva, as principais obrigações do incorporador são: antes da incorporação, deve arquivar junto ao ofício do registro de imóveis os documentos enumerados pelo art. 32 da Lei 4.591/64227 – sem estes documentos, o incorporador não poderá negociar

226 Cf. Leandro Leal Ghezzi, in A incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor, p. 93. 227“Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações

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sobre as unidades228, ficando sujeito à rescisão dos negócios realizados e ao pagamento de multa prevista pelo art. 35, § 5º229.

impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado;

b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativante ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;

c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;

d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;

e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragern de área construída;

f) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sôbre o terreno fôr responsável pela arrecadeção das respectivas contribuições;

g) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modêlo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei;

h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acôrdo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;

i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão; j) minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações; l) declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39;

m) certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do artigo 31; n) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);

o) atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinoo anos.

p) declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sôbre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos. (Alínea incluída pela Lei nº 4.864, de 29.11.1965).”

228 No entanto, o que ocorre na prática é a negociação da unidade antes mesmo do arquivo destes documentos, os incorporadores começam a negociar e receber os valores mediante simples carta-propostas. Sobre as penalidades previstas na legislação especial, Leandro Leal Ghezzi fala que “ainda hoje é rara a aplicação das penalidades previstas na Lei da Incorporação Imobiliária”. in A incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor, p. 93.

229 “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS. NECESSIDADE DE REGISTRO DE DOCUMENTOS. ARTIGO 32 DA LEI N. 4.591/1964. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA.

1. O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas do empreendimento imobiliário quando registrados, no Cartório de Registro Imobiliário competente, os documentos previstos no artigo 32 da Lei n. 4.591/1964. Descumprida a exigência legal, impõe-se a aplicação da multa do art. 35, § 5º, da mesma lei. Precedentes.

2. Agravo regimental provido em parte para dar parcial provimento ao recurso especial.”

(AgRg no REsp 334.838/AM, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 27/05/2010)

“DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. LOJA EM CONSTRUÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO REGISTRO EM CARTÓRIO EXIGIDO NO ART.32, LEI 4.591/64. CLÁUSULA CONTRATUAL DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA.ENUNCIADO N. 5 DA SÚMULA/STJ. DANO MORAL. ARTS. 1.059 E 1.060, CC.INAPLICABILIDADE. MULTA. ART. 35, § 5º, LEI 4.591/64. CABIMENTO.PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO.

I - Tendo o acórdão se fundado na interpretação da cláusula contratual para extrair-lhe conteúdo leonino, resta vedado o reexame do tema nesta Corte, a teor do verbete sumular n. 5/STJ.

II - A alegação, na espécie, de ofensa aos arts. 1.059 e 1.060 do Código Civil, que dizem respeito às perdas e danos, não se presta ao exame do cabimento ou não de danos morais.

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Assim, havendo omissão do incorporador, isso poderá ensejar o cumprimento forçado para a realização do registro da incorporação ou mesmo impedir a venda, propaganda e pagamento das unidades.

Com o arquivamento destes documentos é realizado o registro da incorporação junto à matrícula do imóvel sobre o qual será construído o edifício. Tais documentos servem, na verdade, de elementos para serem avaliados pelos adquirentes no que toca à segurança da obra, seja no aspecto físico, patrimonial ou jurídico.

A inobservância deste arquivamento pelo incorporador gera a irregularidade da obra, mas não tem o condão de tornar inexistente a incorporação.

Em se tratando de um grupo fechado, desaparece a figura da incorporação, de modo que o grupo apenas fica obrigado a providenciar o registro, caso haja a alienação de unidades.

Muito embora a ausência de registro possa não ser causa de nulidade, os tribunais têm entendido que os adquirentes podem optar pela resolução do contrato230.

Uma discussão bastante interessante refere-se à possibilidade ou não de registro na matricula de imóvel que ainda não existe no mundo fático, mas já delineado no plano jurídico. Marcelo Terra enfrenta a questão e se posiciona contrariamente às normas previstas no Prov. 58/89, de 5.11.89, da Corregedoria Geral da Justiça, que assevera, no item 213 do Cap. XX, ser irregular a abertura de matrículas para o registro de atos relativos a futuras unidades autônomas.

III - Na linha da jurisprudência desta Corte, ‘o incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas uma vez registrados os documentos previstos no art. 32 da Lei 4.591/1964, sendo suscetível de sofrer a multa do art. 35, § 5º, no caso de violação’.

