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Parte II Enquadramento Teórico e Revisão Literária

1. A Visão Sistémica e Dinâmica da Empresa

1.4 A Empresa como um Sistema Dinâmico de Recursos

1.4.1 A Teoria Clássica RBV

A visão sistémica e dinâmica da empresa tem vindo a receber importantes contributos com o desenvolvimento nos últimos anos da perspectiva da empresa como um sistema dinâmico de recursos. Esta teoria emergiu de uma perspectiva dinâmica e sistémica da teoria da empresa baseada nos recursos (“RBV - Resource Based View”).

A teoria da empresa baseada nos recursos “RBV” teve as suas fundações em Penrose (1959) que definiu a empresa como um conjunto de recursos produtivos coordenados por uma organização administrativa, em que a vantagem competitiva deriva da posse de melhores recursos e/ou da utilização melhor desses recursos. Posteriormente, esta teoria recebeu importantes contributos de diversos autores, tais como Wernefelt (1984), que deu o nome a esta teoria, Barney (1991) e Peteraf (1993). Os recursos estratégicos de uma empresa são activos, tangíveis e intangíveis, detidos ou controlados pela empresa. A vantagem competitiva e performance são função principalmente dos recursos estratégicos da empresa, resultando duma configuração única daqueles recursos, adquiridos ou desenvolvidos pela empresa. Mas após adquirida, esta vantagem só é sustentável se forem cumpridas certas condições, designadamente se esses recursos estratégicos forem valiosos, raros, dificilmente imitáveis e insubstituíveis.

“.. sustained competitive advantage derives from the resources a firm controls that are valuable, rare, imperfectly imitable, and not substitutable. These resources can be viewed as bundles of tangible and intangible assets, including a firm’s management skills, its organizational processes and routines, and the information and knowledge it controls.” (Barney et al, 2001, p 625).

Estas condições reflectem o carácter estático e de equilíbrio que baseia esta versão clássica da teoria “RBV”.

1.4.2 A Teoria Dinâmica RBV

Nos últimos anos, tem emergido uma nova versão da teoria “RBV”. O que primeiramente distingue esta versão da clássica é a consideração de factores dinâmicos. Enquanto na versão clássica existia uma abordagem estática e em equilíbrio da organização, esta nova versão considera o tratamento de factores dinâmicos, nomeadamente relacionados com acumulação de recursos, formação de competências e aprendizagem individual e organizacional. Dierickx e Cool (1989) deram passos importantes em direcção à versão dinâmica da teoria “RBV” ao definirem conceitos como a acumulação e interligação dos recursos, e a abordagem de “stocks” e fluxos. Para estes autores, a empresa é vista como um sistema de recursos, que se comportam como “stocks” que são acumulados, mantidos e gastos ao longo do tempo através de fluxos. Os níveis dos stocks/recursos é o que se pode observar na empresa se esta for “congelada” no tempo, e reflectem as acções e decisões passadas.

“The strategic asset is the cumulative result of adhering to a set of consistent policies over a perior of time. Put differently, strategic asset stocks are accumulated by choosing appropriate time paths of flows over a period of time.” Dierickx e Cool (1989, p 1506).

Para ilustrar o efeito de acumulação de stock, Dierickx e Cool (1989) basearam-se na seguinte metáfora: “The fundamental distinction between stocks and flows may be illustrate by the bathtub metaphor: at any moment in time, the stock of water is indicated by the level of water in the tub; it is the cumulative result of flows of water into the tub and out of it.” Dierickx e Cool (1989, p 1506)

Dierickx e Cool (1989) propuseram que a vantagem competitiva de uma empresa pode persistir durante um certo período de tempo devido à inércia do processo de acumulação de recursos. “While flows can be adjusted instantaneously, stocks cannot. It takes a consistent pattern of resource flows to accumulation a desired change in strategic asset stocks.” (Dierickx e Cool, 1989, p 1506).

Dierickx e Cool (1989) trataram este conceito de acumulação de recursos numa perspectiva sistémica, dando ênfase ao princípio da interligação e interdependência dos recursos estratégicos da empresa. “Interconnectedness of Asset Stocks. Accumulating increments in a existing stock may depend not just on the level of that stock, but also on the level of the other stocks.” Dierickx e Cool (1989, p 1508).