(REsp 192.182/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2001, DJ 18/02/2002, p. 447)

230 “CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE NULIDADE/RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE INCORPORAÇÃO.EFETIVAÇÃO DO REGISTRO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO E CITAÇÃO.DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CARACTERIZADO. IMPROCEDÊNCIA.

I. A ausência de registro da incorporação não importa, automaticamente, na nulidade dos contratos de promessa de compra e venda, restando, de outra parte, inviabilizada a pretensão rescisória da avença se antes do ajuizamento da ação e citação, a irregularidade resta sanada, como no caso ocorreu. Precedentes.

II. Recurso especial conhecido e provido. Ação improcedente.”

(REsp 281.684/MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 492)

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Referido autor tem opinião favorável à abertura de matrículas (numeradas) para o registro de atos de alienação ou de oneração relativos a futuras unidades autônomas, em respeito aos princípios da especialidade e da unitariedade da matricula, diante da existência da unidade no plano jurídico, conforme abaixo:

A Lei 4.591/64 impõe ao incorporador a obrigatoriedade (art. 32) de arquivar no Cartório Imobiliário uma série de documentos, na hipótese de desejar alienar futuras unidades autônomas antes de concluída a obra.

(...)

Especializada a futura unidade autônoma, a Lei 4.591/64 veda, em seu art. 43, V, ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal. Em face de tais considerações, especializada a futura unidade autônoma estará ela apta a ser objeto de matrícula com numeração própria, pois todos os requisitos estarão cumpridos.

(...)

O princípio da unitariedade da matrícula reforça, ainda mais, a. tese aqui defendida. De fato, a Lei 6.015/73 estabelece (art. 176, I) a seguinte regra: "cada imóvel terá matrícula própria, que

será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei". Eis aí o princípio da unitariedade da matrícula. Não pode haver matrícula com mais de um imóvel, nem, tampouco, mais de uma matrícula do mesmo imóvel. Cada imóvel, objeto do título, deverá ter sua própria matrícula para que possa ser registrado (Lei 6.015/73, art. 227)231.

Isso porque, segundo o mesmo autor, a doutrina tradicional afirma que o objeto do direito real há de ser sempre uma coisa existente, uma realidade do mundo exterior232.

Caio Mário da Silva pereira, incisivamente, lecionava que:

144-A. A grande inovação instituída na Lei n. 4.591/64 foi a criação de direito real, instituído em favor dos adquirentes de unidades, como também do incorporador, com o registro da incorporação.

Promovido o registro, encerra-se a fase administrativa da incorporação, vigorando em toda a sua plenitude a presunção de regularidade dos documentos oferecidos" - destaques no original.

Repita-se: há direito real em favor dos adquirentes de unidades futuras, como também do incorporador, com o registro da incorporação233.

Portanto, a grande inovação no direito brasileiro foi instituída pela Lei 4591 de 1964, em seu art. 12, quando permite a criação de um direito real em favor dos adquirentes mesmo sem que a construção esteja pronta. O direito real nasce com o registro do contrato,

231 TERRA, Marcelo. A matricula na incorporação imobiliária. In Revista de Direito Imobiliário | vol. 29 | p. 73 | Jan / 1992.

232 Op. Cit.

233 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, p. 288.

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objetivando imóvel ainda não existente fisicamente, mas já reconhecido e especializado no âmbito jurídico.

Diversamente do direito brasileiro, o direito espanhol não permite o registro do contrato sem ao menos que se tenha iniciado a construção, pois a Lei Hipotecária espanhola somente autoriza "... su mera constancia registral", eis que aquela lei (art. 8.º, ns. 4.º e 5.º) permite a inscrição de edifícios no regime da propriedade horizontal, quando a construção esteja ao menos começada; não prevê, portanto, a instituição do condomínio especial, quando a construção se achar apenas no plano do projeto.

Diante dessas circunstâncias, Marcelo Terra conclui que “em face do princípio da unitariedade, inviável que dois imóveis, juridicamente distintos, se alberguem sob um mesmo número de matrícula - na matrícula, objetivando unidade autônoma, deve-se apontar, com clareza, o fato de a obra ainda não se achar concluída”234.

A jurisprudência arreda a aceitação do registro da promessa de compra e venda, ou mesmo a venda de unidade autônoma, sem que antes tenha havido registro da incorporação. Neste caso, o comprador poderá intentar ação cominatória de modo que seja regularizada nos termos da exigência legal. A tentativa de impedimento da realização do registro serve de beneficio ao incorporador, que poderá alterar o contrato sem a anuência dos adquirentes – art. 43, IV, da Lei 4.591/64.

É o registro que estabelece o vínculo de direito real e confere validade perante terceiros. Por isso mesmo, ganha relevância a questão envolvendo a possibilidade de oferecimento do imóvel em garantia – cláusula comum nos contratos de incorporação em que o adquirente permite que o Incorporador realize financiamentos, dando o bem imóvel em garantia. Todavia, se o imóvel está registrado e sem instituição de garantia sobre o terreno, qualquer gravame deve ser consentido pelo adquirente.

234 TERRA, Marcelo. A matricula na incorporação imobiliária. In Revista de Direito Imobiliário | vol. 29 | p. 73 | Jan / 1992.

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O direito argentino, ao tratar de patrimônio de afetação, parece também dar muita importância ao registro, conforme se verifica da legislação que trata da propriedad por pisos n. 19.724235.

Caso o Incorporador realize ao mesmo tempo o financiamento e a venda da unidade, a garantia real sobre ela instituída não será eficaz contra ele, podendo se valer da aplicação das súmulas 84236 e 308237 do Superior Tribunal de Justiça. Vale ressaltar que os tribunais têm entendido que a aplicação da súmula 308 caberá quando o adquirente tenha quitado integralmente o preço pactuado no contrato, ao passo que não estando quitado, sendo o comprador inadimplente, lhe seria negada a aplicação da súmula.

Além de promover o registro da incorporação, deve o incorporador: (i) manter alguma identificação da empresa no local da obra; (ii) indicar o número do registro do memorial em todas as propagandas que fizer; (iii) indicar periodicamente o estado da obra aos adquirentes; (iv) requerer a averbação da edificação após o habite-se, bem como a individualização das unidades; (v) comparecer as assembleias, dentre outras elencadas dos arts. 31 a 62 da Lei Especial.

Militam em proveito do incorporador: (i) o direito de arrependimento dentro do prazo de carência, se tiver fixado, hipótese em que ocorrerá a devolução das quantias pagas238; (ii) exigir a assinatura do contrato depois do período de carência; (iii) exigir o pagamento estipulado no contrato, podendo buscar as medidas para que isso seja efetivado, podendo, inclusive, transferir a terceiros os direitos daquele adquirente que não cumpriu com o pagamento (mora); (iv) direito de retenção enquanto não for pago o crédito.

235 “Artículo 1.- Todo propietario de edifício construido o em construcción o de terreno destinado a construir em el unedificio, que se proponga a djudicarlo o enajenarlo a título oneroso por el régimen de propiedad horizontal, debe hacer constar, en escritura pública, su declaración de voluntad de afectar elinmueble a lasubdivisión y transferência del dominio de unidades por tal régimen.
Artículo 2.- Enla escritura a que se refiere el artículo anterior se dejará constancia de:
a) Estado de ocupación de linmueble;
b) Inexistencia de deudas por impuestos, tasas o contribuciones de cualquier índole a la fecha de suotorgamiento;
c) Si latransferencia de unidades queda condicionada a la enajenación, enunplazocierto, de un número determinado de ellas; dichoplazo no podrá exceder de un (1) añoniel número de unidades ser superior al cincuenta (50) por ciento;
d) Cumplimiento de losrecaudos a que se refiereel artículo 3º de esta ley.”

236 “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados emalegação de posse advinda do compromisso de compra e venda deimóvel, ainda que desprovido do registro.”

237 “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”

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No tocante as obrigações do adquirente, basicamente, ele deve cumprir com o pagamento do preço ajustado no contrato, bem como não interferir na obra para evitar qualquer tipo de prejuízo aos serviços que estão sendo realizados e, também, para preservar a sua integridade física.

Cumpridas as obrigações, os adquirentes têm vários direitos, alguns deles a seguir especificados: (i) obtenção do contrato pactuado após o prazo de carência, se houver; (ii) recebimento de multa estipulada em 50% sobre a quantia paga em caso de descumprimento da outorga do contrato a que se refere o art. 35, caput; (iii) obtenção de relatórios periódicos sobre o andamento da obra; (iv) caso a obra paralise ou atrase, possibilidade de notificar o incorporador e, ainda, de receber indenização; (v) obtenção da escritura da compra e venda da unidade, dentre outros.

Identificados quais os direitos e obrigações de cada uma das partes nos contratos de incorporação de forma genérica, passemos a análise do contrato de Compromisso de Compra e Venda, objeto do presente trabalho.