A vantagem competitiva deriva não apenas do carácter único dos seus recursos estratégicos, conforme explicado na literatura tradicional da visão da empresa baseada nos recursos (por ex Barney, 1991), mas também das formas como a dotação dos recursos evolui ao longo do tempo. “competitive advantage and ultimately superior performance stem not only from the uniqueness and variety of the firm’s current resources, but also from the ways resource endowments change over time as a result of management policies.” (Morecroft, 2002, p20).

Figura 1.3: Ilustração da representação do processo de acumulação de recursos através de diagramas de stock e fluxos da dinâmica de sistemas. Fonte: Warren (2002a, p82)

Conjugando esta perspectiva de acumulação de recursos da teoria “RBV” com a dinâmica de sistemas (Forrester, 1961), alguns autores construíram uma abordagem sistémica e dinâmica da teoria “RBV” e operacionalizável através da modelação e simulação com dinâmica de sistemas (por exemplo Ritchie-Dunham e Rabbino, 2001; Warren, 2002a; Morecroft, 2002). Esta abordagem é ilustrada na figura 1.3 (Warren, 2002a, p82) a qual mostra a representação gráfica do processo de acumulação de recursos, através de um diagrama stock e fluxos (exemplifica a acumulação de clientes por via do fluxo de captação que é influenciado pelo orçamento de marketing, e do fluxo de perda de clientes que é influenciado pelo nível de serviço).

Nesta perspectiva, Warren (2002c) descreveu um modelo teórico sobre a evolução da performance organizacional baseada num sistema de recursos interdependentes que se comportam como stocks, que denominou de “dynamic resource-system view”.

A empresa é vista como um sistema dinâmico, complexo e aberto de recursos interdependentes (Morecroft, 2002; Warren, 2002a). Recurso estratégico é alguma coisa, tangível (recursos materiais, recursos humanos, dinheiro, clientes potenciais, clientes, patentes, ...) ou intangível (moral do pessoal, qualidade dos produtos, nível de serviço, ...), que seja útil para a empresa atingir os seus objectivos. “Resource are defined as anyone (human assets) and anything (tangible or intangible assets) that are available and useful in any activities an organization undertakes in pursuing its goals.“ (Morecroft et al, 2002, p5).

Os recursos podem estar dentro ou fora dos limites legais da empresa, ser controláveis ou apenas acessíveis aquela. O sistema de recursos é aberto, pois existe interacção com a envolvente, podendo a acumulação de recursos depender de factores exógenos, e certos recursos podem ser desenvolvidos no interior ou a partir do exterior da empresa (Warren, 2002a; Morecroft, 2002).

A explicação da performance da empresa ao longo do tempo é construída a partir da evolução do seus recursos estratégicos, que se comportam como stocks, acumulando, mantendo-se e desgastando-se ao longo do tempo. “An adequate explanation for performance over time must therefore explain the trajectory that the levels of these resources follows, through time.” (Warren, 2002c, p2).

A acumulação de recursos ocorre mediante a utilização de outros ou desses mesmos recursos, sendo os respectivos fluxos, reflexo das políticas e decisões de gestão (Warren, 2002a; Morecroft, 2002).

“… firm performance depends on strategic resource levels, and these can only be changed by resource-flows … the only influence management can have over strategic performance is by choices that affect each resource-flow … Executives can influence resource accumulation rates via one of two mechanisms. First, they have some discretion as to which resources they deploy to drive any resource-flow … They might choose, for example, to deploy distributors to promote a new product, rather than a direct sales force …The second form of managerial influence over resource-flows arises in their direct discretion over influential drivers, such as

price or marketing spend in the pursuit of new customers, or salaries and training budgets in the search for new staff.” Warren (2002c, p13).

Consequentemente, a performance da empresa depende primeiramente da capacidade de gestão de sistemas de recursos dinamicamente complexos (Morecroft, 2002). Nesta perspectiva, a performance futura é muito dependente da história estratégica recente que é necessário compreender (Warren, 2002a). A performance da empresa segue uma trajectória para o futuro, causada por mudanças que já estão em progresso. Decisões e outras causas de mudança levam tempo para estarem operacionalizadas. Estes processos de mudança, que se desenvolvem do interior e do exterior da empresa, “empurram” a performance em determinada direcção, a não ser que a gestão actue no sentido de mudar esse futuro.

Em suma, na visão da empresa como um sistema dinâmico de recursos, a performance da empresa depende, em cada momento, do nível dos seus recursos estratégicos, que são interdependentes e apenas podem ser modificados através de fluxos. A gestão pode influenciar a performance através de decisões e políticas que afectem os fluxos de acumulação dos stocks (recursos estratégicos).